Decisão Monocrática nº 50243678220168210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 14-02-2022

Data de Julgamento14 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50243678220168210001
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoTerceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001631655
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5024367-82.2016.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Consulta

RELATOR(A): Des. LEONEL PIRES OHLWEILER

APELANTE: ELISSON RODRIGUES DE JESUS (AUTOR)

APELADO: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE (RÉU)

EMENTA

REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. INTERNAÇÃO EM COMUNIDADE TERAPÊUTICA. INSTITUIÇÃO DE LONGA PERMANÊNCIA.

1. Nas hipóteses de sentença condenatória ilíquida proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito público interno, é obrigatória a remessa necessária contemplada pelo artigo 496 do Código de Processo Civil.

2. Com base nos artigos e 196 da Constituição Federal, é crível admitir que é dever do Estado (lato sensu) prestar atendimento de saúde, quando configurados os vetores da adequação do medicamento, tratamento ou cirurgia e da carência de recursos financeiros de quem postula.

3. Considerada a condição de saúde da parte autora e a prova dos autos, é dever do réu custear a internação da parte demandante, uma vez que os familiares não possuem condições financeiras para pagar o tratamento postulado, sendo, inclusive, assistida pela Defensoria Pública.

SENTENÇA MANTIDA EM REMESSA NECESSÁRIA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Vistos.

Trata-se de remessa necessária da sentença proferida nos autos da ação movida por ELISSON RODRIGUES DE JESUS em desfavor do MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE, nos seguintes termos:

"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por Élisson Rodrigues de Jesus contra o Município de Porto Alegre para, confirmando os efeitos das antecipações de tutela concedidas nas fls. 21/22 e 193/194, condenar o Município a fornecer ao autor internação em comunidade terapêutica adequada ao seu quadro clínico e devidamente habilitado para a prestação do serviço. Enquanto estiver indisponível vaga junto à rede pública, ficará o autor internado em instituição privada, às expensas do MPOA.

Para fins de cumprimento, determino:

1 - Oficie-se à ACTE, informando que está autorizada a internação da autora, nos termos do orçamento da fl. 275, bem como solicitando que indique a conta da pessoa jurídica para depósito mensal do valor de R$ 2.200,00.

Os pagamentos serão mensais, dos serviços já prestados, sempre referentes ao mês cheio (no primeiro mês será proporcional aos dias de efetiva internação). As solicitações de pagamento deverão:

a) ser efetuadas por e-mail ao Cartório da Vara (frpoacent10vfaz@tjrs.jus.br) no primeiro dia útil de cada mês e serão pagas até o 10º dia útil de cada mês, por transferência direta de valores para a conta informada. O e-mail deve informar o número completo do processo, o nome da paciente, o mês que está sendo cobrado e o valor da nota fiscal anexa, e os dados bancários do estabelecimento (código do banco, código da agência, conta da pessoa jurídica e CNPJ);

b) estar acompanhadas de cópia legível da respectiva nota fiscal eletrônica, contendo: nome completo da paciente, período de internação referente ao mês cheio (ex: 01.09.2019 a 30.09.2019) e descrição do tipo de serviço prestado.

c) laudo médico da evolução da paciente no período referido nas notas fiscais e informando a respectiva previsão de alta.

2 - Com a juntada das notas fiscais e laudos médicos mensalmente, deverão sempre ser intimadas as partes e, após, o Ministério Público.

3 - Na liberação dos valores referentes ao quinto mês, intimem-se as partes acerca da necessidade de continuar efetuando bloqueios para custear a internação da autora.

4 - Assinará a Sra. Escrivã, ou quem a substituir legalmente, todos mandados e ofícios que se fizerem necessários.

5 - Oficie-se à Assessoria Jurídica da SMS, por meio eletrônico com confirmação telefônica de recebimento, para que, em 3 (três) dias úteis a contar da intimação, informe a data em que o MPOA providenciará a transferência da autora do Hospital Vila Nova à ACTE ou acerca da impossibilidade de fornecimento do referido transporte. Em caso de negativa ou de ausência de resposta, expeça-se alvará de R$ 800,00 diretamente à conta da ACTE (fl. 275) e, após, comunique-se à referida Instituição para providenciar o transporte da autora.

6 - Oficie-se ao Hospital Vila Nova, comunicando que está autorizada a alta da autora, exclusivamente no momento da efetivação da sua transferência à Associação Comunidade Terapêutica Ecumênica - ACTE.

7 - Intimem-se, sendo a parte autora, inclusive para informar ao Juízo acerca da efetivação da transferência do autor à ACTE.

Custas pelo MPOA, isentas conforme previsão do art. 5º, inciso I, da Lei 14.634/14.

Condeno o Município ao pagamento de honorários advocatícios em favor do FADEP, que arbitro em R$ 500,00, na forma do art. 85, § 8º, do CPC/2015. Em consonância com a repercussão geral da tese firmada no julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947, referente ao TEMA nº 810, do STF, o referido valor deverá ser atualizado monetariamente pelo IPCA-E, a contar da data da sua fixação; com incidência de juros moratórios, segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, a contar do trânsito em julgado, conforme art. 85, § 16, do CPC/2015.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Caso interposto recurso de apelação, cumpram-se as formalidades dos §§ 1º e 2º, do art. 1.010, do CPC/2015, e, após, remetam-se os autos ao Tribunal de Justiça.

Não havendo recurso voluntário, proceda-se a remessa oficial, nos termos do art. 496, § 3º, do CPC, eis que ilíquida a condenação.

Com o trânsito em julgado, baixe-se."

Ausente recurso voluntário, os autos subiram por força da remessa necessária.

Nesta Corte, o feito foi distribuído para o em. Des. Rui Portanova, da Oitava Câmara Cível, que declinou da competência (Evento 7).

O Ministério Público, por meio do parecer do Procurador de Justiça José Túlio Barbosa, opinou pela manutenção da sentença em remessa necessária.

Foi suscitada dúvida de competência, ocasião em que foi desacolhida, mantendo o enquadramento do feito na subclasse “Direito Público não especificado”.

O Ministério Público, por meio do parecer do Procurador de Justiça José Túlio Barbosa, reiterou o parecer emitido anteriormente, opinando pela manutenção da sentença em remessa necessária.

É o relatório.

Decido.

I – REMESSA NECESSÁRIA.

Nas hipóteses de sentença condenatória ilíquida proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito público interno, é obrigatória a remessa necessária contemplada pelo artigo 496 do CPC/15. Tal entendimento já foi analisado em sede de julgamento de recurso repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça. In verbis:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. SENTENÇA ILÍQUIDA. CABIMENTO.

1. É obrigatório o reexame da sentença ilíquida proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público (Código de Processo Civil, artigo 475, parágrafo 2º).

2. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao procedimento do artigo 543-C do Código de Processo Civil.

(REsp 1101727/PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/11/2009, DJE 03/12/2009)

Passo ao exame da remessa necessária.

II – MÉRITO

O Direito à Saúde como Direito Fundamental

A questão posta em debate não é nova no âmbito desta 3ª Câmara Cível, pois envolve as difíceis escolhas envolvendo o direito social fundamental à saúde (artigos e 196 da Constituição Federal), e o alcance normativo de sua materialização, considerando alguns óbices que surgem nos casos concretos. O artigo 6º disciplina:

“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Já o artigo 196 refere:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Também a Constituição Estadual, no seu artigo 241, prevê que: A saúde é direito de todos e dever do Estado e do Município, através de sua promoção, proteção e recuperação.

Desta forma, como leciona Mariana Flichtiner Figueiredo:

“...o direito à saúde deve abarcar a fruição de toda uma gama de facilidades, bens, serviços e condições, necessários para que a pessoa alcance e mantenha o mais alto nível possível de saúde, compreendendo dois elementos: ‘o direito à conservação do capital de saúde, herdado por um lado, e o direito de acesso aos serviços públicos de saúde adequados em caso de dano a esse capital, por outro.”[1]

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet[2], bastaria uma leitura dos dispositivos da Constituição Federal, em especial do artigo 196, para se perceber o seguinte:

“...que nos encontramos, em verdade, no que diz com a forma de positivação, tanto em face de uma norma definidora de direito (direito à saúde como direito subjetivo, de todos, portanto de titularidade universal), quanto diante de normas de cunho impositivo de deveres e tarefas, pois o art. 196 enuncia que a saúde é direito de todos e dever do Estado, além de impor aos poderes públicos uma série de tarefas nesta seara (como a de promover políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outras agravos, além de estabelecer o acesso universal e igualitário às ações e prestações nesta esfera.”

Ao analisar a questão sob a ótica de um direito positivo, José Afonso da Silva[3] cita Gomes Canotilho e Vital Moreira, os quais entendem que a natureza positiva significa o “direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das...

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