Decisão Monocrática nº 50103426020198210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 25-03-2022

Data de Julgamento25 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50103426020198210033
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001947346
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5010342-60.2019.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Oncológico

RELATOR(A): Des. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANIBAL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMENTA

remessa necessária e apelações cíveis. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. TRATAMENTO DE SAÚDE. CONSIDERAÇÕES.

1. Do direito ao tratamento.

Sendo dever do ente público a garantia da saúde física e mental dos indivíduos, e restando comprovada nos autos a necessidade da parte requerente de submeter-se ao tratamento descrito na inicial, imperiosa a procedência do pedido para que o ente público o custeie. Exegese que se faz do disposto nos artigos 5º, caput, 6º, caput, art. 23, inciso II, e 196, todos da Constituição Federal de 1988.

2. Autoaplicabilidade do art. 196 da Constituição Federal de 1988. Postulado constitucional da dignidade da pessoa humana.

O direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da carta, com aplicação imediata – leia-se § 1º do art. 5º da mesma Constituição –, e não um direito meramente programático.

3. Princípio da tripartição dos poderes. Dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

A violação de direitos fundamentais, sobretudo a uma existência digna, legitima o controle judicial, haja vista a inércia do poder executivo.

4. Princípio da reserva do possível.

Não se aplica quando se está diante de direitos fundamentais, em que se busca preservar a dignidade da vida humana, consagrado na CF/88 como um dos fundamentos do nosso estado democrático e social de direito (art. 1º, inc. III, da Carta Magna).

5. Princípio da proteção do núcleo essencial. Princípio da vinculação. Da proibição de retrocesso.

É de preservação dos direitos fundamentais que se trata, evitando-se o seu esvaziamento em decorrência de restrições descabidas, desnecessárias ou desproporcionais.

6. Bloqueio de valores.

O descumprimento com a obrigação judicial imposta autoriza o bloqueio de valores no erário dos réus para que a parte autora adquira o tratamento na esfera particular. Para tanto é necessário apresentar três orçamentos nos autos, devidamente atualizados. O de menor valor deverá prevalecer para tal finalidade.

7. Honorários à defensoria pública.

Não é devida verba honorária à defensoria pública pelo estado em face do instituto jurídico da confusão.

8. Custas, emolumentos e despesas processuais.

Isenção dos entes públicos do pagamento das custas processuais, já que a ação foi proposta sob a vigência da Lei Estadual/RS n. 14.634/14, que institui a taxa única dos serviços judiciais no Estado/RS.

9. Da condenação genérica.

O conteúdo da sentença judicial condenatória não pode dar margem para interpretações genéricas. É preciso que o paciente, por meio de seu representante legal, elenque e comprove, com documentos emitidos por profissionais que o atendem, qual é o tipo de medicamento, insumo, terapia, dentre outros atendimentos, de que necessita, como fez na petição inicial. Os pedidos devem ser analisados de acordo com as provas e a real necessidade diante das circunstâncias do caso clínico, oportunizando sempre o contraditório e a ampla defesa ao réu, bem como a possibilidade de atendimento pelos profissionais do SUS.

APELO DO ESTADO PROVIDO.

APELO DA PARTE AUTORA DESPROVIDO.

SENTENÇA PARCIALMENTE CONFIRMADA EM REMESSA NECESSÁRIA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Do relatório.

Parto do relatório que consta no parecer da Douta Procuradora de Justiça, Dra. Denise Maria Netto Duarte (evento 9).

LARISSA PEREIRA propôs AÇÃO DECLARATÓRIA contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL objetivando que o Demandado forneça tratamento médico — avaliação médica com médico especialista em gastroenterologia pediátrica.

Alega ser portador de invaginação intestinal (CID D 800), razão pela qual necessita se submeter a tratamento com médico especializado. Afirma que não possui condições para custear o valor do tratamento. Refere que o direto à saúde é dever do Poder Público nos termos da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional, razão por que deve ser fornecido o medicamento.

A inicial veio acompanhada de documentos — fls. 02/23.

O Estado apresentou contestação em que basicamente sustenta que a responsabilidade pela disponibilização do tratamento é do Município — fls. 31/33v.

Réplica — fls. 35/36v.

O Ministério Público exarou Parecer pela procedência da ação — fls. 39/44.

Sobreveio sentença, a qual julgou procedente a ação — fls. 46/47v.

A Autora interpôs apelação, requerendo que o Estado seja condenado ao pagamento de honorários ao FADEP — 49/52.

O Estado apresentou recurso de apelação, em que basicamente sustenta que se trata de condenação genérica, pelo que a sentença deve ser desconstituída — fls. 53/54v.

Contrarrazões — fls. 55/59 e 62/64.

O Ministério Público opina pelo desprovimento do apelo do Estado e provimento do apelo da parte autora.

É o relatório.

2. Do julgamento monocrático.

O feito comporta julgamento monocrático, consoante o disposto no art. 932, inciso VIII, do CPC/2015, bem como no art. 206, inciso XXXVI, do RITJRS.

3. Do direito à saúde.

Conheço dos recursos, pois preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade.

3.1 Da responsabilidade pela concessão do tratamento postulado nos autos.

O legislador constituinte de 1988 estabeleceu obrigações aos entes federados para com o desenvolvimento de políticas públicas destinadas à consecução dos serviços de saúde à população, conforme dispositivos que seguem:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

(...)

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (Vide ADPF 672)

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

(...).

Importa destacar que o SUS engloba a União, o Estado e os Municípios de forma sistematizada e descentralizada, logo não há pretender os entes federativos eximirem-se de suas obrigações.

No entanto, quanto ao aspecto da responsabilidade solidária, é importante frisar a interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de recurso extraordinário pela sistemática repetitiva (Tema 793), conforme ementa do acórdão abaixo transcrita:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes. 4. Embargos de declaração desprovidos.
(RE 855178 ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020)

Desse julgamento a União apresentou embargos de declaração que foram desprovidos por maioria (acórdão publicado em 16/4/2020), de acordo com o voto da lavra do Ministro Edson Fachin, que ficou como redator do acórdão, e apresentou critérios jurídicos, a título de detalhamento, que reestrutura a responsabilidade solidária dos entes federados na prestação do direito à saúde, nos seguintes termos:

i) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss. CF);

ii) Afirmar que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes), isoladamente ou conjuntamente” significa que o usuário, nos termos da Constituição (arts. 196 e ss.) e da legislação pertinente (sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de responder por prestações específicas;

iii) Ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11, e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite)...

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