Decisão Monocrática nº 50229621320218210073 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 03-03-2023

Data de Julgamento03 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50229621320218210073
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003395883
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5022962-13.2021.8.21.0073/RS

TIPO DE AÇÃO: Oncológico

RELATOR(A): Des. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANIBAL

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELANTE: MUNICÍPIO DE TRAMANDAÍ (RÉU)

APELADO: FATIMA CATARINA SILVA DOS SANTOS (AUTOR)

EMENTA

apelações cíveis. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. TRATAMENTO DE SAÚDE. CONSIDERAÇÕES.

1. Do direito ao tratamento.

Sendo dever do ente público a garantia da saúde física e mental dos indivíduos, e restando comprovada nos autos a necessidade da parte requerente de submeter-se ao tratamento descrito na inicial, imperiosa a procedência do pedido para que o ente público o custeie. Exegese que se faz do disposto nos artigos 5º, caput, 6º, caput, art. 23, inciso II, e 196, todos da Constituição Federal de 1988.

Internação hospitalar para tratamento oncológico. É da União a responsabilidade pelo financiamento da área de oncologia, no âmbito do SUS, mas a contratação de entidades hospitalares para atendimento da população é de responsabilidade dos Estados e/ou dos Municípios. A União deve fazer o repasse de recursos fundo a fundo.

2. Autoaplicabilidade do art. 196 da Constituição Federal de 1988. Postulado constitucional da dignidade da pessoa humana.

O direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da carta, com aplicação imediata – leia-se § 1º do art. 5º da mesma Constituição –, e não um direito meramente programático.

3. Princípio da tripartição dos poderes. Dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

A violação de direitos fundamentais, sobretudo a uma existência digna, legitima o controle judicial, haja vista a inércia do poder executivo.

4. Princípio da reserva do possível.

Não se aplica quando se está diante de direitos fundamentais, em que se busca preservar a dignidade da vida humana, consagrado na CF/88 como um dos fundamentos do nosso estado democrático e social de direito (art. 1º, inc. III, da Carta Magna).

5. Princípio da proteção do núcleo essencial. Princípio da vinculação. Da proibição de retrocesso.

É de preservação dos direitos fundamentais que se trata, evitando-se o seu esvaziamento em decorrência de restrições descabidas, desnecessárias ou desproporcionais.

6. Bloqueio de valores.

O descumprimento com a obrigação judicial imposta autoriza o bloqueio de valores no erário dos réus para que a parte autora adquira o tratamento na esfera particular. Para tanto é necessário apresentar três orçamentos nos autos, devidamente atualizados. O de menor valor deverá prevalecer para tal finalidade.

7. Honorários Advocatícios.

Reduzo o valor da verba honorária sucumbencial, pois compatível com a baixa complexidade do feito e o trabalho desenvolvido pelo(a) Advogado(a) em prol dos interesses da parte autora.

8. Custas Processuais.

A Lei Estadual/RS n. 14.634/14, instituiu a taxa única de serviços judiciais e isenta os entes estatais, suas autarquias e suas fundações do pagamento das custas processuais (art. 5º, inc. I) para as ações ajuizadas a partir de 15.06.2015.

APELO DO ESTADO DESPROVIDO.

APELO DO MUNICÍPIO PARCIALMENTE PROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Do relatório.

Parto do relatório que consta no parecer da Douta Procuradora de Justiça, Dra. Denise Maria Netto Duarte (evento 8).

FATIMA CATARINA SILVA DOS SANTOS ajuizou Ação Declaratória contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e o MUNICÍPIO DE TRAMANDAÍ, em que, em resumo, afirmou se portadora de “Neoplasia Maligna dos Brônquios ou Pulmões, não especificado” CID C 34.9 e que, conforme laudo médico que acostou, necessita com urgência ser submetida a tratamento específico em hospital de alta complexidade especializado em oncologia. Sustenta que não possui condições de custear o tratamento.

Refere que o direito à saúde se constitui em garantia constitucional e infraconstitucionalmente assegurada.

A inicial veio acompanhada de documentos — Evento 02 – DOC. 03 a DOC. 16.

O Estado do Rio Grande do Sul apresentou contestação (Evento 2, PET.43), alegando a necessidade de direcionamento do cumprimento da ordem judicial postulada na inicial conforme posicionamento jurisprudencial consolidado no julgamento do Tema 793 do STF. Afirmou que o tratamento postulado deve ser realizado nos CACONs/UNACONs, que são geridos pela União. Teceu razões acerca do alto custo do medicamento postulado e referiu que não é cabível a sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios em favor do FADEP.

O Município de Tramandaí, citado, deixou transcorrer in albis o prazo para apresentação de contestação (Evento 2 – CERT.50).

O Ministério Público, em parecer, opinou pela declinação da competência para processar e julgar o presente feito para a Justiça Federal (Evento 2, PARECER.56)

Sobreveio sentença julgando procedente a ação — Evento 7.

O Estado interpôs apelação em que basicamente reitera os termos da contestação frisando que a sentença deve ser reformada, em razão do TEMA 793 STF. Mencionou, ainda, que uma vez confirmado o diagnóstico do câncer no âmbito da rede pública, o paciente deve ser encaminhado para o centro de referência para tratamento oncológico, denominado CACON ou UNACON. Subsidiariamente, caso mantida a sentença de procedência, defendeu a redução da verba honorária sucumbencial fixada— Evento 14.

O Município de Tramandaí interpôs apelação, justificando a sua impossibilidade de figurar no polo passivo da ação judicial, visto que o tratamento pleiteado pela apelada é procedimento de alto custo e complexidade, sendo portanto de responsabilidade do ente estatal e federal. Discorreu acerca da aplicação do Tema n.º 793 do STF ao caso concreto, referindo que a União deve ser incluída no polo passivo. Subsidiariamente, caso mantida a sentença de procedência, requereu a redução da verba honorária sucumbencial fixada – Evento 15.

Foram apresentadas contrarrazões — Evento 20.

A instituição do Ministério Público opina pelo parcial provimento do recurso.

É o relatório.

2. Do julgamento monocrático.

O feito comporta julgamento monocrático, consoante o disposto no art. 932, inciso VIII, do CPC/2015, bem como no art. 206, inciso XXXVI, do RITJRS.

3. Do direito à saúde.

Conheço de ambos os apelos, pois preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade.

Adianto que ambos os recursos serão analisados de forma concomitante.

3.1 Da responsabilidade pela concessão do tratamento postulado nos autos.

O legislador constituinte de 1988 estabeleceu obrigações aos entes federados para com o desenvolvimento de políticas públicas destinadas à consecução dos serviços de saúde à população, conforme dispositivos que seguem:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

(...)

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (Vide ADPF 672)

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

(...).

Importa destacar que o SUS engloba a União, o Estado e os Municípios de forma sistematizada e descentralizada, logo não há pretender os entes federativos eximirem-se de suas obrigações.

No entanto, quanto ao aspecto da responsabilidade solidária, é importante frisar a interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de recurso extraordinário pela sistemática repetitiva (Tema 793), conforme ementa do acórdão abaixo transcrita:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes. 4. Embargos de declaração desprovidos.
(RE 855178 ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020)

Desse julgamento a União apresentou embargos de declaração que foram desprovidos por maioria (acórdão publicado em 16/4/2020), de acordo com o voto da lavra do Ministro Edson Fachin, que ficou como redator do acórdão, e...

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