Decisão Monocrática nº 50133567020198210027 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 08-02-2023

Data de Julgamento08 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50133567020198210027
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003224586
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5013356-70.2019.8.21.0027/RS

TIPO DE AÇÃO: Dívida Ativa não-tributária

RELATOR: Desembargador RICARDO TORRES HERMANN

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: CLANDIO & CLAUDETE ROCHA TRANSPORTES LTDA (AUTOR)

RELATÓRIO

Vistos.

O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apela da sentença que, nos autos da ação com pedido declartório que lhe ajuíza CLANDIO & CLAUDETE ROCHA TRANSPORTES LTDA, julgou procedentes os pedidos, nos seguintes termos (evento 2, PROCJUDIC8):

DIANTE DO EXPOSTO, com fulcro no artigo 485, VI, do CPC/2015, JULGO
extinto o feito sem resolução do mérito pelo reconhecimento da ilegitimidade passiva do réu DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO DO RIO GRANDE DO SUL no tocante à repetição de indébito relativo ao IPVA.

Ainda, com amparo no artigo 487, I, do CPC/2015, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por CLANDIO E CLAUDETE ROCHA TRANSPORTES LTDA em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e de MARCELO ALVES FERNANDES para:
a) declarar a inexigibilidade do crédito tributário oriundo do IPVA relativo ao veículo ônibus Volkswagen, placa LCI 0767, a partir da data da tradição de compra e venda (14/07/2015) e, por conseguinte,
b) condenar o réu ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL a restituir o valor de R$352,68 (trezentos e cinquenta e dois reais e sessenta e oito centavos) indevidamente cobrado, o qual deverá ser corrigido monetariamente pelo índice da Taxa SELIC a partir do desembolso (16/05/2016 – fl. 29) e acrescido de juros de mora também pela Taxa SELIC a contar do trânsito em julgado da presente decisão.

c) determinar a transferência da propriedade registral do automóvel ônibus Volkswagen, placa LCI 0767, 1998/1999 (fl. 21) para o corréu Marcelo Alves
Fernandes mediante o pagamento da taxa exigida pelo DETRAN/RS, cuja responsabilidade pelo adimplemento é da parte autora ou do réu Marcelo Alves Fernandes, conforme fundamentação supra Sucumbentes, condeno os réus Estado do Rio Grande do Sul e Marcelo Alves Fernandes ao pagamento dos ônus sucumbenciais.
Esclareço que o demandado Estado do Rio Grande do Sul é isento do adimplemento da Taxa Única. No entanto, ambos arcarão com o pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais em favor do patrono da parte autora, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do art. 85, §2° do CPC/2015.

Em suas razões, o Estado argumenta sobre sua ilegitimidade passiva, considerando a condenação para que procedesse à transferência do veículo, de modo que tal medida incumbiria ao Detran, condicionada à apresentação da documentação listada na legislação aplicável. No mérito, defende a regularidade do procedimento de cobrança do IPVA no caso concreto, considerando a ausência de perfectibilização do negócio de compra e venda junto ao Detran e de comunicação de venda, o que poderia ser realizado mediante o fornecimento de cópia assinada do DUT. Refere que, não obstante a alegada alienação do veículo em 14.07.2015, a parte autora constava como proprietária registral do veículo quando da constituição do crédito tributário. Discorre sobre a legislação aplicável. Subsidiariamente, opõe-se à condenação ao pagamento da verba sucumbencial, à luz do princípio da causalidade. Pede provimento (evento 2, PROCJUDIC9).

São apresentadas contrarrazões.

O Ministério Público, em parecer, opina pelo parcial provimento do recurso, inclusive no que diz com a condenação em honorários (evento 16, PARECER1).

Vêm os autos à conclusão para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Adianto que o provimento do recurso de apelação é impositivo.

No caso dos autos, na linha do que bem expôs a inicial, a transferência do bem móvel gerador do imposto ocorreu da seguinte forma (evento 2, INIC E DOCS1):

[...] A autora era proprietária do seguinte veículo: ônibus, modelo Volkswagen, ano/modelo1998, placa LCI 0767 [...] e realizou a venda do mesmo ao Sr. Marcelo Alves Fernandes, na data de 14 de julho de 2015, através de Contrato Particular de Compra e Venda em anexo.

Na data da venda do veículo o Sr. Marcelo Alves Fernandes efetuou o pagamento de uma entrada em dinheiro, e o restante seria pago através de notas promissórias; enquanto a Autora entregou o veículo, o qual passou a ser de propriedade do Sr. Marcelo. Ocorre que, a Autora não conseguiu mais contato com o comprador.

Dessa forma, não foi possível realizar a comunicação ao Detran/RS da venda do veículo [...] (grifos meus).

Disso se extrai que o autor alega ter transferido a propriedade do bem ainda em 2015, sem ter formalizado o negócio junto ao Detran, tampouco realizado comunicação de venda, ao passo que aponta na peça inaugural ter tomado conhecimento do lançamento de IPVA relativo ao exercício de 2016, em relação ao qual efetuou o pagamento, mesmo negando ter a propriedade do bem gerador do tributo.

Pois bem.

Consoante lição do jurista Hugo de Brito Machado1, o fato gerador do IPVA é a propriedade do veículo automotor acompanhada do direito ao uso regular, ocorrendo anualmente:

O fato gerador do IPVA é a propriedade do veículo automotor. Não é a sujeição ao poder de polícia, como acontecia com a taxa rodoviária única, por ele substituída. Mas a propriedade, sem o direito de uso do veículo na finalidade para a qual é produzido, não consubstancia o fato gerador do imposto. A não ser assim as fábricas, e as empresas revendedoras, seriam obrigadas a pagar o imposto na condição de proprietárias de veículos automotores.

(...)

O fato gerador é anual. Considera-se ocorrido na data da aquisição, ou da incorporação, como já explicamos. Daí em diante, ocorre em 1º de janeiro de cada ano. E como o direito ao uso regular do veículo integra o fato gerador do imposto, se em 1º de janeiro o proprietário do veículo encontra-se privado desse direito, o fato gerador do imposto não se configura.

(...)

A par disso, cumpre destacar que a posição deste órgão fracionário frente a casos análogos era no sentido de que, tratando-se de bem móvel, a transferência da propriedade operava-se pela tradição, a teor do que estabelece o art. 1.267 do Código Civil2, de modo que estaria perfectibilizada ainda que não tivesse havido a comunicação da venda, nos termos do artigo 134 do Código de Trânsito Brasileiro3 .

Nessa linha, aliás, consignava-se que o descumprimento da obrigação de comunicar ao órgão de trânsito, em 30 dias, a transferência do veículo sob pena de responsabilidade solidária, somente se aplicaria às infrações de trânsito e não a todo e qualquer tipo de dívida sobre o veículo.

Assim, mediante prova de que, à data do fato gerador, a pessoa que constava como proprietário registral já efetuara a venda do veículo, afigurava-se possível o afastamento da presunção de propriedade e, consequentemente, da responsabilidade pelo pagamento do tributo, ainda que não tivesse realizado a respectiva transferência da titularidade junto ao DETRAN, havendo repercussão, tão somente, quanto à distribuição sucumbencial sob o prisma da causalidade4.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IPVA. ALIENAÇÃO DO VEÍCULO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO ÓRGÃO DE TRÂNSITO COMPETENTE. ILEGITIMIDADE PASSIVA DEMONSTRADA. O art. 2º da Lei Estadual 8.115/851, responsável por instituir o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores no Estado do Rio Grande do Sul, estabelece que fato gerador do tributo é a propriedade de veículo automotor. Sujeito passivo da relação tributária, portanto, é o efetivo proprietário do bem. Em se tratando de bem móvel, configura-se a propriedade pelo exercício da posse, com animus domini. A transferência da propriedade dá-se pela simples tradição, a teor do que estabelece o art. 1.267 do Código Civil2. Tal presunção é relativa, em especial porque, diferentemente do que ocorre com os imóveis, a propriedade dos bens móveis não depende de ato registral. Guarda estreita relação, isto sim, com o estado de fato das coisas. Mediante prova de que, à data do fato gerador, a pessoa que consta como proprietário registral do veículo não mais exercia qualquer poder de disposição sobre o bem, é possível, pois, o afastamento da presunção de propriedade e, consequentemente, da responsabilidade pelo pagamento do tributo. Na hipótese, para afastar a responsabilidade tributária, o apelante comprovou que não detém a posse do veículo desde 01/03/2013, uma vez que o vendeu para Leandro Edmundo Barski, que posteriormente vendeu o veículo para Adroaldo Rodrigues da Silva, que o alienou fiduciariamente ao Banco A.J.Renner S/A, tendo sido incluído o gravame sobre o bem. Inclusive, na Ação de Obrigação de Fazer nº 016/1.18.0000061-6 ajuizada pelo apelante, que tramitou na 3ª Vara Cível da Comarca de Ijuí, restou reconhecida a transferência do automóvel objeto do IPVA em execução. Sentença reformada para declarar a extinção da execução fiscal nº 016/1.19.0000047-2 por ilegitimidade passiva. Tendo em vista a ausência de comunicação da venda do veículo ao órgão de trânsito, obrigação que era do apelante, vai mantida a sucumbência fixada na origem, em face do Princípio da Causalidade. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível, Nº 50009536820208210016, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em: 30-07-2021) (grifos meus).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IPVA. VEÍCULO ALIENADO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. A ausência de comunicação de venda junto ao Detran, por si só, não torna o antigo proprietário responsável pelo pagamento do tributo. Segundo já restou pacificado nesta Corte, por se tratar de bem móvel, a propriedade de veículo automotor transfere-se pela tradição, nos termos do artigo 1.267 Código Civil. Precedentes jurisprudenciais....

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