Decisão Monocrática nº 50116390520198210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 23-05-2022

Data de Julgamento23 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50116390520198210033
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002149401
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5011639-05.2019.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Consulta

RELATOR(A): Des. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANIBAL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. TRATAMENTO DE SAÚDE. CONSIDERAÇÕES.

1. Do direito ao tratamento.

Sendo dever do ente público a garantia da saúde física e mental dos indivíduos, e restando comprovada nos autos a necessidade da parte requerente de submeter-se ao tratamento descrito na inicial, imperiosa a procedência do pedido para que o ente público o custeie. Exegese que se faz do disposto nos artigos 5º, caput, 6º, caput, art. 23, inciso II, e 196, todos da Constituição Federal de 1988.

2. Autoaplicabilidade do art. 196 da Constituição Federal de 1988. Postulado constitucional da dignidade da pessoa humana.

O direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da carta, com aplicação imediata – leia-se § 1º do art. 5º da mesma Constituição –, e não um direito meramente programático.

3. Princípio da tripartição dos poderes. Dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

A violação de direitos fundamentais, sobretudo a uma existência digna, legitima o controle judicial, haja vista a inércia do poder executivo.

4. Princípio da reserva do possível.

Não se aplica quando se está diante de direitos fundamentais, em que se busca preservar a dignidade da vida humana, consagrado na CF/88 como um dos fundamentos do nosso estado democrático e social de direito (art. 1º, inc. III, da Carta Magna).

5. Princípio da proteção do núcleo essencial. Princípio da vinculação. Da proibição de retrocesso.

É de preservação dos direitos fundamentais que se trata, evitando-se o seu esvaziamento em decorrência de restrições descabidas, desnecessárias ou desproporcionais.

6. Bloqueio de valores.

O descumprimento com a obrigação judicial imposta autoriza o bloqueio de valores no erário dos réus para que a parte autora adquira o tratamento na esfera particular. Para tanto é necessário apresentar três orçamentos nos autos, devidamente atualizados. O de menor valor deverá prevalecer para tal finalidade.

APELO DESPROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Do relatório.

Menciono o relatório que consta no parecer do Douto Procurador de Justiça (evento 13).

Adoto e parto do relatório da sentença (Evento 3 – PROCJUDIC3 – página 6 - do processo no primeiro):

“Vistos e analisados os autos. Trata-se de ação ordinária ajuizada pela parte requerente em face do Estado do Rio Grande do Sul. Expondo argumentos de fato e de direito, informou a parte autora que sofre de patologia, razão pela qual necessita de tratamento. Requereu, inclusive liminarmente, a determinação para que o réu forneça o tratamento pleiteado, enquanto perdurar a necessidade, sob pena de bloqueio de valores. Instruiu a inicial com documentos.

Deferido parcialmente o pedido de tutela antecipada.

O ente réu foi citado e apresentou contestação.

As partes não requereram a produção de outras provas. O Ministério Público apresentou manifestação, opinando pela procedência da ação.(...)” (grifo do original)

Complemento:

Sobreveio sentença (Evento 3 – PROCJUDIC3 – páginas 6 a 9 - do processo no primeiro), cujo dispositivo é o que segue:

“Isso posto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora para confirmar os termos da decisão liminar (fl. 26), que determinou ao ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL o fornecimento à parte autora do exame de Sequenciamento do Exoma, e para determinar ao réu o fornecimento de sessões de equoterapia, pelo prazo de 01 (um) ano, período que poderá sofrer alterações. Sem custas, forte no § 2º do artigo 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Quanto aos honorários advocatícios, descabida a condenação do Estado do Rio Grande do Sul ao pagamento em favor da Defensoria Pública, haja vista a configuração do instituto da confusão, em consonância com a Súmula 421 do STJ. (...)” (grifo do original)

Irresignado, apelou o ESTADO (Evento 13 – APELAÇÃO1 – do processo no primeiro grau), informando, inicialmente, que não recorreria da condenação ao fornecimento do exame de sequenciamento genético – EXOMA. No tocante ao fornecimento do tratamento de equoterapia, sustentou que não é sua responsabilidade disponibilizá-lo. Defendeu que “(...) compete à União, como diretora nacional do SUS, a inserção de novas tecnologias, sendo sua a competência para fornecer medicamentos ou tratamentos não arrolados nas Portarias do Ministério da Saúde para fornecimento no âmbito do SUS” (Evento 13 – APELAÇÃO1 – página 3 – do processo no primeiro grau). Por fim, requereu o provimento do recurso.

A parte autora apresentou contrarrazões (Evento 18 – CONTRAZAP1 – do processo no primeiro grau).

O órgão do Ministério Público opina pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

2. Do julgamento monocrático.

O feito comporta julgamento monocrático, consoante o disposto no art. 932, inciso VIII, do CPC/2015, bem como no art. 206, inciso XXXVI, do RITJRS.

3. Do direito à saúde.

Conheço da remessa necessária, por se tratar de sentença ilíquida.

3.1 Da responsabilidade pela concessão do tratamento postulado nos autos.

O legislador constituinte de 1988 estabeleceu obrigações aos entes federados para com o desenvolvimento de políticas públicas destinadas à consecução dos serviços de saúde à população, conforme dispositivos que seguem:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

(...)

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (Vide ADPF 672)

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

(...).

Importa destacar que o SUS engloba a União, o Estado e os Municípios de forma sistematizada e descentralizada, logo não há pretender os entes federativos eximirem-se de suas obrigações.

No entanto, quanto ao aspecto da responsabilidade solidária, é importante frisar a interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de recurso extraordinário pela sistemática repetitiva (Tema 793), conforme ementa do acórdão abaixo transcrita:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes. 4. Embargos de declaração desprovidos.
(RE 855178 ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020)

Desse julgamento a União apresentou embargos de declaração que foram desprovidos por maioria (acórdão publicado em 16/4/2020), de acordo com o voto da lavra do Ministro Edson Fachin, que ficou como redator do acórdão, e apresentou critérios jurídicos, a título de detalhamento, que reestrutura a responsabilidade solidária dos entes federados na prestação do direito à saúde, nos seguintes termos:

i) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss. CF);

ii) Afirmar que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes), isoladamente ou conjuntamente” significa que o usuário, nos termos da Constituição (arts. 196 e ss.) e da legislação pertinente (sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de responder por prestações específicas;

iii) Ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11, e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a...

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