Decisão Monocrática nº 50105827120218210003 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 24-01-2022

Data de Julgamento24 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50105827120218210003
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001578244
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5010582-71.2021.8.21.0003/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR(A): Des. JOAO MORENO POMAR

APELANTE: MIRIAM JULIANA SILVA DA SILVA (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

EMENTA

apelação cível. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO de obrigação de fazer. - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. NULIDADE. PROVA. A CONTRATAÇÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) É LÍCITA QUANDO O SEU DESTINO É A UTILIZAÇÃO POR CARTÃO DE CRÉDITO; E O RECONHECIMENTO DE SUA NULIDADE EXIGE PROVA DE VÍCIO NA PACTUAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA DOS AUTOS EM QUE, EMBORA A CONTRATAÇÃO, O CRÉDITO FOI UTILIZADO PARA PAGAMENTO DE MÚTUO FRAUDANDO O PROPÓSITO DE USO POR CARTÃO DE CRÉDITO; E SE IMPÕE MANTER A SENTENÇA.

RECURSO DESPROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

MIRIAM JULIANA SILVA DA SILVA apela d sentença proferida nos autos da ação de obrigação de fazer ajuizada contra BANCO BMG S.A, assim lavrada:

MIRIAM JULIANA SILVA DA SILVA ajuizou ação de obrigação de fazer em desfavor do BANCO BMG S.A., alegando que contratou com o réu um empréstimo consignado, contudo, no curso da cobrança das parcelas, veio a descobrir que na verdade lhe foi disponibilizado o chamado cartão de crédito consignado, cuja parcela mínima mensal da fatura é descontada do seu benefício previdenciário. Asseverou que, quando da celebração do ajuste, procurava, na verdade, apenas realizar um empréstimo consignado e não adquirir um cartão de crédito, sendo que jamais chegou a usar o cartão após o início da contratação. Pediu, em sede de tutela provisória, a determinação para que o requerido que se abstenha de Reservar Margem Consignável (RMC) e Empréstimo Sobre RMC da parte Autora, com o seu respectivo cancelamento/suspensão dos descontos, sob pena de multa diária. Ao final, requereu a procedência dos pedidos, para que seja realizada a readequação/conversão do “empréstimo” via cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de RMC utilizados para amortizar o saldo devedor, o qual deverá ser feito com base no valor liberado (negociado) a parte Autora, desprezando-se o saldo devedor atual, ou seja, não deverá ser considerado para o cálculo o valor acrescido de juros e encargos. Anexou documentos (evento 1).

Foi concedido o benefício da AJG e indeferida a tutela provisória (evento 3).

Citado, o requerido apresentou contestação. Discorreu sobre o contrato entabulado entre as partes. Mencionou a existência de diversos saques e compras, mediante a utilização do cartão. Aduziu a legalidade dos juros remuneratórios. Defendeu a impossibilidade de conversão do contrato. Alegou a ausência de danos materiais. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos, com os ônus de praxe. Acostou documentos (evento 9).

Houve réplica (evento 14).

Vieram os autos conclusos para a sentença.

É O RELATÓRIO.

PASSO ÀS RAZÕES DE DECIDIR.

Oportuno o julgamento antecipado do feito, nos termos do art. 355, I, do CPC.

Segundo narrativa inicial, a autora contratou empréstimo consignado com o Banco réu, vindo a descobrir, posteriormente, que se tratava de modalidade de empréstimo com cartão de crédito. Por não ter a contratação se dado nos termos em que pretendia, postulou que seja realizada a readequação/conversão do “empréstimo” via cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de RMC utilizados para amortizar o saldo devedor.

Entretanto, cumprindo com o ônus de provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do art. 373, inciso II, do CPC, a instituição financeira juntou aos autos o contrato firmado pelo requerente, devidamente assinados por ele, restando evidente a contratação do empréstimo consignado pela modalidade cartão de crédito, bem como a autorização para desconto no seu benefício previdenciário.

Ademais, não há indicativos que o autor teve a sua vontade viciada no ato da contratação do empréstimo. Aliás, como enfatizado pelo Desembargador Dilso Domingos Pereira em análise de feitos similares ao presente, “em que pese seja a autora pessoa idosa, tal condição não pressupõe que não entenda o que está assinando, inclusive porque, conforme documentação [...], possui inúmeros outros empréstimos, levando a crer que possui familiaridade com esse tipo de contratação” (Apelação Cível Nº 70079319802, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 31/10/2018).

Assim, é lícito concluir que, por ocasião da celebração do negócio jurídico, a autora teve ciência da modalidade contratada e dos descontos efetuados de seu benefício previdenciário a título do pagamento mínimo da fatura do cartão de crédito consignado.

Diante disso, não há que se falar em nulidade do contrato.

Por outro lado, a instituição financeira requerida demonstrou a efetiva utilização do cartão de crédito pelo consumidor, modo a justificar a realização dos descontos a título Reserva de Margem Consignável - RMC.

Juntamente à contestação, o requerido aportou documentos demonstrando que houve a fruição das utilidades do cartão de crédito, visto que, após o saque inicial, foi efetuado pela demandante diversos saques complementares e compras, o que afasta a alegação de vício de consentimento

Nesse cenário, não é verossímil a alegação da parte autora de que queria apenas contratar um empréstimo financeiro comum, consignado em seu benefício previdenciário, pois, conforme demonstrado, utilizou-se, em mais de uma oportunidade, da modalidade contratada.

Dito isso, não há como descaracterizar o Contrato de Cartão de Crédito Consignado e determinar que o pacto subsista como empréstimo pessoal consignado.

Destarte, a improcedência do pedido é a medida que se impõe.

FUNDAMENTEI.

DECIDO.

Diante do exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial.

Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios ao patrono do requerido, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, atenta as diretrizes prevista no art. 85, § 2º, do CPC, atenta ao trabalho realizado, tempo de tramitação e natureza da causa.

Suste-se a exigibilidade da sucumbência, tendo em vista o benefício da AJG.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, nada mais sendo requerido, arquive-se o feito com baixa.

Nas razões sustenta que a reforma da sentença é medida que se impõe, aos efeitos de que seja realizada a readequação/conversão do “empréstimo” via cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de RMC utilizados para amortizar o saldo devedor, o qual deverá ser feito com base no valor liberado (negociado) a parte Recorrente, desprezando-se o saldo devedor atual, ou seja, não deverá ser considerado para o cálculo o valor acrescido de juros e encargos e, em sendo o caso, determinando a repetição em dobro dos valores pagos a maior, os quais deverão ser corrigidos monetariamente pelo IGP-M desde o efetivo pagamento até a repetição, bem como acrescidos de juros legais de 1% ao mês, a ser apurado em fase de liquidação de sentença. Postula o provimento do recurso.

Contrarrazões no evento 24.

Os autos vieram-me conclusos.

As disposições dos artigos 931, 934 e 935 do CPC/15 restam atendidas pelo procedimento informatizado deste Tribunal.

É o relatório.

O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece conhecimento. Assim analiso-o, articuladamente.

CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. NULIDADE. PROVA.

O Código Civil, ao tratar da nulidade dos negócios jurídicos, assim dispõe:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

§ 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

Por seu turno, a anulabilidade é assim tratada no Código Civil, in verbis:

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente;
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

A nulidade e a anulabilidade são espécies de invalidade do negócio jurídico. Sobre a diferença dos institutos, assim leciona Silvio de Salvo Venosa:

A anulabilidade é deferida no interesse privado do prejudicado ou no interesse de determinadas pessoas, enquanto a nulidade é de ordem pública, decretada no interesse da coletividade. Daí por que tem legitimidade para pedir a declaração de nulidade qualquer interessado ou o Ministério Público (art. 168), devendo ser pronunciado pelo juiz, quando conhecer do negócio ou dos seus efeitos; não lhe cabendo suprir nulidade. Já no que diz respeito à anulabilidade, só os interessados a podem alegar (art. 177).
Os negócios anuláveis permitem a ratificação, o que não ocorre com os
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