Acórdão nº 50276422920228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 06-02-2023

Data de Julgamento06 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50276422920228210001
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002993012
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5027642-29.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: DAISY CRISTINA CABELLEIRA DA CRUZ (AUTOR)

APELANTE: PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Nos autos da ação revisional ajuizada por DAISY CRISTINA CABALLEIRA DA CRUZ em desfavor de PORTOCRED S.A. CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO apelaram ambas as partes em face da sentença que assim dispôs (Evento 35):

“Pelo exposto, mantenho a tutela antecipada concedida e JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios dos contratos de empréstimo nº 3803591108, 3804231403, 3805750221 e 3807429941 à taxa média de mercado à época da contratação, de acordo com a taxa de juros estabelecida pelo Banco Central do Brasil na série 254671, bem como descaracterizar a mora da parte autora, condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Condeno o réu, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em R$500,00 (quinhentos reais) para o procurador do requerente.

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se”.

Em suas razões recursais (Evento 39), a parte autora faz uma retrospectiva processual, ressaltando que no feito são objeto de revisão quatro contratos de empréstimo pessoal. Salienta a impossibilidade de compensação com as parcelas vincendas. Assevera a necessidade de afastamento da compensação de valores. Refere que eventual compensação somente pode ser realizada em relação a valores vencidos. Enfatiza o disposto no artigo 369 do Diploma Civil. Sustenta que o valor da causa equivale na presente ação ao proveito econômico da demanda, o qual é certo e determinado. Pondera, desse modo, que os honorários advocatícios devem ser fixados, nos moldes do disposto no artigo 85, § 2º do CPC, em importância sobre o valor do proveito econômico da demanda ou, subsidiariamente, sobre o valor da causa. Pugna, assim, pela majoração da verba honorária. Colaciona julgados em abono a sua pretensão. Postula, ao final, o provimento do apelo.

A parte ré, por sua vez (Evento 42), assevera a impossibilidade da suspensão ou readequação dos descontos, assim como, sua ilegitimidade passiva em relação a estes. Salienta a impossibilidade de revisão do contrato e de limitação dos juros remuneratórios. Refere que não foi demonstrada a abusividade dos juros remuneratórios pactuados nos contratos, motivo pelo qual devem ser mantidas as taxas contratadas. Menciona não ser cabível a descaracterização da mora e a repetição/compensação dos valores. Postula a readequação da sucumbência e, ao final, pede o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões por ambas as partes (Eventos 46 e 47).

É o relatório.

VOTO

A apelação do evento 39 é tempestiva, uma vez que o prazo recursal da parte autora iniciou em 09/09/2022 e findou em 30/09/2022, sendo o recurso interposto em 15/09/2022. Quanto ao preparo, a parte autora resta dispensada de seu recolhimento, porquanto litiga sob o pálio da gratuidade judiciária (Evento 4).

O mesmo ocorre com a apelação do evento 42, uma vez que o prazo recursal da parte ré iniciou em 09/09/2022 e findou em 30/09/2022 e o recurso foi interposto em 26/09/2022. Além disso, restou comprovado o pagamento do preparo (evento 42 – CUSTAS2 e CUSTAS3).

Dessa forma, considerando que os recursos são próprios e tempestivos, recebo as apelações, as quais, diante da identidade de matéria, passo ao exame de forma conjunta.

Inicialmente, saliento que são objeto da revisão os seguintes contratos:

- Cédula de Crédito Bancário nº 3803591108, firmada em 06/12/2017, no valor de R$ 1.842,35, com juros remuneratórios de 5,30% ao mês e 85,84% ao ano (evento 1 – CONTR6);

- Cédula de Crédito Bancário nº 3804231403, firmada em 29/05/2018, no valor de R$ 1.907,51, com juros remuneratórios de 5,30% ao mês e 85,84% ao ano (evento 1 – CONTR8);

- Cédula de Crédito Bancário nº 3805750221, firmada em 21/12/2018, no valor de R$ 3.297,50, com juros remuneratórios de 4,31% ao mês e 65,92% ao ano (evento 1 – CONTR10); e,

- Cédula de Crédito Bancário nº 3807429941, firmada em 11/06/2019, no valor de R$ 5.034,56, com juros remuneratórios de 4,31% ao mês e 65,92% ao ano (evento 1 – CONTR12).

1. REVISÃO DO CONTRATO.

A revisão dos contratos é juridicamente possível, calcada em preceitos constitucionais e nas regras de direito comum.

Encontra-se arraigado na Constituição Federal de 1988, entre as garantias fundamentais, dispositivo que assegura a intervenção do Poder Judiciário para apreciação de lesão ou de ameaça de direito da parte.

Em se tratando de relação de consumo, essa intervenção encontra-se reforçada pelo inciso XXXII do artigo 5 da Carta Magna e pelas disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, entre as quais aquelas elencadas no artigo 51 da Lei Consumerista.

Nesse prisma, eventualmente constada a abusividade ou onerosidade excessiva de uma das partes em prejuízo da outra, adequada e pertinente a intervenção do Poder Judiciário para adequá-las ao ordenamento jurídico vigente.

Assim, impõe-se o desprovimento do recurso da parte ré no ponto.

2. JUROS REMUNERATÓRIOS.

Relativamente aos juros remuneratórios estabelecidos nos contratos bancários e sua limitação, esta Câmara posiciona-se em consonância com o entendimento sedimentado pelo STJ, que, com o advento da Lei n. 4.595/1964, diploma que disciplina de forma especial o Sistema Financeiro Nacional e suas instituições, afastou a incidência da Lei de Usura, tendo ficado delegado ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos para limitar as referidas taxas, salvo as exceções legais.

Inclusive, a Súmula n° 596 do STF dispõe que: As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.

O STJ, por intermédio da Súmula 382, sedimentou a matéria, no sentido de que a estipulação dos juros remuneratórios em percentual acima de 12% ao ano não indica abusividade, in verbis:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Conquanto aplicável o CDC às instituições bancárias, o STJ consolidou o entendimento de que o pacto referente à taxa de juros só pode ser alterado se reconhecida sua abusividade em cada hipótese, uma vez que a pactuação é livre entre as partes.

Portanto, a limitação dos juros remuneratórios, quando demonstrada a taxa contratada, somente ocorrerá se comprovado que a taxa contratada é superior à taxa média para as operações financeiras similares. A limitação dos juros remuneratórios é medida excepcional, quando demonstrado que a taxa contratada apresenta significativa discrepância em relação à taxa média de mercado.

Neste caso, far-se-á a limitação com base nas taxas divulgadas e publicadas pelo Bacen, que reflete a média de mercado.

Nesse sentido, já decidiu esta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. OBJETO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL Nº 1210274873, CELEBRADO EM 27/04/2017, NO VALOR DE R$ 3.522,05. ENCARGOS DA NORMALIDADE JUROS REMUNERATÓRIOS. APLICAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EXTRAÍDAS DOS JULGAMENTOS DOS RECURSOS ESPECIAIS REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA N. 1.061.530/RS E N. 1.112.879/PR. AFINADO A ISSO, O ENTENDIMENTO DESTA CÂMARA É DE QUE A TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS DEVE SER LIMITADA SOMENTE QUANDO FOR SUPERIOR À TAXA MÉDIA DE MERCADO REGISTRADA PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL – BACEN, À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO E EM CONFORMIDADE COM A RESPECTIVA OPERAÇÃO, SOMADA DO PERCENTUAL DE 30% (TRINTA POR CENTO), TIDO COMO A MARGEM TOLERÁVEL. NO CASO, ASSISTE RAZÃO À PARTE AUTORA COM RELAÇÃO À TAXA ADEQUADA À OPERAÇÕA PRESENTE NO CONTRATO ORA REVISANDO. DESSE MODO, CONSIDERANDO QUE AS TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS CONSTANTES NO CONTRATO REVISANDO FORAM PACTUADAS ACIMA DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN, AINDA QUE ACRESCIDA DA MARGEM DE 30% UTILIZADA COMO PARÂMETRO POR ESTA CÂMARA, TEM-SE COMO CARACTERIZADA A ALEGADA ABUSIVIDADE. CABÍVEL, POIS, A PRETENSÃO DE REDUÇÃO DOS JUROS, DEVENDO SER APLICADA A TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO (20743 E 25465 - TAXA MÉDIA MENSAL E ANUAL DE JUROS DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO COM RECURSOS LIVRES - PESSOAS FÍSICAS - CRÉDITO PESSOAL NÃO CONSIGNADO VINCULADO À COMPOSIÇÃO DE DÍVIDAS), E NÃO A TAXA DE 8,48% ESPECIFICADA NA SENTENÇA. NO PONTO, RECURSO PROVIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. INOCORRÊNCIA. EM SE TRATANDO DE AÇÃO REVISIONAL DE CUNHO DECLARATÓRIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA NÃO PODEM SER ARBITRADOS PELO VALOR DA CONDENAÇÃO E TAMPOUCO SOBRE O VALOR DA CAUSA, MAS SIM DE FORMA EQUITATIVA. ADEMAIS, TAMPOUCO É O CASO DE MAJORAÇÃO, COMO PRETENDE A AUTORA, POIS ARBITRADOS DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DESTA CÂMARA EM CASOS SIMILARES. NO PONTO, APELAÇÃO DESPROVIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 50364904420188210001, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em: 15-12-2021) (grifei)

Cumpre mencionar que a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT