Decisão Monocrática nº 50162334020198210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 25-11-2022

Data de Julgamento25 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50162334020198210008
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003033845
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5016233-40.2019.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: De Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas

RELATOR(A): Des. RUI PORTANOVA

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. ATO INFRACIONAL. OITIVA DO REPRESENTADO SOMENTE NA AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NECESSIDADE DE DEPOIMENTO DO ACUSADO COMO ÚLTIMO ATO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, NOS TERMOS DO JULGAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NO HC Nº 212.693/PR. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA.

SENTENÇA DESCONSTITUÍDA, EM MONOCRÁTICA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Adoto o relatório do Ministério Público:

“Trata-se de recurso de apelação interposto por Henrique M. da S. diante de decisão proferida pelo MM. Juízo da Infância e Juventude da Comarca de Canoas, que julgou parcialmente procedente a representação contra ele ajuizada pelo Ministério Público, aplicando-lhe a medida socioeducativa de internação sem possibilidade de atividades externas pela prática de condutas análogas aos crimes previstos no art. 33, caput, cumulado com o art. 40, IV, ambos da Lei nº 11.343/2006, e art. 16, caput, da Lei nº 10.826/2003, na forma do art. 69 do Código Penal (Evento 3 – PROCJUDIC5, fls. 02/08).

Em suas razões, a Defesa indica haver fragilidade no conjunto probatório produzido. Refere que a condenação foi baseada somente na palavra dos policiais militares responsáveis pela abordagem, sem qualquer outro indicativo. Assim, considera que a autoria dos fatos não pode ser atribuída ao adolescente, o que, com base no princípio do in dubio pro reo, conduz à improcedência da representação. Adiante, questiona a confiabilidade dos laudos periciais realizados na arma de fogo encontrada na posse de Henrique, porquanto, diante de “divergências e inconsistências”, não há certeza sobre o artefato. Destaca que, analisando-os, nota que são mencionados dois diferentes revólveres, um da marca Taurus e outro da marca Rossi. Por isso, quer o afastamento da majorante pelo emprego de arma de fogo, previsto no art. 40, IV, da Lei nº 11.343/2006. Depois, pondera que o 2º e o 3º fatos da representação devem ser considerados conduta única. Alega que a arma e as munições, mesmo que de calibres diferentes, foram encontrados no mesmo contexto. Objetiva, com isso, reflexo positivo na medida socioeducativa aplicada. Por fim, argumenta que a medida de internação não pode ser atribuída ao representado, visto que o pedido do Ministério Público é de aplicação de medidas mais brandas, de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade. Sinala que a sentença assim pode ser caracterizada como extra ou ultra petita. Busca a aplicação de medida socioeducativa “proporcional a sua conduta”. Pugna pelo provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público, postulando a manutenção da procedência da ação. Quanto à medida socioeducativa aplicada, reconhece que, de fato, o Parquet requereu a imposição de medida socioeducativa de liberdade assistida, pelo período mínimo de seis meses, cumulada com prestação de serviços à comunidade, pelo período de seis meses, à razão de quatro horas semanais. Diante disso, requer seja provido em parte o recurso, apenas para que seja modificada a medida socioeducativa estipulada.”

O parecer do Ministério Público opinou pelo parcial provimento do apelo do representado.

Intimadas as partes para se manifestarem sobre a necessidade de oitiva do representado ao final da instrução, em respeito ao art. 10 do CPC, a defesa manifestou-se pela necessidade da oitiva e, por consequência, pela nulidade da sentença e o MP manifestou-se pela desnecessidade.

Relatei.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no HC nº 127.900/AM consolidou entendimento no sentido de que - para atender o princípio constitucional da ampla defesa, o interrogatório do réu deve ser o último ato da instrução processual.

Por esta razão, as partes foram intimadas para se manifestarem sobre o tema, a fim de evitar decisão surpresa.

A meu sentir, esta a orientação deve atingir os adolescentes representados, na medida em que há similitude no que diz com processos e procedimentos que tratam da liberdade da pessoa.

Ao depois, por igual, tem-se entendido que o prejuízo do réu que não foi ouvido por último é presumido.

No presente processo, em que se investiga ato infracional, há risco de eventual afronta ao direito fundamental de ir e vir.

Até que, muito recentemente veio decisão do Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, em decisão monocrática datada de 05 de abril de 2022 o STF enfrentou esta questão no julgamento do HC nº 212.693/PR.

No julgamento, o Ministro Ricardo Lewandowski concedeu a ordem de “Habeas Corpus” para anular a sentença condenatória do representado e determinar a prolação de nova sentença, após a oitiva do adolescente como último ato da instrução.

Ou seja, restou reconhecido pela decisão do Ministro Lewandowski, que o regramento especial previsto no art. 184 e 186 do ECA, de alguma forma, inviabilizam ao representado pela pratica de ato infracional exercer de modo eficaz sua defesa.

Certo que também recentemente veio decisão do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AgRg no RESP nº 1.979.727/PR no seguinte sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL. AUDIÊNCIA DE OITIVA DO ADOLESCENTE. ATO REALIZADO NO INÍCIO DA INSTRUÇÃO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PREVALÊNCIA DO REGRAMENTO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO DA NULIDADE EM AUDIÊNCIA. PRECLUSÃO DA MATÉRIA. PREJUÍZO CONCRETO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior orienta no sentido de que, nos termos do art. 184 do Estatuto da Criança e do Adolescente, não há nulidade na oitiva do adolescente como primeiro ato no procedimento de apuração de ato infracional ou na ausência de repetição da oitiva ao final da instrução processual, pois aquela norma especial prevalece sobre a regra prevista no art. 400 do Código de Processo Penal.
2. Ainda que se considerasse aplicável ao procedimento de apuração dos atos infracionais a ratio decidendi adotada no julgamento do HC n. 127.900/AM pelo Supremo Tribunal Federal, é certo que a alegação de nulidade por ausência de oitiva do adolescente ao final da instrução processual estaria preclusa no caso concreto, pois a Defesa não se insurgiu contra a ausência desta nova oitiva na audiência de instrução, conforme preceitua o art. 571, inciso VIII, do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente ao procedimento de apuração de ato infracional por força do art. 152 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. Do mesmo modo, a Defesa não demonstrou, sequer minimamente, eventual prejuízo concreto ao Recorrente, não delineando de que modo uma nova oitiva do adolescente ao final da instrução teria provocado alteração substancial no quadro fático-processual. Desse modo, não se pode reconhecer a pretendida nulidade, ante a ausência de demonstração de prejuízo concreto e efetivo.
4. Agravo regimental desprovido.”

Acontece que aqui, não se está discutindo, pura e simplesmente, a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal no procedimento para apuração de atos infracionais, mas sim, da adequação da norma prevista no ECA de acordo com o princípio da ampla defesa e do contraditório previstos na Constituição Federal.

Isso porque, como referido anteriormente, o prejuízo do réu que não foi ouvido por último é presumido, sendo descabido considerar preclusa a matéria, como referido na decisão do STJ.

Vale a pena ter em conta trecho da fundamentação da decisão...

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