Decisão Monocrática nº 50099112220208210023 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 04-04-2022

Data de Julgamento04 Abril 2022
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50099112220208210023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001985165
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5009911-22.2020.8.21.0023/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Moral

RELATOR(A): Des. MIGUEL ANGELO DA SILVA

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: EDUARDA CALDEIRA PERES NOGUEIRA (AUTOR)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE energia elétrica. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARATÓRIA DE DANOS MORAIS.

DÉBITO CONTRAÍDO POR TERCEIRO, ANTERIOR TITULAR DA UNIDADE CONSUMIDORA. OBRIGAÇÃO “PROPTER PERSONAM”. negativa de ligação nova. DÍVIDA PRETÉRITA. IMPOSSIBILIDADE.

A obrigação de adimplir as faturas que correspondem ao fornecimento de energia elétrica tem caráter “propter personam”, competindo ao obrigado que contratou a prestação do serviço: usuário (titular da unidade consumidora), de um lado, de outra a empresa concessionária.

Assim, não é possível e negativa de ligação nova em razão do inadimplemento de débitos pendentes em nome de terceiro (anterior titular da unidade consumidora).

DANOS MORAIS CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR.

Proposta a demanda contra empresa prestadora de serviço público, o regime a ser aplicado é o da responsabilidade civil objetiva, sendo desnecessário perquirir a respeito da culpa do causador dos danos. Incidência do art. 37, § 6º, da CF e dos arts. 14 e 22, parágrafo único, do CDC.

“In casu”, a falha na prestação do serviço - negativa injustifica e ilegal de fornecer energia elétrica na residência da parte autora em razão de débito pretérito de consumo do anterior titular da unidade consumidora - caracteriza prejuízo digno de reparação civil.

ARBITRAMENTO DO "QUANTUM" INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO.

Montante da indenização arbitrado em atenção aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade e às peculiaridades do caso concreto.

APELO DESPROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1 - De saída, adoto o relatório do parecer ministerial lançado nesta instância revisora, que sumariou a espécie nestes termos (Evento 8), “in verbis”:

"Trata-se de recurso de apelação interposto por Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica - CEEE-D inconformada com a sentença que, nos autos da ação ordinária movida por Eduarda Caldeira Peres Nogueira, julgou procedentes os pedidos para confirmar a tutela de urgência deferida e determinar restabelecimento da energia elétrica junto ao imóvel descrito na inicial, declarar a inexistência da dívida de R$ 693,92 em relação à requerente e condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00, quantia esta a ser corrigida monetariamente pelo IGP-M a contar da sentença, incidindo juros de mora na monta de 1% ao mês desde a citação. Por fim, a demandada foi condenada ao pagamento das custas e despesas processuais e de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação (Evento 28 – 1º grau).

Em suas razões recursais, a parte apelante busca a reforma da sentença. Defende a legalidade da negativa de fornecimento de energia elétrica na unidade consumidora da parte autora. Diz que o pedido foi indeferido na via administrativa em razão da ausência de entrega de documentos comprovando a data da posse do imóvel, nos termos do art. 27, II, “h”, da Resolução 414/2010 da ANEEL. Sustenta que cabia à autora apresentar documentação demonstrando a data do início e do término da locação para que assim comprovasse que os débitos são de terceiro. Colaciona julgados. Nega o dever de pagar indenização por danos morais, aduzindo que não cometeu ato ilícito. Reitera que a demandante não comprovou a data em que houve a retomada do imóvel locado. Sustenta, ainda, que não restou comprovada a ocorrência de danos extrapatrimoniais. Alega que o valor fixado a título de indenização se mostra excessivo. Ao final, requer o provimento do recurso para que a demanda seja julgada improcedente. (Evento 35 – 1º grau).

Foram apresentadas contrarrazões. (Evento 38 – 1º grau)."

A douta Procuradoria de Justiça exarou parecer opinando pelo conhecimento e parcial provimento do recurso.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

2 - Conheço do recurso, porquanto preenchidos seus pressupostos de admissibilidade.

O recurso comporta julgamento monocrático realizado de plano, com esteio na Súmula 568 do STJ, cujo enunciado explicita: O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema”.

Adianto de saída que estou desprovendo o apelo e confirmando a douta sentença de procedência da ação, cujos escorreitos fundamentos adoto e transcrevo adiante, no que mais releva, com o fito de evitar indesejável tautologia, “in litteris”:

"Inicialmente, destaco ser caso de aplicação das disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor ao caso em comento, porquanto caracterizados os conceitos de consumidor e fornecedor, nos exatos termos dos arts. 2º e 3º da Lei 8078/9.

Dessa forma, cabia à parte ré comprovar, consoante conteúdo do art. 373, II, do CPC e do art. 6º, VIII, do CDC, o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, ou seja, incumbia à concessionária provar a legitimidade da negativa do religamento da energia elétrica, o que não fez.

Conforme documentação angariada aos autos, quais sejam, cópia do contrato particular de compra e venda referente ao imóvel descrito à inicial (ev. 1, CONTR8), cópia do contrato de locação residencial (ev. 1, CONTR9), prints de conversas mantidas entre a autora e o anterior locatário (ev. 1, OUT10) e faturas emitidas pela concessionária ré em nome do locatário (ev. 1, OUT17), nenhum deles impugnados pela requerida, há prova suficiente não só da propriedade do imóvel, mas principalmente do período no qual este fora locado a terceiro, quando então se originou o débito pelo qual negada a religação da luz.

Portanto, sendo a obrigação relativa ao consumo de energia elétrica uma obrigação propter personam, isto é, aquela a qual adere à pessoa do efetivo consumidor e não é passível de transmissão com o imóvel (propter rem), não poderia ter a concessionária negado o restabelecimento do fornecimento de energia elétrica sob o argumento da existência de dívida originada quando o imóvel não estava sob posse direta da requerente.

Tal conclusão é, inclusive, o que se encontra expressamente previsto no art. 4º, § 2º, da Resolução n. 456/00 da ANEEL, que assim dispõe:

Art. 4º. A concessionária poderá condicionar a ligação, religação, alterações contratuais, aumento de carga ou contratação de fornecimentos especiais, solicitados por quem tenha quaisquer débitos no mesmo ou em outro local de sua área de concessão, à quitação dos referidos débitos.

§ 1º A concessionária não poderá condicionar a ligação de unidade consumidora ao pagamento de débito que não seja decorrente de fato originado pela prestação do serviço público de energia elétrica ou não autorizado pelo consumidor, no mesmo ou em outro local de sua área de concessão, exceto nos casos de sucessão comercial.

§ 2º A concessionária não poderá condicionar a ligação de unidade consumidora ao pagamento de débito pendente em nome de terceiros.

Sobre o assunto, também é o entendimento adotado jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. ENERGIA ELÉTRICA. FORNECIMENTO. LIGAÇÃO DO RAMAL. DÉBITO EM NOME DE PESSOA DIVERSA. NATUREZA PROPTER PERSONAM. DANO MORAL COMPROVADO. I – Descabe o condicionamento de nova ligação de ramal de energia elétrica ao pagamento de fatura vencida, de responsabilidade de terceiro, diante da natureza propter personan da dívida. II – Dano moral comprovado, forte no art. 373, I, do CPC de 2015. Apelação da concessionária desprovida. Apelação da parte autora provida.(Apelação Cível, Nº 70077431203, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Delgado, Julgado em: 30-09-2019)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. ENERGIA ELÉTRICA. APLICABILIDADE DO CDC. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE SERVIÇO PÚBLICO POR DÍVIDA DO ANTERIOR POSSUIDOR DO IMÓVEL. DEMORA NO RESTABELECIMENTO DA ENERGIA ELÉTRICA DEPOIS DO PAGAMENTO DA FATURA INDEVIDA. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. CABIMENTO. SENTENÇA CONFIRMADA. 1. É pacífico o entendimento, segundo o qual incidem as disposições do diploma consumerista às demandas envolvendo consumo de energia elétrica por consumidor doméstico, como nos autos. 2. Hipótese em que a parte autora pretende a declaração de inexistência de débito, esse de responsabilidade do anterior titular da unidade consumidora, repetição do indébito em dobro e indenização por danos morais experimentados, em razão de a concessionária demandada ter interrompido o serviço, mesmo com as faturas de consumo regular em dia, em decorrência de dívida pretérita em nome do anterior possuidor do imóvel, só restabelecendo o serviço essencial após a quitação do débito impugnado. 3. O condicionamento de transferência de titularidade e/ou ligação de unidade consumidora ao pagamento de débito pendente em nome de terceiro é descabido. A obrigação decorrente da prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica é de natureza pessoal (propter personam), sendo exigível do consumidor que usufrui do serviço prestado, não se tratando de obrigação propter rem. Portanto, eventual débito apurado em decorrência de consumo de anterior possuidor/proprietário do imóvel deve ser cobrado deste e não do atual possuidor/proprietário do imóvel. 4. A demora injustificada da concessionária para restabelecer o fornecimento na unidade consumidora do...

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