Acórdão nº 50256004120218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50256004120218210001
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003213799
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5025600-41.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra CLEBER DE ARAUJO MACIEL ARAUJO, já qualificado, por incurso nas sanções do art. 12, caput, e art. 16, § 1º, IV, ambos da Lei 10.826/03, em vista da prática dos seguintes fatos descritos na inicial acusatória:

1º FATO:

Na data de 15 de dezembro de 2020, por volta das 07 horas, na Av. AJ Renner nº 490, Acesso 5, bairro Humaitá, nesta Capital, o denunciado CLEBER DE ARAUJO MACIEL ARAUJO mantinha sob sua guarda ou ocultava um revólver Taurus, calibre .38, com numeração raspada, municiado com seis cartuchos intactos (auto de apreensão incluso no APF), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar

2º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, o denunciado CLEBER DE ARAUJO MACIEL ARAUJO mantinha sob sua guarda, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, o revólver Rossi, calibre .38, número de série AA171288, municiado com cinco cartuchos, além de outros 31 (trinta e um) cartuchos intactos do mesmo calibre, de acordo com o auto de apreensão de fls.

Na ocasião, em razão do cumprimento de mandado de busca e apreensão deferido para Vara do Júri, os policiais realizaram diligência no local no intuito de apreender armas de fogo, que provavelmente teriam sido utilizadas em crime de tentativa de homicídio naquela região.

Na residência do flagrado obtiveram êxito em localizar o revólver Rossi dentro da cômoda do quarto do denunciado e o outro revólver Taurus estava escondido debaixo da cama, junto com a munição sobressalente.

Diante disso, foi efetuada a detenção do flagrado, que restou conduzido até a Delegacia de Policia para a lavratura do auto de prisão em flagrante.

As armas de fogo apreendidas se encontram em condições de uso e funcionamento, conforme laudos periciais juntados (Evento 21, LAUDO1 e LAUDO2).

A denúncia foi recebida em 01/04/2021.

Após regular instrução do feito, sobreveio sentença, publicada em 27/09/2022, que julgou procedente a ação penal, para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 12 e do art. 16, § 1º, IV, da Lei 10.826/03, em concurso formal, à pena de 03 anos e 06 meses de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, e pagamento de 12 dias-multa, no valor unitário mínimo legal.

A defesa interpôs recurso de apelação e, nas razões, pede reforma da decisão. Alega a insuficiência de provas para a condenação, alicerçada apenas nos depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão. Destaca que o alvo do mandado de busca e apreensão não era o réu, na residência moravam mais pessoas, inclusive o alvo da operação e as armas não pertenciam ao acusado. Sustenta a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato e a atipicidade material da conduta, ausente perigo real de lesão ao bem juridicamente tutelado. Por tais motivos, requer a absolvição do acusado. Alternativamente, requer a desclassificação do crime do art. 16, § 1º, IV, para aquele previsto no art. 12, da Lei nº 10.826/03, visto que as armas estavam no interior da residência e eram de calibre permitido. De forma subsidiária, postula o afastamento da agravante da calamidade pública, o reconhecimento da atenuante genérica do art. 66, do Código Penal, com a redução da pena aquém do mínimo legal, a substituição da pena de prestação pecuniária por outra, ou mesmo a sua isenção, bem como da pena de multa.

Apresentadas contrarrazões.

A Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo parcial provimento do recurso, para deferir a substituição da pena de prestação pecuniária por outra.

VOTO

I. Admissibilidade

O recurso preencheu os requisitos de admissibilidade, pelo que vai conhecido.

II. Mérito

A Defesa alega atipicidade do crime de porte ilegal de arma de fogo porque ausente lesão ao bem juridicamente tutelado, a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato e insuficiência probatória para a condenação.

Pois bem.

O réu foi condenado pela prática dos crimes previstos no art. 12 e art. 16, § 1º, IV, da Lei 10.826/03, em concurso formal, à pena de 03 anos e 06 meses de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, e pagamento de 12 dias-multa, no valor unitário mínimo legal..

Delitos dessa natureza prescindem da demonstração do risco de dano. As Cortes Superiores, sobretudo o STF, guardião da Constituição Federal, afirmam não haver inconstitucionalidade na definição de crimes de perigo abstrato, tendo sido reconhecida, inclusive, a adequação da Lei nº 10.826/03 ao ordenamento pátrio por meio da ADI 3112/DF1. Nesse sentido, paradigmático precedente daquele Tribunal (HC 104410/RS – Min. Gilmar Mendes – Segunda Turma – Julgamento 06/03/2012). É prescindível, na hipótese, a demonstração de perigo de dano2. Também é o entendimento do STJ3. Por conta disso, inclusive, levando-se em conta o bem jurídico tutelado (incolumidade pública4), inexiste violação ao princípio da lesividade, matéria pacificada junto à 3ª Seção do STJ5, pouco importando, também para o STF6, se a arma estava desmuniciada ou desmontada.

Não há falar, assim, em atipicidade por ausência de ofensividade na conduta, tampouco inconstitucionalidade.

Não é caso, também, de insuficiência probatória para a condenação.

A materialidade está demonstrada pelo boletim de ocorrência (1.1, fls. 16/19), pelo auto de apreensão (1.1, fl. 22), pela consulta de arma (1.1, fl. 24), pelo auto preliminar de constatação de funcionalidade de arma de fogo (1.1, fl. 26), pelos laudos periciais nº 245121/2020 e 245101/2020, bem como pela prova oral colhida.

A autoria é certa, conforme os depoimentos colhidos, devidamente sintetizados no parecer do Procurador de Justiça, Gilmar Bortolotto, como se transcreve:

GUILHERME ANDRÉ ANTERO ARCOVERDE, compromissado, aduziu que estavam em cumprimento a m MBA, de um delito de tentativa de homicídio, cumprido no endereço onde, possivelmente, o alvo estaria pernoitando, o qual se chamava BRUNO; ingressaram na residência e perceberam o acusado dormindo em um dos quartos, momento em que localizaram as armas arrecadadas, que estavam embaixo do colchão. Indagado, o acusado aduziu que estava guarnecendo as armas para o tal de BRUNO. Havia uma mulher e uma criança no local, possivelmente, residentes, eis que a casa apresentava condições de ser uma moradia. A casa era de BRUNO; supõe que o acusado tinha algum vínculo com esse indivíduo. Definiu o local como ponto de tráfico, chamado 'Beco do Grécio'. A abordagem deu-se pela manhã. Foram apreendidos dois revólveres; não se recorda se estavam, ou não, com a numeração raspada.

LUCAS KOOP, também compromissado, aduziu que estava em apoio à equipe responsável pelo MBA; lembra-se de terem chegado na casa de um alvo, chamado BRUNO, onde encontraram um revólver no quarto do acusado; ele mesmo indicou o local onde estava a outra arma e munições, que também foram recolhidas. Lembra-se que eram dois revólveres de calibre 38, municiados, além de munições sobressalentes, na ordem de 20 (vinte) cartuchos. Uma das armas estava no criadomudo, do quarto ocupado pelo acusado, com a munição sobressalente próxima. Não soube detalhar a investigação realizada, porquanto realizada por outra equipe. Os “Balas” eram quem dominava aquele local. Relatou que o acusado era casado com a irmã de BRUNO; havia outros familiares na casa, inclusive a irmã de BRUNO, o qua se encontra foragido.

LEIRANE DE OLIVEIRA FERNANDEZ, compromissada, aduziu que, na ocorrência deste feito, estava prestando apoio a uma outra equipe, no cumprimento de um mandado de busca e apreensão; no cumprimento, acharam um revólver, no quarto do acusado, momento em que ele mesmo indicou a outra arma e munições; lembra-se de que um dos revólveres era municiado; não lembrou da numeração das armas, mas parece que um deles estava com a numeração raspada. O casal tinha um casal, um idoso e a namorada de CLEBER.

O recorrente, em juízo, optou por permanecer em silêncio.

Do contexto narrado, verifica-se que a prova é certa no sentido do cometimento do crime de posse ilegal de armas de fogo pelo réu, em que pese a negativa da defesa técnica.

Os três policiais civis inquiridos em juízo foram seguros e coerentes em suas narrativas, no sentido de que, durante cumprimento de mandado de busca e apreensão, expedido para a residência do réu e do então investigado Bruno Evanir S. B. P., este último suspeito da prática de homicídio, localizaram no quarto do réu uma arma de fogo, tendo ele apontado a existência de outro revólver, indicando aos policiais a sua localização. As duas armas foram apreendidas e o réu, preso em flagrante.

A palavra dos policiais é válida, como dos testemunhos em geral, nos termos do art. 202 do CPP7, inexistindo motivo para que seja afastada a versão apresentada por eles, especialmente porque a narrativa amolda-se ao restante das provas produzidas. A presunção em abstrato a respeito da parcialidade no relato das testemunhas que participaram da apreensão não é devida, verificando-se que não foi apresentada qualquer razão para se duvidar daquilo que foi dito por elas. Aliás, o relato fidedigno a respeito das circunstâncias da prisão dá conta da veracidade das alegações.

No caso concreto, as provas apontam...

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