Decisão Monocrática nº 50090444720218210038 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 21-11-2022

Data de Julgamento21 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50090444720218210038
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003014673
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5009044-47.2021.8.21.0038/RS

TIPO DE AÇÃO: Consulta

RELATOR(A): Desa. MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMENTA

SAÚDE. TRATAMENTO INCORPORADO AO SUS. MÉDIA COMPLEXIDADE. TEMA 793 DO STF. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INCLUSÃO DA UNIÃO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.

Nas ações que tenham por objeto pedido de dispensação de tratamentos, procedimentos, equipamentos, materiais de média complexidade, cujo financiamento está inserido na categoria de financiamento alta e média complexidade (MAC), a União deve ser incluída no polo passivo, com a consequente remessa dos autos à Justiça Federal. Tema 793 do STF. Precedentes recentes do STF: ARE 1308917, Rel. Roberto Barroso, 1ª Turma, 29/03/2021; RE 1307921, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma, 19/03/2021; RE 1299773 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, 1ª Turma, 08/03/2021; ARE 1298325, Rel. Min Edson Fachin, 2ª Turma, 12/02/2021; Rcl 49909 AgR-ED, Rel. Min. Alexandre de Moraes, 1ª Turma, 22/03/2022; Rcl 49890, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, 22/03/2022. Jurisprudência deste Tribunal. Hipótese em que a parte autora deve promover a formação do litisconsórcio passivo necessário sob pena de extinção do processo. Art. 115, § único, do CPC. Mantidos os efeitos da decisão que deferiu a tutela antecipada até que outra seja proferida, forte no artigo 64, § 4º, do Código de Processo Civil.

Recurso provido em parte.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, em favor de V.M.C.M., em 1º de dezembro de 2021, ajuizou ação contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL para condená-lo ao custeio do tratamento de dilatação endoscópica esofágica, de 10 em 10 dias. Nos dizeres da inicial, (I) a favorecida foi diagnosticada com queimadura do esôfago (CID10 T28.1), necessitando do tratamento com urgência, e, (II) a despeito da prescrição médica, aguarda atendimento sem previsão (evento 01 - INIC1 - processo originário).

A MM. Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Vacaria deferiu a tutela de urgência requerida (evento 03 - DESPADEC1 - processo originário).

Na petição do evento 12, informou-se o agendamento da consulta na rede pública de saúde (evento 12 - PET1 - processo originário).

Citado, o Réu contestou a ação (evento 22 - CONT1 - processo originário).

Na sentença, o MM. Juízo a quo julgou procedente a ação para ratificar a tutela de urgência deferida e condenar o Réu ao custeio do tratamento dilatação endoscópica esofágica, enquanto perdurar a necessidade, isentando-o do pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios (evento 28 - SENT1 - processo originário).

Inconformado, apela, tempestivamente, o Réu. Preliminarmente, argui a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, visto que requerida a prova pericial. No mérito, alega que (I) "a competência para providenciar agendamento, obtenção de vaga e realização do procedimento cirúrgico postulado é, assim, do ente municipal em que reside a parte, que recebe verba para atender pacientes oriundos de municípios de sua abrangência, o qual deveria direcionar o paciente para o município apto ao procedimento, contra apenas quem deveria ter sido ajuizada a demanda". Sustenta que "é da União a responsabilidade pelo financiamento de procedimentos de alta e média complexidade no SUS, é evidente que a obrigação de fazer por ela deverá ser suportada, sob pena de se impor ao Estado do Rio Grande do Sul o dispêndio de verba reservada para aquisição dos insumos que de fato lhe competem, sem posterior compensação e/ou ressarcimento, dificultando a gestão orçamentária da pasta da saúde e, consequentemente, o atendimento de vultoso contingente de pacientes". Requer, então, o provimento do recurso para que (I) declarar a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, (II) determinar a inclusão da União e a exclusão do ente estatal no polo pasivo da ação e (III) julgar improcedente a ação (evento 34 - APELAÇÃO1 - processo originário).

Apresentadas as contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal (evento 37 - CONTRAZ1 - processo originário).

Nesta instância, o Ministério Público opinou pelo acolhimento da preliminar de nulidade da sentença. Subsidiariamente, opina pelo desprovimento do recurso (evento 12 - PARECER1).

2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 855.178/SE (TEMA 793), integrado pelos Embargos de Declaração, por maioria, em acórdão publicado em 16 de abril de 2020, assentou a seguinte tese de repercussão geral:

"Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro"(PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020) (Grifou-se)

Eis a ementa do acórdão dos respectivos Embargos de Declaração:

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.
2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes.
4. Embargos de declaração desprovidos." (RE 855178 ED, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020) (Grifou-se)

Por pertinente, transcreve-se o seguinte excerto do voto do Redator, o Min. Edson Fachin, verbis:

"3) Quanto ao desenvolvimento da tese da solidariedade enuncia-se o seguinte:

i) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss. CF);

ii) Afirmar que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes), isoladamente ou conjuntamente” significa que o usuário , nos termos da Constituição (arts. 196 e ss.) e da legislação pertinente (sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de responder por prestações específicas ;

iii) Ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11, e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a responsabilidade principal (de financiar a aquisição) pela prestação pleiteada, é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo, como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia, como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde;

iv) Se o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da relação jurídico processual, compete a autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento;

v) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas as suas hipóteses), a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90), de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação;

vi) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no artigo 28 do Decreto federal n. 7.508/11.

E, por derradeiro, em face do interesse público relevante, proponho que o Conselho Nacional de Justiça, por meio de seu Fórum Nacional de Saúde, acompanhe os efeitos da deliberação deste Tribunal, por entender necessária, inclusive no âmbito do STF, a manutenção e ampliação do debate com pessoas e entidades com expertise e autoridade nesta matéria.

É como voto.

Tese fixada: “Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial...

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