Decisão Monocrática nº 50093048920188210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quinta Câmara Cível, 09-02-2022

Data de Julgamento09 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50093048920188210019
ÓrgãoDécima Quinta Câmara Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002181162
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5009304-89.2018.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: FISA GUAIBA EMPREENDIMENTO IMOBILIARIO SPE LTDA (RÉU)

APELADO: ARLEIDE ANDERLE (AUTOR)

RELATÓRIO

FISA GUAÍBA EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO SPE LTDA apela de sentença proferida nos autos da ação de revisão de cláusula de distrato de promessa de compra e venda c/c restituição de valores pagos que lhe move ARLEIDE ANDERLE, assim lavrada:

Vistos.
ARLEIDE ANDERLE ajuizou AÇÃO DE REVISÃO DE DISTRATO em face de FISA GUAÍBA EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO
LTDA.
Aduziu, em suma, ter firmado um contrato de promessa de compra e venda da unidade autônoma representada pelo apartamento nº 120 do Edifício Super 08 Guaíba, localizado na Av. Castelo Branco, 2323, Bairro Coronel Nassuca, em Guaíba/RS. O valor do imóvel era R$ 251.444,47, dos quais adimpliu a quantia de R$ 24.983,34. Por dificuldades financeiras, não conseguiu mais adimplir o contrato, ajustando com a requerida o distrato. Afirmou a incidência de cláusula abusiva, eis que todos os valores pagos foram retidos pela ré, afirmado que era possível a retenção de 10% do valor pago, com a devolução do restante. Discorreu sobre o direito que entendia aplicável, defendendo a incidência do CDC. Pediu o julgamento de procedência, com a condenação da ré a restituir 90% do valor pago, corrigido (fls. 02/09). Juntou procuração e documentos (fls. 10/34, 41).
Deferida a AJG, foi designada sessão de conciliação (fl. 42), restando inexitosa (fl. 56).

Citada, a ré contestou.
No mérito, confirmou a contratação e o distrato, afirmando que a autora não faz jus a devolução, conforme cláusula 2.2 do distrato. Afirmou que, no interregno de tempo entre o contrato (11/2015) e o distrato (01/2017), perdeu a chance de comercializar o imóvel para outra pessoa e que o contrato prevê multa de 10% sobre o total do contrato para a rescisão contratual. Discorreu sobre o direito aplicável. Pediu o julgamento de improcedência (fls. 61/64). Juntou procuração e documentos (fls. 65/98).
Houve réplica (fls. 100/104).
Intimadas as partes a manifestarem interesse na pretensão probatória, a autora requereu a produção de prova testemunhal, o que foi indeferido, ao passo que a ré rogou pelo julgamento do feito no estado em que se encontrava (fls.
112/113 e 114).
Vieram os autos conclusos para sentença.

É o Relatório.
Passo a fundamentar e a decidir.

As partes firmaram promessa particular de compra e venda de uma unidade autônoma (nº 120), localizada no primeiro pavimento, Hotel em Condomínio Edifício 8, pelo preço de R$ 252.842,48.

O pagamento ocorreria da seguinte forma (fls.
75/76):

1) Entrada de R$ 1.599,83;
2) R$ 4.799,49, a ser pago em 03 parcelas de R$ 1.599,83 cada, vencendo a primeira em 24/12/2015;
3) R$ 4.820,13, com vencimento em 24/03/2016;
4) R$ 11.184,00, a ser pago em 16 parcelas de R$ 699,00 cada, com vencimento da primeira em 24/04/2016;
5) R$ 10.000,00, em 24/12/2016;
6)R$ 10.000,00, em 24/04/2017; e
7)R$ 210.249,03, a ser pago por meio de financiamento bancário.

De acordo com a inicial, não impugnado por ocasião da contestação, e conforme atestam os comprovantes de pagamento (fls. 18/34), a autora realizou o pagamento de R$ 24.983,34.
Por impossibilidade financeira, a autora firmou com a ré um DISTRATO, centrando sua irresignação na cláusula 2.2, que prevê que
nada teria a receber e nem a pagar em razão do presente distrato, bem como a cláusula 8.1 da promessa de compra e venda que, em caso de rescisão do contrato por inadimplemento, será devolvido o valor pago após deduzida a quantia apurada referente aos custos comerciais, despesas administrativas e jurídicas originadas por este instrumento, impostos e taxas já incluídos no preço, desde já fixados e aceitos como sendo o valor equivalente a 10% sobre o valor total da transação realizada (fl. 83).
Ou seja, do valor do imóvel, R$ 25.284,25 seriam destinados às despesas administrativas.

Com efeito, na hipótese de rescisão contratual, os valores desembolsados deverão ser devolvidos, à luz do artigo 53 do Código do Consumidor, caracterizando onerosa e abusiva a cláusula que prevê a retenção integral.
O desfazimento do contrato dá ao comprador o direito à restituição das parcelas pagas, porém não em sua integralidade.
No caso em tela, o valor pago a título de entrada equivale a 10% sobre o valor total do bem, valor excessivamente oneroso, pois não se pode afirmar que os custos comerciais, despesas administrativas e jurídicas originadas por este instrumento, impostos e taxas chegaram a onerar severamente a ré, que disporia de tempo bastante para, no curso da edificação, transferir o apartamento para outrem.

Dessa forma, diante da desistência da parte autora e na esteira da jurisprudência, a retenção pela vendedora de 10% (dez por cento) das parcelas pagas se mostra suficiente para o ressarcimento das perdas e danos e despesas administrativas suportadas pela ré, já que de outro lado não foi demonstrado que as despesas administrativas diluídas entre todo os participantes ultrapassam esse valor, atingindo a integralidade do valor pago até a desistência, devendo o restante ser restituído ao comprador desistente.

Nesse sentido, segue jurisprudência do TJRS:

RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL RESIDENCIAL. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA DO PROMITENTE COMPRADOR. RESTITUIÇÃO DEVIDA. AUSÊNCIA DE CULPA DA VENDEDORA. RETENÇÃO DE 10% SOBRE O VALOR PAGO PELO PROMITENTE ADQUIRENTE DESISTENTE. ADEQUAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DAS TURMAS RECURSAIS CÍVEIS REUNIDAS. SENTENÇA REFORMADA NO PONTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.(Recurso Cível, Nº
71009298431, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: José Ricardo de Bem Sanhudo, Julgado em: 23-06-2020)
APELAÇÃO CÍVEL.
PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES. DESISTÊNCIA / RESOLUÇÃO POR INTERESSE DO CONSUMIDOR ADQUIRENTE. RETENÇÃO DE PERCENTUAL PAGO PELO CONSUMIDOR. ADEQUAÇÃO. PROPORCIONALIDADE NO CASO. - A
pretensão de aplicação da Lei nº 13.786 de 2018 não foi ventilada perante o 1º Grau, tampouco foi deduzida na contestação, que era o momento processualmente adequado, de modo que, não pode ser conhecida por consubstanciar verdadeira inovação recursal, que, frise-se, é inadmissível por afrontar diretamente o princípio da estabilidade objetiva da demanda.
- Diante da rescisão do contrato de promessa de compra e venda de imóvel por interesse exclusivo da parte contratante (consumidor), é cabível a retenção, pela promitente-vendedora, no percentual de 10% do valor das parcelas pagas pelo promitente-comprador, desistente. APELO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 70083971275, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em: 18-06-2020)

Assim, reconhecida a abusividade da retenção integral, admitida a retenção de 10% do valor pago (R$ 2.498,33), é devida a restituição à parte autora de R$ 22.485,01.
Isso posto, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido ARLEIDE ANDERLE em face de FISA GUAIBA EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO LTDA,
com resolução de mérito (art. 487, I, CPC), para reconhecer a abusividade da cláusula que prevê a retenção integral dos valores pagos, admitindo a retenção de 10% do valor pago (R$ 2.498,33) e, de outro lado, CONDENO a parte ré a restituir à parte autora R$ 22.485,01, a ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a contar do desembolso, e juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação.

Sucumbente, condeno a ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios ao patrono da parte adversa, que fixo em 10% sobre o valor da condenação (art. 85, § 2º, do CPC).

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Com o trânsito em julgado, arquive-se.

Nas razões sustenta que o instrumento particular de distrato total da promessa particular de compra e venda firmado entre as partes deve observar as regras previstas no Código de Processo Civil; que não se aplica, as normas consumeristas, porquanto o empreendimento foi adquirido a título de investimento e não na qualidade de destinatário final; que o instrumento deve ser interpretado com base na teoria geral dos contratos no direito brasileiro; que entre as partes sequer há falar em situação de vulnerabilidade, uma vez que as estipulações podem ser regidas tanto pelo promitente comprador como pelo promitente vendedor; que o termo de rescisão previu que as partes nada tinham a receber ou pagar em razões do distrato, sendo dado, por ambas, ampla, geral e irrevogável quitação para mais nada exigirem uma da outra em relação ao instrumento firmado; que considerando o período de inadimplemento, a apelada ainda era devedora de juros e correção monetária, nada disso sendo computado pelo juízo de origem ao proferir a sentença. Postula pelo provimento do recurso.

Foram apresentadas as contrarrazões (Evento 11).

Vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas!

O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece conhecimento. Assim, analiso-o.

CDC. REGÊNCIA.

O conceito de consumidor adotado pelo Código de Defesa do Consumidor foi de caráter econômico levando em conta o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou contrata serviços como destinatário final. Define o art. 2º do CDC:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

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