Decisão Monocrática nº 50106748320208210003 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50106748320208210003
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003205607
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5010674-83.2020.8.21.0003/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: DOUGLAS JARDIM FERNANDES (OAB RS109956)

ADVOGADO: ANANIAS MARQUES RODRIGUES (OAB RS113052)

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia em desfavor de LUCAS BORGES DE MOURA, com 23 anos de idade à época dos fatos, dando-o como incurso nas sanções do artigo 16, §1º, inciso IV, da Lei nº 10.826/03, e do artigo 180, caput, na forma do artigo 69, ambos do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

"1º FATO:

No dia 07 de novembro de 2020, por volta das 23h, na Rua Elpídio Correia da Silveira, n.º 54, bairro Água Viva, no Município de Alvorada/RS, o denunciado Lucas Borges de Moura portava e possuía 1 (uma) pistola, marca Glock/G19, calibre 9mm, com a numeração raspada, 29 munições, calibre 9mm, intactas, 01 (um) carregador, marca Glock, modelo 14+1 e 01 (um) carregador, marca Glock, modelo 30+1, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Na oportunidade, o denunciado portava e possuía 01 (uma) pistola marca Glock/G19, calibre 9mm, com a numeração raspada, com 14 (quatorze) munições intactas e um carregador sobressaliente, marca Glock/30+1, com 15 (quinze) munições, intactas. Na sequência, Lucas foi abordado em atitude suspeita enquanto conduzia o veículo FIAT/Toro, cor cinza, placas QUW-9795. Ato contínuo, em revista pessoal, foram encontradas em sua cintura a arma municiada e o outro carregador com as munições supracitadas.

2º FATO:

Em data e horário não suficientemente esclarecidos nos autos, mas certamente entre os dias 24 de outubro de 2020 e 07 de novembro de 2020 , o denunciado Lucas Borges de Moura adquiriu, recebeu, e conduziu, em proveito próprio ou alheio, 01 (um) veículo FIAT/Toro Freedom AT 2017, placas IXI 6539, cor prata, que sabia ser produto de crime, qual seja, roubo registrado no Boletim de Ocorrência n.º 6036/2020/100309, da 09ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre.

Na ocasião, conforme descrito no primeiro fato, o denunciado conduzia o veículo supracitado, que ostentava a placa adulterada QUW9575. Ato contínuo, foi abordado Policiais Militares que, em consulta aos sistemas, constataram que o automóvel encontrava-se em situação de roubo.

Lucas sabia que o veículo era produto de crime em razão da proximidade entre a data do roubo (24/10/2020) e da sua apreensão (07/11/2020), considerando-se que a subtração foi realizada no Município de Porto Alegre e, sua abordagem, em Alvorada, cidades vizinhas, bem como devido à falta de apresentação do documento de licenciamento e propriedade do automóvel, que exige especial trâmite em sua aquisição.

O veículo foi avaliado em 68.520,00 (sessenta e oito mil e quinhentos e vinte reais), consoante Auto de Avaliação Indireta da fl. 50 do IP."

A denúncia foi recebida em 30.11.2020 (evento 3, DESPADEC1).

Pessoalmente citado, o acusado apresentou resposta à acusação por intermédio de defensor constituído (evento 7, DEFESA PRÉVIA1).

Durante instrução processual, foram ouvidas as testemunhas e interrogado o acusado (evento 45, TERMOAUD1).

Encerrada a instrução, as partes apresentaram memoriais (evento 69, MEMORIAIS1 e evento 74, ALEGAÇÕES1).

Sobreveio sentença de lavra do Dr. Marcos Henrique Reichelt, julgando procedente a ação penal, a fim de condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 16, §1º, inciso IV, da Lei nº 10.826/03, e do artigo 180, caput, na forma do artigo 69, caput, ambos do Código Penal, à pena de 05 (cinco) anos de reclusão de reclusão em regime inicial semiaberto, bem como à pena de multa, fixada em 60 (sessenta) dias-multa à razão mínima (evento 78, SENT1).

A sentença foi disponibilizada em 15.09.2021.

O réu interpôs recurso de apelação. Em razões, requereu a absolvição por insuficiência probatória. Subsidiariamente, postulou que a pena seja fixada no mínimo legal e que o acusado possa apelar em liberdade (evento 89, APELAÇÃO1).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (evento 99, CONTRAZAP1), e os autos foram remetidos a esta Corte.

Em parecer, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Gilmar Bortolotto, manifestou-se pelo desprovimento do recurso defensivo (evento 7, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Conheço do recurso, uma vez que adequado e tempestivo.

No que tange ao pedido de absolvição, não assiste à defesa do acusado.

Com efeito, a materialidade dos delitos de porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida (1º fato) e de receptação (2º fato) vem delineada no registro da ocorrência policial nº 7172/2020/100425 (fls. 07-13), no auto de prisão em flagrante (fls. 17-18), no auto de apreensão (fls. 20-22), na ocorrência de roubo de veículo (fls. 37-39), todos do evento 1, P_FLAGRANTE1. Também pelo laudo pericial nº 88890/2021 (evento 67, LAUDO1), que atestou que o número de série da pistola foi suprimido, e que se encontrava em condições de uso e funcionamento, além da prova oral.

No que se refere à autoria delitiva, também está demonstrada e a tese escusativa não convence e não ficou devidamente comprovada.

A fim de evitar tautologia, colaciono trecho da sentença que bem sintetizou os depoimentos prestados em juízo:

"O Policial Militar Pablo dos Santos Gomes, ouvido em juízo, relatou que, na ocasião, durante patrulhamento de rotina, receberam informações acerca de uma camioneta Fiat Toro que trafegava na via pública. Localizado o veículo, passaram a dar sinal luminoso e sonoro de parada do veículo, o qual não foi acatado pelo motorista, que passou a empreender fuga. Ato contínuo, realizaram acompanhamento da camioneta até lograrem êxito na abordagem. Em revista ao motorista, localizaram uma pistola. Já no interior do veículo, apreenderam um colete balístico. Quanto ao veículo Fiat Toro, constataram que as placas haviam sido adulteradas e que estava em ocorrência de roubo. Relatou que, questionado sobre a arma encontrada, o denunciado referiu ser para sua segurança, pois atuaria na condição de “gerente do tráfico”, naquela localidade.

O Policial Militar Patrick Jean Siqueira da Silva prestou depoimento no mesmo sentido: referiu que, na oportunidade, receberam informações de que havia um veículo Fiat Toro de cor cinza trafegando em atitude suspeita na via pública. Localizado o veículo, ao tentarem realizar a abordagem, este empreendeu fuga. Realizado acompanhamento, obtiveram êxito na abordagem, sendo que, em revista pessoal ao condutor, localizaram uma pistola com carregador sobressalente, além de encontrarem um colete balístico dentro do automóvel da camionete. Em consulta ao sistema, verificaram que o veículo estava com o sinal identificador adulterado, tratando-se de um bem em ocorrência de roubo.

Interrogado em juízo, o réu Lucas Borges de Moura confirmou estar na posse do veículo Fiat Toro quando da abordagem policial, que disse ter adquirido sabendo tratar-se de veículo com placas clonadas. Falou que a negociação deu-se via “WhatsApp” e que teria pago R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) pelo bem. Quanto à arma de fogo e ao colete balístico, disse que tais objetos foram “enxertados” pelos policiais. Do mesmo modo, negou ter mencionado qualquer envolvimento com o tráfico de drogas."

Pois bem, quanto ao delito de receptação, as provas coligidas evidenciam que a conduta do réu se ajusta perfeitamente àquela descrita no artigo 180, caput, do Código Penal.

O próprio réu confirmou que sabia que as placas do veículo eram clonadas.

Ademais, o fato de ter adquirido o bem pelo valor de R$ 1.500,00, quando avaliado em R$ 68.520,00, conforme auto de avaliação indireta (fl. 06, evento 15, REL_FINAL_IPL1), demonstra sua procedência ilícita, ante a evidente desproporcionalidade entre o alegado valor pago e o valor real do automóvel.

E no caso, tenho por evidente que o acusado tinha ciência inequívoca da origem criminosa do automóvel. Tanto que não apresentou qualquer documentação, o que denota, modo inequívoco, a forma clandestina da aquisição, caracterizando a prática do delito tipificado no artigo 180, caput, do Código Penal, não havendo falar em absolvição.

Logo, deve ser mantida a condenação do réu em relação ao delito tipificado no artigo 180, caput, do Código Penal.

Em relação ao delito de porte ilegal de arma de fogo, o acusado negou que estivesse portando a pistola municiada, o carregador e o colete balístico, apontando que os policiais enxertaram os artefatos.

Pois bem, a mera negativa do acusado, quando não amparada de provas, não tem o condão de ensejar a absolvição deste, mormente quando os demais elementos existentes nos autos vão em sentido oposto.

Nesse sentido, a tese de enxerto não pode ser acolhida.

Primeiro, porque não foi atribuída a um policial especificamente, sendo que a acusação genérica no sentido de que “os policiais” enxertaram a pistola, é descabida. Segundo, não tem qualquer amparo probatório, ônus do recorrente, nos termos do artigo 156 do CPP.

Outrossim, não verifico discrepâncias significativas nos depoimentos prestados pelos policiais em sede policial e em juízo. E o fato de terem recebido ou não, informações acerca de um veículo suspeito, em nada modifica a conclusão final, mormente quando o apelante confirmou que estava na posse do automóvel.

No ponto, é de se destacar que o depoimento prestado pelos agentes de segurança merece especial relevância quando não verificada qualquer razão plausível a justificar um possível falso testemunho.

Ademais, é o Estado quem lhes atribui a autoridade e o dever de...

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