Decisão Monocrática nº 50208547020218210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 18-05-2023

Data de Julgamento18 Maio 2023
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50208547020218210021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003794629
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5020854-70.2021.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de Energia Elétrica

RELATOR(A): Des. LEONEL PIRES OHLWEILER

APELANTE: EMANUEL TRONCO MACHADO (AUTOR)

APELANTE: SIRLENE TRONCO (AUTOR)

APELANTE: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PEDIDO DE LIGAÇÃO. FRAÇÃO IDEAL de imóvel pertencente a uma área maior. participação financeira do consumidor. impossibilidade. PRAZOS DA RESOLUÇÃO Nº 414/2010 DA ANEEL. EXCESSO DE PRAZO DEMONSTRADO. FALHA DO SERVIÇO CARACTERIZADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS DEVIDA.

1. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Aplicação do artigo 37, §6º, da CF. Incidência dos artigos 14 e 22 do CDC. O serviço público prestado pela concessionária de serviço público deve ser eficiente e seguro. Exigência de serviço adequado, nos termos do art. 6º, §1º, da Lei nº 8.987/95.

2. O feito em questão envolve fornecimento de energia elétrica, bem jurídico considerado essencial ao cidadão, na esteira do que vem decidindo esta Corte, em especial a Terceira Câmara Cível.

3. O art. 27 da Resolução nº 414/10 da ANEEL não exige a apresentação, pelo solicitante, de matrícula individualizada do imóvel para a ligação de energia elétrica, mas tão somente a apresentação de documento, com data, que comprove a propriedade ou posse do imóvel (art. 27, II, 'h').

4. No caso, a parte autora comprova ter adquirido a fração ideal de 2.892,05357m², localizada dentro de uma área maior, de 161.955m², conforme registro do imóvel matriculado no Registro de Imóveis da Comarca.

5. Os artigos da Resolução nº 414/2010 não exigem o desmembramento da área rural a fim de garantir a ligação inicial de energia de maneira gratuita.

6. Caso concreto em que os prazos previstos na Resolução ANEEL 414/2010 foram em muito extrapolados pela ré, não tendo sido comprovado qualquer elemento impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, estando presente o ato ilícito gerador do dever de indenizar.

7. Evidenciada a falha na prestação dos serviços da ré que privou a parte autora do uso da energia elétrica por prazo além do esperado, estão configurados os requisitos do dano extrapatrimonial, dispensando comprovação específica, diante dos infortúnios oriundos dos fatos relatados nos autos.

8. Indenização por danos morais mantida em R$ 6.000,00, a teor das circunstâncias do caso e do entendimento jurisprudencial.

APELOS DESPROVIDOS (ART. 932, INC. IV, DO CPC, C/C ARTIGO 206, INC. XXXVI, DO REGIMENTO INTERNO DESTE TRIBUNAL).

DECISÃO MONOCRÁTICA

SIRLENE TRONCO e EMANUEL TRONCO MACHADO ajuizaram ação contra RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A.

O magistrado de origem decidiu pela procedência dos pedidos, nos seguintes termos:

Diante do exposto, na forma do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida por SIRLENE TRONCO e EMANUEL TRONCO MACHADO ELISSANDRO ROBERTO DE FREITAS contra a RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A para o efeito de:

a) DETERMINAR à parte ré que proceda à instalação da nova ligação de energia elétrica no imóvel residencial da parte autora, confirmando-se, pois, a medida liminar concedida, cuja obrigação de fazer já foi cumprida pela parte demandada; e

b) CONDENAR a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora, no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), sendo R$ 3.000,00 para cada um dos autores, a ser corrigido monetariamente pelo IGP-M/FGV, a contar da data da sentença, e acrescido de juros de mora de um por cento ao mês, a contar da data da citação.

CONDENO a parte ré ao pagamento integral das custas processuais e dos honorários advocatícios ao procurador da parte autora, fixados em 15% do valor atualizado da condenação, nos termos do artigo 85 do Código de Processo Civil, considerando a natureza da matéria debatida, o trabalho desenvolvido e o tempo decorrido até a conclusão do processo.

Em razões recursais (evento 46), a parte autora postula a majoração do valor arbitrado a título de indenização por danos morais, salientando que foram privados de acesso a serviço de caráter essencial por lapso superior a 3 (três) anos. Pede a modificação do termo inicial dos juros moratórios para a data do evento danoso (22/08/2018). Requer o provimento do recurso, com a reforma da sentença no ponto.

A RGE SUL, em seu apelo (evento 47), alega que somente deverá atender gratuitamente a solicitação de fornecimento em unidade consumidora localizada em propriedade ainda não atendida (artigo 40 da Resolução 414/2010 da Aneel). Afirma que a matrícula apresentada pelo consumidor, e registrada em cartório, já possui fornecimento inicial, sendo o pedido do autor, incontroversamente, instalação de segundo ponto. Salienta que o título registrado da propriedade é um só, tendo sido fracionado, sem, contudo, ter sido a matrícula desmembrada, portanto, a propriedade permanece sendo uma só. Insiste que não se trata de mera instalação de nova rede, mas de obras de extensão para instalação de segundo ponto, motivo pelo qual, plenamente aplicável a legislação específica. Nega a ocorrência de qualquer ato ilícito ensejador de indenização por danos morais, ressaltando que não houve demora no atendimento, mas ausência de pagamento do orçamento enviado ao autor para o prosseguimento das obras. Pugna pela reforma da sentença.

Foram apresentadas contrarrazões somente pela RGE SUL (evento 55), defendendo o desprovimento do apelo dos autores.

Subiram os autos, e, neste grau, o Ministério Público, em parecer da Procuradora de Justiça Bárbara Fernandes Rosa Cerqueira, manifestou-se pelo desprovimento dos recursos.

É o relatório.

Decido.

I – CABIMENTO DA DECISÃO MONOCRÁTICA.

O artigo 932, incs. IV e V, do Código de Processo Civil, assim dispõe:

Art. 932. Incumbe ao relator:

IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

E o novo Regimento Interno desta Corte, prevê:

Art. 206. Compete ao Relator:

...

XXXVI - negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal;

II – PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE.

Os recursos são tempestivos; o dos demandantes está isento de preparo em virtude da concessão do benefício da gratuidade judiciária, e o da RGE está preparado. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço dos apelos.

III – MÉRITO.

A Responsabilidade Civil das Pessoas Jurídicas de Direito Privado Prestadoras de Serviços Públicos

De início, faz-se mister compreender que a parte ré efetivamente presta um serviço público, ou seja:

“Serviços públicos são as atividades de prestação de utilidades econômicas a indivíduos determinados, colocados pela Constituição ou pela Lei a cargo do Estado, com ou sem reserva de titularidade, e por ele desempenhadas diretamente ou por seus delegatários, gratuita ou remuneradamente, com vistas ao bem-estar da coletividade”. (Cf. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Público. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 157).

No plano constitucional, a regra básica sobre a responsabilidade civil das pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos está no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

A questão, aliás, há algum tempo já é discutida no âmbito do Direito Administrativo, como refere Yussef Said Cahali:

“Tendo em conta, porém, e por primeiro, que o próprio Hely Lopes Meirelles, nas edições posteriores de sua obra (o acórdão cita a 2ª edição), evoluiu no sentido de admitir a responsabilidade objetiva da regra constitucional em casos de prestação de serviço público por entidades privadas de atribuição delegada ou cometida. E qualquer dúvida que pudesse remanescer estaria agora, definitivamente superada diante do amplo elastério do art. 37, §6º, da Constituição de 1988...” (Responsabilidade Civil do Estado. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 155).

Desta forma, plenamente aplicável o dispositivo constitucional para as hipóteses de danos causados pelas pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, como é o caso da concessionária CEEE-D, quando estes danos são causados pelos seus agentes. De qualquer sorte, o amplo debate doutrinário (ver ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos, p. 603-608) sobre o tema, se nos casos similares a este a...

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