Decisão Monocrática nº 50161220920218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50161220920218210001
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoSétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003370161
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5016122-09.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Abuso Sexual

RELATOR(A): Des. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. COMPROVADA SITUAÇÃO DE RISCO. ABUSO SEXUAL PERPETRADO PELO GENITOR CONTRA A FILHA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR DETERMINADA em relação a ele. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.

Caso em que, muito embora não se tenha notícias acerca de eventual evolução da tramitação de processo criminal contra o demandado, acusado de abusar sexualmente da filha menor, certo é que, nos presentes autos, constam provas consistentes, especialmente periciais técnicas, em que, profissionais, em contato direto com a infante, concluíram pela ocorrência de abuso perpetrado pelo pai contra a filha.

Neste passo, restando evidenciadas a violação e a infringência dos deveres inerentes ao poder familiar pelo genitor, prevalecendo a proteção integral, os princípios da prioridade absoluta e do melhor interesse da criança, que já está, segura, sob a guarda da mãe, correta a sentença de procedência da ação para desconstituir, o genitor, do seu poder familiar, no caso.

Inteligência dos artigos 1.638, III, do Código Civil.

Precedentes do TJRS.

Apelação desprovida.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de apelação interposta por EDUARDO E. R. em face da sentença (evento 193 dos autos de origem), que julgou procedente a ação de destituição do poder familiar ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em favor de ANA B.M.R., conforme dispositivo abaixo transcrito:

"(...).

ANTE O EXPOSTO, julgo procedente a ação de destituição do Poder Familiar ajuizada pelo Ministério Público contra Eduardo E. R., para o fim de destituir o poder familiar do requerido em relação à filha A.B.M.R., o que faço com base no artigo 1638, inciso II e III do Código Civil.

Sem custas, na forma do art. 141, § 2º, da Lei nº 8069/90.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

(...)."

Em suas razões recursais (evento 198 dos autos de origem), o recorrente sustenta que a análise da prova, pelo juízo a quo, foi absolutamente tendenciosa e parcial no caso concreto. Assenta que, em seu favor, existiram laudos periciais que apontavam para a necessidade de maiores esclarecimentos acerca da alegada ocorrência de abuso sexual do pai para com sua filha; especialmente diante da recorrência deste tipo de acusação em casos de separações com alta litigiosidade entre os envolvidos. Aduz, no entanto, que foram supervalorizadas provas, frágeis e questionáveis, como a acolhida da menor no CRAI; avaliação psíquica da infante realizada no IGP e testemunhos de pessoas que souberam do dito abuso a partir de comentários da genitora. Mais, ressalta a injustiça de que perícias que tiveram por base relatos da suposta vítima representem maior verdade dos fatos do que as provas técnicas que partiram dos relatos do suposto ofensor. Também, o recorrente aponta para a importância dos diagnósticos dos seus laudos, que restaram inconclusivos, tanto acerca da existência do crime em questão, quanto da capacidade do demandado para o exercício do poder familiar. Vai além. Deixa claro que esta acusação feita pela mãe da menor, só ocorreu depois do ajuizamento de ação de guarda, pelo recorrente, que queria formalizar situação de fato, qual seja: de que já vinha cuidando, de forma permanente da menor, configurando-se, pois, em uma verdadeira retaliação.

Diante deste cenário, concluindo que, da análise da totalidade do contexto probatório, não é possível assentar que a alegada violência sexual de fato tenha ocorrido; e tampouco que o apelante não tenha capacidade para exercer a paternidade, postula pela reforma da sentença, de maneira a ser julgada integralmente improcedente a presente demanda.

As contrarrazões foram apresentas no evento 202 dos autos de origem.

Em parecer (evento 8 dos presentes autos), o Ministério Público opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Efetuo o julgamento na forma monocrática, forte no art. 206, XXXVI, do RITJRS, combinado com o art. 932, VIII, do CPC.

A presente apelação não merece provimento, observadas as disposições legais e a orientação jurisprudencial a respeito do tema.

Com efeito, a destituição do poder familiar consiste em retirar de algum dos familiares a função ou a autoridade de que era investido pelo conjunto de direitos e deveres que traduzem o dever de criar, educar, cuidar, dar assistência material e emocional, enfim, proporcionar saúde física e psíquica ao filho, para que ele possa ter autonomia e possa ser sujeito de sua própria vida, e, quando os pais deixam de cumprir suas funções, podem ser destituídos do poder familiar, em atenção ao princípio do melhor interesse da criança, servindo também a destituição como instrumento para proteger a formação e desenvolvimento do menor, afastando pai e mãe na hipótese de a gravidade do caso exigir tal providência, conforme lição de Rodrigo da Cunha Pereira, in Dicionário de Direito de Família e Sucessões: ilustrado., p. 226, São Paulo, Saraiva, 2015, observados os arts. 1.634 e 1.638, do Código Civil e 22 e 24, do ECA, ora colacionados:

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I - dirigir-lhes a criação e educação;

II - tê-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

(...)

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I - castigar imoderadamente o filho;

II - deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

(...)

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

(...)

Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.

Como se vê, inúmeras podem ser as causas que justifiquem a perda do poder familiar, salientando-se, especificamente sobre a prática de atos contrários à moral e aos bons costumes, hipótese prevista no inciso III do art. 1.638 do Código Civil, que “As vidas desregradas dos pais, cujos comportamento são imorais ou criminosos, ordem expor o filho menor a situações e a ambientes promíscuos e inadequados à sua idade e à condição de um ser e processo de formação. Tal conduta desrespeitosa para com o desenvolvimento psíquico do filho poderá acarretar a perda da autoridade parental.”, conforme Curso de Direito da Criança e do Adolescente. Aspectos teóricos e práticos, Coordenação de Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel, P. 180-, 3ª edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, pp. 180-181.

Na espécie, a situação do alegado abuso sexual praticado pelo genitor contra a filha, narrada na inicial pelo Ministério Público, como base para a destituição do poder familiar pleiteada, restou devidamente demonstrada especialmente pelas provas periciais técnicas, assinadas por assistentes sociais e psicólogas, que tiveram condições de fazer uma aprofundada avaliação na criança e proceder a uma consistente conclusão no sentido de indicar, de fato, a ocorrência do abuso em questão.

A fim de se evitar indesejável tautologia, válido relembrar a relevante compilação do conjunto probatório levada a efeito pelo Juízo a quo, que, inclusive, detalha os depoimentos colhidos em audiência, muitos voltados a confirmar a prática criminosa em questão:

"(...).

Pois bem, embora o requerido negue os fatos que lhes estão sendo imputados, adianto que as provas que instruem os autos são suficientes a indicar que os relatos de abuso sexual perpetrados pelo requerido contra sua filha efetivamente ocorreram.

Deve-se levar em conta, aqui, a narração da menina na mencionada avaliação realizada no CRAI (Ev. 10). Com efeito, a respeito dos fatos da investigação, a infante relatou que "meu pai se passava comigo, por isso que a gente veio. Ele tomava banho junto comigo. Eu fico com vergonha". "Ela (sua mãe) perguntou se o meu pai não se passava comigo, eu falei que sim e comecei a chorar. E pedi pra ela não contar pra ninguém". (...) "Ele (seu pai) fez eu tirar minha roupa e depois se passava, falava pra eu não gritar, puxava meu cabelo forte, forte. Quase não lembro nada. Me virava para um lado e para outro, pra eu beijar ele e eu não gostava".

A perícia psíquica, concluiu que a infante apresentou relato compatível com a hipótese de abuso sexual, intrafamiliar, perpetrado contra ela por seu genitor, tendo fornecido relato claro e coerente, porém pouco detalhado e pouco contextualizado, expressando sentimento de vergonha relacionada aos eventos narrados. In verbis:

Conforme o relato, Ana Beatriz tem cinco anos de idade ao tempo da perícia. A periciada reside com sua mãe. Conforme o relato da mãe, durante e após os fatos em investigação, Ana Beatriz apresentou conduta sexualizada, agressividade, agitação.

Durante a entrevista, Ana Beatriz mostrou-se lúcida, atenta, bem orientada auto e alopsicoticamente. Demonstrou ter sua memória e o conjunto das funções...

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