Decisão Monocrática nº 50236397220208210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50236397220208210010
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoTerceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003257887
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5023639-72.2020.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de Energia Elétrica

RELATOR: Desembargador NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO

APELANTE: ADEMIR TADEU BOEIRA VILASBOA (AUTOR)

APELADO: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por ADEMIR TADEU BOEIRA VILASBOA, porquanto está inconformado com a sentença (evento 57, SENT1) proferida nos autos da ação declaratória de inexistência de débito cumulada com pedido indenizatório ajuizada contra RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A, cujo dispositivo restou assim redigido:

Ante o exposto, revogando a tutela de urgência, JULGO IMPROCEDENTE o pedido e, ipso facto, condeno o autor ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios dos procuradores da ré que, considerando a natureza e importância da demanda, bem como o grau de zelo e o trabalho realizado, fixo em 10% do valor atualizado da causa pelo IGP-M(FGV), com juros moratórios de 1% ao mês desde o trânsito em julgado desta sentença, com base no artigo 85, §§ 2.º, 8.º e 16, do CPC, restando a exigibilidade suspensa em face da AJG (art. 98, § 3.º, do CPC).

Transitada em julgado, e satisfeitas eventuais despesas processuais remanescentes, arquivem-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Nas razões, a parte autora sustentou que a sentença merece reforma, porquanto lhe foi imputado débito sem sua anuência e apurado de forma irregular e imposto de forma parcelada. Aduziu que não houve qualquer alteração no padrão de consumo a justificar o pagamento do débito cobrado. Disse que a inspeção não foi acompanhada pelo consumidor ou qualquer testemunha, não servido de documento hábil a autorizar a recuperação de consumo. Asseverou que a conduta da concessionária implicou danos morais indenizáveis ao autor, dada a ilegalidade da cobrança. Pediu o provimento da apelação (evento 61, APELAÇÃO1).

Intimada, a concessionária ofertou contrarrazões, nas quais defendeu a manutenção da sentença (evento 65, CONTRAZAP1).

Os autos foram remetidos a esta Corte, indo com vista à Drª Elaine Fayet Lorenzon Schaly, Procuradora de Justiça, que deixou de intervir (evento 09).

É o relatório.

VOTO

Encaminho voto pelo parcial provimento da apelação.

Destaco que os autos versam sobre o fornecimento de energia elétrica pela concessionária, matéria que foi objeto de alteração regimental desta Corte através da Resolução nº 01/2005, publicada no DOJ do dia 18NOV05, que em seu art. 1º, modificou o inciso I do art. 11 da Resolução nº 01/98, excluindo dos contratos administrativos as demandas relativas ao fornecimento de água potável e energia elétrica, inserindo a matéria no chamado direito público não especificado.

No caso dos autos, a parte autora sustenta a irregularidade do procedimento para a apuração do débito, bem como sua ausência de responsabilidade. A concessionária, por sua vez, defende a regularidade e a legitimidade da recuperação de consumo de energia elétrica, por conta de avaria no equipamento de medição.

O tema vinha disciplinado na Resolução nº 414/10 da ANEEL, vigente à época dos fatos, que é um instrumento normativo que regulamenta a Lei nº 9.427/96 e fundamenta-se na Lei nº 8.987/95 (Lei das Concessões Públicas) e na própria CF-88, em seu art. 175, tratando-se de um ato administrativo geral que nas palavras de Hely Lopes Meirelles tem a seguinte definição:

Atos administrativos gerais ou regulamentares são aqueles expedidos sem destinatários determinados, com finalidade normativa, alcançando todos os sujeitos que se encontrem na mesma situação de fato abrangida por seus preceitos. São atos de comando abstrato e impessoal, semelhantes aos da lei, e, por isso mesmo, revogáveis a qualquer tempo pela Administração, mas inatacáveis por via judicial, a não ser pelo questionamento da constitucionalidade (art. 102, I, “a”, da CF).
(Direito Administrativo Brasileiro, 27ª edição, Malheiros, São Paulo, 2002).

Contudo, no caso dos autos, o regular procedimento para a apuração do consumo extrafaturado não foi efetivamente observado.

Em que pese tenha sido realizada a fiscalização na unidade consumidora da parte autora, isso em 23AGO19, lavrando-se o Termo de Ocorrência de Irregularidade - TOI (evento 10, OUT2) dando conta da avaria no medidor de energia, não há prova material suficiente para demonstrar eventual desvio de energia ou mesmo o benefício auferido pela parte autora.

Consta do TOI:

Foi identificado que o medidor de energia elétrica está avariado (descarga atmosférica) sendo o mesmo substituído. Desta forna o consumo mensal desta unidade passará a ser registrado corretamente.

No ponto, denota-se que o procedimento não foi acompanhado pelo titular da unidade consumidora ou qualquer outra testemunha, o que revela evidente inobservância do disposto no art. 129, §§ 2º e 5º, da Resolução - ANEEL nº 414/10:

Art. 129. (...).

§ 2º Uma cópia do TOI deve ser entregue ao consumidor ou àquele que acompanhar a inspeção, no ato da sua emissão, mediante recibo.

(...).

§ 5º Nos casos em que houver a necessidade de retirada do medidor ou demais equipamentos de medição, a distribuidora deve acondicioná-los em invólucro específico, a ser lacrado no ato da retirada, mediante entrega de comprovante desse procedimento ao consumidor ou àquele que acompanhar a inspeção, e encaminhá-los por meio de transporte adequado para realização da avaliação técnica.

(...).

E aqui não calha o argumento de que o art. 129 não se aplica à hipótese, mas sim o art. 115, em especial o seu § 4º, da Resolução-ANEEL nº 414/10. Dito dispositivo prevê:

Art. 115º. Comprovada deficiência no medidor ou em demais equipamentos de medição, a distribuidora deve proceder à compensação do faturamento de consumo de energia elétrica e de demanda de potência ativa e reativa excedentes com base nos seguintes critérios: (Redação do caput pela Resolução Normativa ANEEL Nº 479 DE 03/04/2012).

(...).

§ 4º A distribuidora deve informar ao consumidor, por escrito, a descrição da deficiência ocorrida, assim como os procedimentos a serem adotados para a compensação do faturamento, com base no art. 133.

(...).

No entanto, a concessionária desconsidera que a normativa integra todo um sistema, regulando, assim, a relação consumidor-concessionária. E o § 7º do referido art. 115 diz:

Art. 115 (...).

§ 7º Condiciona-se a caracterização da deficiência no medidor ou demais equipamentos de medição ao disposto no § 1º do art. 129.

(...).

Não se pode, portanto, pretender a aplicação isolada dos dispositivos previstos na legislação de regência. Seja qual for a natureza da irregularidade, seja por ação humana, ou não, como no caso dos autos, a fiscalização deve-se dar na presença do titular da unidade consumidora ou de testemunha. Se, por um lado, o art. 167, III, da Resolução-ANEEL nº 414/10 dispõe pelos danos causados aos equipamentos de medição ou ao sistema elétrico da distribuidora, decorrentes de qualquer procedimento irregular ou deficiência técnica da unidade consumidora, atribuindo-os ao titular da unidade; por outro, a empresa deve demonstrar a existência do crédito que diz ter em seu favor, mediante a fiscalização idônea e apuração das irregularidades nos equipamentos guarnecidos nas unidades consumidoras.

No caso dos autos, o funcionário da concessionária, conforme fiscalização que realizou, preencheu o formulário de Termo de Ocorrência de Inspeção, dando conta da avaria do sistema de medição de energia, não trazendo maiores elementos, em verificação realizada à revelia do consumidor, não havendo parâmetros seguros para se proceder à cobrança retroativa, diante da prova carreada aos autos.

No ponto:

DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DEFEITO NO MEDIDOR DE ENERGIA. AUSÊNCIA DE PROVA CABAL DA ALTERAÇÃO OU REDUÇÃO NO CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA. RECUPERAÇÃO DE CONSUMO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A simples alegação de defeito no medidor de consumo de energia não justifica a recuperação de consumo nos termos do art. 115 da Resolução-ANEEL nº 414/10. É necessária a demonstração efetiva de que houve redução ou alteração significativa na medição da energia que passou pelo medidor da unidade consumidora, na medida em que a própria legislação de regência garante à concessionária o direito ao ressarcimento das despesas para a verificação e cobrança dos débitos extrafaturados, nos termos própria Resolução-ANEEL nº 414/10, desde que devidamente comprovados. Igualmente, não foi observado o regular procedimento previsto na Resolução-ANEEL nº 414/10, em especial nos §§ 2º e 5º do seu art. 129. 2. Portanto, no caso concreto, revela-se descabida a recuperação de consumo tal como operada pela concessionária, sendo a melhor solução a procedência do pedido vertido na inicial quanto ao tema. APELAÇÃO IMPROVIDA. DECISÃO MONOCRÁTICA.
(AC nº 50007488620178210002, 3ª Câmara Cível, minha relatoria, j. em 08JAN22);

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. ENERGIA ELÉTRICA. RECUPERAÇÃO DE CONSUMO. AVARIA NO MEDIDOR. EXCESSO DE CHUVAS NA REGIÃO DE SÃO BORJA. IRRIGAÇÃO ARTIFICIAL DA LAVOURA NÃO...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT