Decisão Monocrática nº 50188127920208210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Câmara Cível, 13-12-2022

Data de Julgamento13 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50188127920208210022
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003124071
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

10ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5018812-79.2020.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR(A): Des. TULIO DE OLIVEIRA MARTINS

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: FLAVIANO HELLWIG (AUTOR)

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL. ENERGIA ELÉTRICA. PRODUTOR DE FUMO. PERDA NA QUALIDADE DO PRODUTO. DANO MATERIAL QUE NÃO DECORRE DA INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DO SERVIÇO. IMPROCEDÊNCIA.

A concessionária de energia elétrica é obrigada a fornecer o serviço de caráter essencial, sob pena de responder pelos danos causados aos usuários, na forma do art. 22 do CDC. Aplicação ao caso do Código de Defesa do Consumidor, com base na teoria finalista mitigada.

Conforme o preceito do duty mitigate the loss, quem tem condições para tanto, deve adotar as medidas necessárias a mitigar suas próprias perdas. Estudo de causa que revelou ser mais econômico ao produtor de fumo adquirir um gerador com sistema no-break do que suportar as perdas na qualidade do fumo ocasionadas pela paralisação da estufa elétrica. Considerando que as pequenas interrupções na energia elétrica são previsíveis e suficientes para danificar as folhas em processo de secagem, quando a falta de luz durar período inferior a 24 horas, as partes repartirão os prejuízos.

Laudo técnico produzido pela CEE-D segundo o qual o dano material não foi causado pela interrupção no fornecimento de energia elétrica. Demanda improcedente.

APELAÇÃO PROVIDA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de recurso de apelação interposto por COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D em face da sentença prolatada na ação de indenização em desfavor de FLAVIANO HELLWIG.

Adoto o relatório da sentença:

GUILHERME ALBINO FRANK e FLAVIANO HELLWIG, qualificados na exordial, propuseram ação indenizatória em desfavor de COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D, igualmente qualificada, requerendo a condenação da requerida ao pagamento de R$ 19.603,10 a título de indenização por danos materiais. Por fim, requereram a inversão do ônus da prova e a concessão do benefício da gratuidade de justiça.

Narraram, em síntese, haver sofrido grande prejuízo na secagem de fumo em folha em decorrência de inesperada e inadvertida interrupção do fornecimento de energia elétrica nas estufas de secagem do produto. Referiram que o fumo sofreu deterioração e perda da qualidade e que a requerida tardou a fornecer o restabelecimento do serviço.

Com a inicial, juntaram documentos (evento 1).

Deferida a gratuidade de justiça aos requerentes e invertido o ônus da prova (evento 3).

Devidamente citada, a empresa requerida apresentou resposta (evento 8). Pugnou pela improcedência da ação arguindo que inexiste dever indenizar, bem como que os danos são de responsabilidade dos produtores de fumo. Subsidiariamente, arguiu a requerida culpa concorrente e que inexiste comprovação da integralidade dos danos que os autores alegaram terem suportado.

Réplica no evento 13, ocasião em que foram reafirmados os argumentos da exordial e rechaçados os contestatórios.

Inexitosa a tentativa de conciliação, eis que não houve possibilidade de entendimento (evento 26).

Instadas as partes acerca do interesse na produção de provas, houve requerimento de oitiva de testemunhas e apresentação de documentos.

Realizada audiência de instrução e julgamento, ocasião em que foram inquiridas duas testemunhas arroladas pela parte autora (evento 101).

As partes apresentaram memoriais (eventos 121 e 124).

Sobreveio sentença (evento 127):

DIANTE DO EXPOSTO, julgo procedente a demanda aforada por GUILHERME ALBINO FRANK e FLAVIANO HELLWIG em desfavor da COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D, já qualificados, condenando a ré ao pagamento da quantia de R$ 19.603,10, corrigida monetariamente pelo IGP-M, a contar do efetivo prejuízo, e acrescida de juros moratórios de 1% ao mês, a contar da citação.

A requerida, outrossim, arcará com as custas do processo e com os honorários devidos ao patrono do autor, que vão fixados em 10% do valor atualizado da condenação, considerando-se o disposto no Código de Processo Civil, art. 85, § 2.°.

Inconformada, a parte ré interpôs recurso de apelação (evento 134). Sustentou que não constam nos autos prova da recusa da empresa fumageira em receber o produto, o que torna a existência do dano duvidosa. Impugnou o laudo acostado pela autora. Defendeu o laudo produzido pela empresa contratada pela ré. Atribui a perda da qualidade do fumo a problemas relacionados à lavoura, afastando o nexo causal. Alegou culpa exclusiva do produtor por não ter se prevenido das possíveis suspensões no fornecimento de energia e que se trata de de litigante contumaz. Asseverou culpa exclusiva da parte autora, alternativamente, caso não seja reconhecida culpa exclusiva da demandante, postula pelo reconhecimento de culpa concorrente. Requereu que a empresa responda por 1/6 dos danos suportados pelo produtor, caso não seja o entendimento, que seja responsabilizado por 2/3 do prejuízo. Referiu a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Requisitou, caso mantida a sentença, quanto a correção monetária, que seja aplicado o índice IPCA-E, desde a data da confecção do laudo, e, a partir da citação, a SELIC. Solicitou a reforma da sentença. Pediu provimento.

Apresentadas contrarrazões (evento 135), os autos subiram a esta Corte para julgamento.

Foi o relatório.

Decido.

Eminentes Colegas:

Preenchidos os requisitos de admissibilidade da apelação cuja análise compete exclusivamente ao juízo ad quem (art. 1.010, § 3º do CPC), passo a examinar as razões recursais.

Os autores alegaram que houve perda da qualidade do fumo produzido, pois em razão de interrupções no fornecimento de energia elétrica as estufas elétricas utilizadas para secagem das folhas pararam de funcionar às 22h do dia 01/03/2020 até às 14h do dia 04/03/2020, causando-lhe prejuízo de 2102kg de fumo que estavam em fase de cura tendo um prejuízo de R$ 19.603,10 (dezenove mil, seiscentos e três reais e três centavos).

A ré é uma concessionária de serviço público de caráter essencial e, nesta condição, fica obrigada a prestá-lo de modo contínuo, sob pena de ter de reparar os danos causados pelo descumprimento desta obrigação, conforme art. 22 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

As normas do Código de Defesa do Consumidor aplicam-se à causa porque a autora, embora seja consumidor intermediário - eis que utiliza a energia elétrica numa atividade profissional sem lhe dar destinação privada - é vulnerável frente à requerida.

E, de acordo com a teoria finalista mitigada, é possível a proteção especial da pessoa que não é destinatária final de um produto ou serviço, desde que ela apresente algum traço de vulnerabilidade, seja esta de ordem técnica, econômica ou jurídica.

Neste sentido, é o entendimento de Cristiano Chaves de Farias, conforme doutrina que segue:

Excepcionalmente haverá uma mitigação da teoria finalista e elações extraconsumo serão objeto de tutela pela Lei nº 8.078/90 quando a concretude do caso denote claramente o traço da vulnerabilidade do consumidor intermediário - normalmente pequenas empresas e profissionais liberais - que adquire bens e serviços, mesmo com o intuito profissional. Fundamental é que na hipótese seja constatada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica desse consumidor profissional.1

No caso, o demandante é pequeno agricultor rural que exerce sua atividade em regime de economia familiar, sendo evidente, portanto, sua vulnerabilidade econômica e técnica pelo desconhecimento sobre os serviços prestados pela ré.

Por outro lado, não pode ser tratado exatamente como são os consumidores que utilizam a energia elétrica em suas residências, porque não deixa de ser empresário, e como tal, deve também assumir os riscos da sua atividade.

Atento a isto e após aprofundado estudo de causa, é que integrantes do 5º Grupo Cível do qual esta Câmara faz parte, decidiram que, a depender do tempo da interrupção, a indenização pela perda do fumo poderá não ser integral.

Explico.

Considerando a frequência com que ocorrem chuvas e fortes ventos, bem como a inevitabilidade de que tais condições climáticas atinjam a rede de energia, resta impraticável a continuidade ininterrupta da prestação do serviço, o que significa que, vez ou outra, haverá queda de luz nas unidades consumidoras.

Embora não deixe de ser uma falha da ré, trata-se de uma falha previsível da qual é possível precaver-se através da aquisição de um gerador com chave automática. E, apesar de não se poder exigir do consumidor comum que adquira um aparelho deste tipo, há uma série de fatores que permitem exigi-lo do fumicultor.

Primeiro, inobstante sua...

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