Decisão Monocrática nº 50149901420218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 28-04-2022

Data de Julgamento28 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50149901420218210001
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoTerceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002068948
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5014990-14.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Não padronizado

RELATOR(A): Des. EDUARDO DELGADO

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: JULIANA COLLET DOS SANTOS (AUTOR)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - Ocrelizumabe. esclerose múltipla - CID G35. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LISTA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. REGISTRO NA ANVISA. LITISCONSÓRCIO COM A UNIÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. TEMA 793 DO E. STF - ED NO RE Nº 855.178/SE. REJEIÇÃO. MÉRITO. presença dos requisitos cumulativos fixados no tema 106 do e. STJ.

pRELIMINAR

i - NÃO DEMONSTRADO O LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO COM A UNIÃO, HAJA VISTA A O REGISTRO DO MEDICAMENTO VINDICADO NA ANVISA, SOB PENA DA NEGATIVA DE VIGÊNCIA DA SOLIDARIEDADE DOS ENTES PÚBLICOS NA PRESTAÇÃO DA SAÚDE - ART. 196 DA C. F. -, INDEPENDENTEMENTE DAS ATRIBUIÇÕES DE CADA ENTE PÚBLICO, CONSOANTE ESTABELECIDO NO JULGAMENTO DO TEMA 793 - ED. NO RE 855.178/SE –, NO E. STF.

De IGUAL FORMA, a PREVISÃO LEGAL CONSTANTE Do ART. 35, VII, da Lei Federal nº 8.080/90, NO SENTIDO DA Compensação.

Precedentes deste Tribunal.

MÉRITO

Ii - O direito à saúde é direito social e dever do Estado - arts. 6º e 196 da CRFB/88 -, e está intimamente ligado ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana; tem estatura de direito fundamental, seja no sentido formal, seja no sentido material, nos termos do art. 5º, §1º, da Constituição da República.

iiI - evidenciada a condição da parte recorrida, de portadora de esclerose múltipla - CID G35; a necessidade do medicamento Ocrelizumabe, para MANUTENÇÃO DE SUA QUALIDADE DE VIDA; bem como a sujeição prévia a outros tratamentos disponíveis no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.

Ainda, demonstrada a carência financeira, notadamente frente à representação através da Defensoria Pública.

Portanto, preenchidos os pressupostos cumulativos para o fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, fixados quando do julgamento do Tema 106 no e. STJ.

RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de recurso de apelação interposto por parte do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, contra a sentença proferida nos autos da presente ação de rito ordinário - evento 123, SENT1 -, ajuizada por JULIANA COLLET DOS SANTOS.

Os termos do dispositivo da sentença:

"(...)

Ante o exposto, julgo procedente o pedido deduzido por Juliana Collet dos Santos contra o Estado do Rio Grande do Sul para determinar o fornecimento do medicamento Ocrelizumabe 300mg, pelo tempo que for necessário, com a periodicidade determinada pelo médico.

A prescrição médica deverá ser atualizada de seis em seis meses, junto ao ponto de distribuição de medicamentos da Secretaria Estadual da Saúde do RS – Farmácia de Medicamentos do Estado ou outro local - pois apesar da indicação de uso contínuo, há necessidade de acompanhamento do tratamento para verificação do uso efetivo e do resultado apresentado.

A não atualização do receituário acarretará a suspensão do fornecimento até que ocorra a regularização.

Nos termos da Súmula 421 do STJ, deixo de condenar o demandado ao pagamento de honorários advocatícios porque o autor é representado pela Defensoria Pública.

Custas pelo demandado, que é isento.

(...)"

(grifos no original)

Nas razões, o Estado do Rio Grande do Sul aduz, em sede preliminar, o litisconsórcio passivo necessário com a União e a competência da Justiça Federal, com fundamento na responsabilidade da União na disponibilização do medicamento - ocrelizumabe -, com incorporação de novas tecnologias no âmbito do SUS, bem como no julgamento recente do RE nº 855.178, no e. STF, na forma de repercussão geral – Tema 793.

Discorre acerca da divisão das atribuições dos entes públicos no tocante à saúde.

Aponta o alto custo do fármaco, em detrimento das demais obrigações constitucionais e legais, frente às restrições orçamentárias.

Colaciona jurisprudência.

Requer o provimento do recurso, para fins da inclusão da União no polo passivo, e consequente declinação da competência para a Justiça Federal; ou, de forma subsidiária, a reforma da sentença - evento 132, APELAÇÃO1.

Transcorrido in albis o prazo para contrarrazões.

Nesta sede, parecer do Ministério Público, da lavra da e. Procuradora de Justiça, Drª. Elaine Fayet Lorenzon Schaly, no sentido do desprovimento do apelo - evento 7, PARECER1.

Os autos vieram conclusos.

É o relatório.

Decido.

Passo ao julgamento na forma monocrática, com base no art. 932, IV, a e b, do CPC de 20151, no Enunciado da Súmula 568 do e. STJ2; e no art. 206, XXXVI do RITJRS3.

A matéria devolvida reside no litisconsórcio passivo necessário do Estado do Rio Grande do Sul com a União, tendo em vista a responsabilidade dos entes da federação no fornecimento do medicamento pretendido - Ocrelizumabe -, a facultar o ajuizamento da ação contra os entes federados, de forma isolada ou conjunta, com base no RE 855178 RG, no e. STF, na forma de repercussão geral - Tema 793; e, no mérito, no tratamento da parte recorrida para a moléstia de esclerose múltipla - CID G35 -, através do fármaco postulado; bem como no alto custo do medicamento, em detrimento das demais obrigações constitucionais e legais, frente às restrições orçamentárias.

Preliminar de litisconsórcio passivo necessário com a União

Não se pode olvidar a posição da jurisprudência do e. STF e deste Tribunal, sobre a natureza da relação jurídica controvertida, bem como do pressuposto da citação da União.

Nesse diapasão, cabe ressaltar as premissas processuais constantes do art. 114 do CPC de 20154, em cotejo com o art. 23, II, da Constituição da República5, no sentido da competência comum dos entes federados - União, Estados, Municípios e Distrito Federal - para a prestação da saúde e assistência pública.

A questão foi objeto de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal - RE 855178 RG -, em 16.03.2015, na forma do art. 543-B, do Código de Processo Civil de 19736 - repercussão geral -, com a fixação do Tema 793:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.
(RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015 )

(grifei)

Peço licença para transcrever excerto do voto:

“(...)

A discussão transborda os interesses jurídicos das partes, uma vez que envolve a temática de repartição constitucional de atribuições institucionais, tendo em conta a legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que versa sobre o fornecimento de tratamento e medicamentos por parte do Poder Público.

Bem delimitado o tema, verifica-se que o Tribunal de origem, ao assentar a responsabilidade solidária da União, não destoou da jurisprudência firmada pelo Plenário desta Corte, no julgamento da Suspensão de Segurança 3.355, Rel. Min. Gilmar Mendes, no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente. Por oportuno, trago à colação a ementa do referido julgado:

Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Fornecimento de medicamento: Clopidrogrel 75 mg. Fármaco registrado na ANVISA. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança pública. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento (STA 175-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJe 30/4/2010).

Extrai-se do voto condutor:

O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) direito de todos e (2) dever do Estado, (3) garantido mediante políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, (5) regido pelo princípio do acesso universal e igualitário (6) às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Examinemos cada um desses elementos. [...]

(2) dever do Estado:

O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde está expresso no artigo 196.

A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação...

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