Decisão Monocrática nº 50270926820218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50270926820218210001
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003205591
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5027092-68.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: OLIVAR SCHNEIDER (OAB RS023562)

ADVOGADO: JULIO CESAR GONÇALVES MOREIRA SEZAR (OAB RS057280)

ADVOGADO: Vilson César Joner (OAB RS081972)

ADVOGADO: BRUNA LIZZIE SCHNEIDER (OAB RS081462)

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

TESTEMUNHA: SEGREDO DE JUSTIÇA

TESTEMUNHA: SEGREDO DE JUSTIÇA

TESTEMUNHA: SEGREDO DE JUSTIÇA

TESTEMUNHA: SEGREDO DE JUSTIÇA

TESTEMUNHA: SEGREDO DE JUSTIÇA

TESTEMUNHA: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ofereceu denúncia em desfavor de JORGE DARLAN PEREIRA DORNELES, com 24 anos de idade à época dos fatos, dando-o como incurso nas sanções dos artigos 14, caput, e 15, caput, e 16, §1º, inciso IV, todos da Lei n.º 10.826/2003, e do artigo 147, na forma do artigo 69 do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

"FATO I

No dia 25 de dezembro de 2020, por volta das 01h, na Estrada do Rincão, nº 708, bairro Belém Velho, Porto Alegre/RS, em plena pandemia de Covid-19, o denunciado JORGE DARLAN PEREIRA DORNELES, portou e manteve sob guarda arma de fogo e munições de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

FATO II

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar do fato anterior, o denunciado JORGE DARLAN PEREIRA DORNELES disparou arma de fogo em lugar habitado.

FATO III

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar do fato anterior, o denunciado JORGE DARLAN PEREIRA DORNELES portou, deteve, transportou e/ou manteve sob guarda arma de fogo com características modificadas e munição sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

FATO IV

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar do fato anterior, o denunciado JORGE DARLAN PEREIRA DORNELES, por meio de gestos e palavras, ameaçou atirar na vítima Gabryel Rodrigues Rutsatz, causando-lhe mal injusto e grave.

Na ocasião, os policiais militares estavam em patrulhamento de rotina quando foram abordados por duas pessoas, as quais relataram que havia um indivíduo disparando tiros para o alto e ameaçando atirar contra elas. Os policiais se deslocaram até o local indicado e identificaram o denunciado, o qual admitiu ter disparado um tiro para o alto, bem como franqueou a entrada dos policiais em sua residência. No local, foi encontrada uma pistola, marca Taurus, calibre .380, nº KPB67585, uma espingarda com numeração adulterada, 09 munições intactas calibre .38, 13 munições intactas calibre .380, 01 estojo de arma de fogo deflagrado calibre .380, 02 estojos de arma de fogo deflagrados calibre .20, 03 estojos de arma de fogo intactos calibre .20 e 01 coldre."

A denúncia foi recebida em 17.03.2021 (evento 3, DESPADEC1).

Durante a instrução processual, foram ouvidas a vítima, as testemunhas e interrogado o acusado (evento 60, TERMOAUD1 e evento 104, TERMOAUD1).

Encerrada a instrução, os debates forais oram substituídos por memoriais escritos, que foram apresentados pela defesa (evento 108, MEMORIAIS1) e pelo Ministério Público (evento 110, MEMORIAIS1).

Sobreveio a sentença de lavra do Dr. Sidinei José Brzuska, Juiz de Direito, julgando parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal para condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 15 e do artigo 12, ambos da Lei n.° 10.826/03, à pena de 03 (três) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 20 (vinte) dias-multa. A pena privativa de liberdade restou substituída por duas restritivas de direito, consistentes em prestação pecuniária, no valor de 01 (um) salário mínimo, e prestação de serviços à comunidade (evento 118, SENT1).

A sentença foi publicada em 07.06.2022.

A defesa interpôs recurso de apelação (evento 125, PET1), postulando a apresentação das razões perante este Tribunal, conforme o artigo 600, §4º, do Código de Processo Penal.

Remetidos os autos, a defesa, em suas razões, pleiteou a desclassificação do delito do artigo 15 do Estatuto do Desarmamento para o tipificado no artigo 132 do Código Penal. Alegou que o disparo foi efetuado para cima, em local isolado, sem pessoas ou habitações próximas, não configurando o delito previsto artigo 15 da Lei n.º 10.826/03. Requereu o provimento do recurso com a desclassificação do delito para o previsto no artigo 132 do Código Penal (evento 7, RAZAPELA1).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (evento 18, CONTRAZAP1).

Em parecer, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Gilmar Bortolotto, opinou pelo desprovimento do recurso defensivo (evento 21, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Conheço do recurso defensivo por que adequado e tempestivo.

A pretensão de desclassificação do crime de disparo de arma de fogo, tipificado no artigo 15 da Lei n.º 10.826/03, para o de perigo para a vida ou saúde de outrem, previsto no artigo 132 do Código Penal, não vai acolhida.

De início, cumpre referir que, o delito de disparo de arma de fogo tem como bem jurídico tutelado a incolumidade e segurança públicas, tratando-se de crime de perigo abstrato, ou mera conduta. Já o crime tipificado no artigo 132 do Código Penal tutela a vida e a saúde de pessoa determinada, sendo, portanto, crime de perigo concreto.

Acerca dos crimes de perigo abstrato, é sabido que sua consumação não reclama a lesão concreta ao bem jurídico ou a colocação deste bem em risco real e concreto. É dizer, são tipos penais que descrevem apenas um comportamento, sem apontar um resultado específico como elemento expresso do fato típico.

Veja que a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato encontra mansa jurisprudência no Supremo Tribunal Federal, que reafirmou posicionamento no sentido de que “a criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal" (STF - HC: 104410 RS, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 06/03/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-062 DIVULG 26-03-2012 PUBLIC 27-03-2012).

Sobre os crimes de perigo abstrato, lecionam PACELLI e CALLEGARI1:

(...) os crimes de perigo abstrato são aqueles em que basta que a conduta seja perigosa em geral para algum bem jurídico, ainda que não chegue a colocá-lo em perigo de lesão próxima ou imediata. Mir PUIG aduz que não é preciso que no caso concreto a ação crie um perigo efetivo, pois somente seriam delitos de perigo no sentido de que a razão de seu castigo é que normalmente supõe o perigo.

Nesses, delitos, o perigo é presumido pelo legislador (presunção juris et de júri), não sendo necessária a prova da existência do perigo. É como se o legislador considerasse que a prática da conduta prevista no tipo penal, mesmo que dela nenhum perigo reste comprovado. Segundo Claus ROXIN, nos delitos de perigo abstrato ‘o perigo típico de uma ação é motivo para a sua penalização, sem que no caso concreto se faça depender a punibilidade da produção real de um perigo.’”

A configuração do crime tipificado no artigo 15 do Estatuto do Desarmamento, cuja objetividade jurídica é múltipla, ocorre mesmo sem que o acusado tenha causado risco concreto ou dano a alguém ou lesado direitos de terceiros.

Assim, basta a prova, no caso, da efetivação do disparo de arma de fogo, nos termos do artigo 15, da Lei n.º 10.826/03, para que a conduta seja considerada típica e antijurídica.

No caso, o próprio réu confessou ter realizado disparos de arma de fogo para cima, conforme se extrai do seguinte excerto do édito condenatório, in verbis:

"O réu negou as acusações, à exceção do disparo efetuado, assim descrevendo a dinâmica dos fatos:

O acusado disse que tão somente efetuou um disparo de arma de fogo após "os cachorros baterem lá no fundo da chácara", esclarecendo que "eu cheguei no canto da casa e dei um tiro pra cima, isso eu dei". Contou que o disparo efetuado assustou seus familiares, oportunidade em que o artefato bélico foi retirado de suas mãos e, posteriormente, entregue a Brigada Militar "lá na Restinga. Referiu que "nem fui eu que entreguei ela para os Brigadianos", ponderando que "a única coisa que eles pegaram na minha casa foi uma garrucha que eu achei em uma salão de baile que eu aluguei. Disse que acabou levando a espingarda para sua residência após o fechamento do referido estabelecimento comercial, bem como porque não encontrou o real proprietário. Destacou que "mas é um troço que nem funciona", afirmando que a arma da qual efetuou o disparo foi adquirida por um Brigadiano para sua segurança, arguindo que "só não fizemos os papéis direitinhos".

Além disso, negou que tenha efetuado ameaças aos seus familiares, afirmando que "eu não ameacei ninguém e nem botei arma em ninguém". Justificou que as pessoas que não haviam sido convidadas para a ceia "fizeram aquela laúza toda, não sei se era para não pagar ou para me arrebentar mesmo". Contou que os policiais militares ao chegarem em sua casa "não falaram coisa com coisa, só sei que me botaram na viatura e entraram na minha casa e fizeram uma bagunça", acreditando que os agentes estatais foram acionados pelos visitantes. Lembrou que não "estava em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT