Decisão Monocrática nº 50306004020228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 23-05-2022
Data de Julgamento | 23 Maio 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Agravo de Instrumento |
Número do processo | 50306004020228217000 |
Tipo de documento | Decisão monocrática |
Órgão | Primeira Câmara Cível |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20002157662
1ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Agravo de Instrumento Nº 5030600-40.2022.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO: Urgência
RELATOR(A): Des. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANIBAL
AGRAVANTE: MADALENA TRINDADE DE AVILA BRASIL (AUTOR)
AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
AGRAVADO: MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO (RÉU)
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. CONSIDERAÇÕES.
1. Do direito ao tratamento.
Sendo dever do ente público a garantia da saúde física e mental dos indivíduos, e restando comprovada nos autos a necessidade da parte requerente de submeter-se ao tratamento descrito na inicial, imperiosa a procedência do pedido para que o ente público o custeie. Exegese que se faz do disposto nos artigos 5º, caput, 6º, caput, art. 23, inciso II, e 196, todos da Constituição Federal de 1988.
2. Autoaplicabilidade do art. 196 da Constituição Federal de 1988. Postulado constitucional da dignidade da pessoa humana.
O direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da carta, com aplicação imediata – leia-se § 1º do art. 5º da mesma Constituição –, e não um direito meramente programático.
3. Princípio da tripartição dos poderes. Dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
A violação de direitos fundamentais, sobretudo a uma existência digna, legitima o controle judicial, haja vista a inércia do poder executivo.
4. Princípio da reserva do possível.
Não se aplica quando se está diante de direitos fundamentais, em que se busca preservar a dignidade da vida humana, consagrado na CF/88 como um dos fundamentos do nosso estado democrático e social de direito (art. 1º, inc. III, da Carta Magna).
5. Princípio da proteção do núcleo essencial. Princípio da vinculação. Da proibição de retrocesso.
É de preservação dos direitos fundamentais que se trata, evitando-se o seu esvaziamento em decorrência de restrições descabidas, desnecessárias ou desproporcionais.
6. Bloqueio de valores.
O descumprimento com a obrigação judicial imposta autoriza o bloqueio de valores no erário dos réus para que a parte autora adquira o tratamento na esfera particular. Para tanto é necessário apresentar três orçamentos nos autos, devidamente atualizados. O de menor valor deverá prevalecer para tal finalidade.
RECURSO PROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
1. Do relatório.
Trata-se de agravo de instrumento interposto por MADALENA TRINDADE DE AVILA BRASIL, em que são agravados o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e o MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO, em face de decisão que indeferiu a tutela de urgência postulada nos autos da ação judicial com pedido de realização de procedimento cirúrgico via SUS (evento 3 e evento 11 autos originários).
Inconformada, alega a parte recorrente a extrema necessidade do tratamento - descompressão do canal medular e correção da escoliose -, na medida em que aponta a complicação de seu quadro de saúde, em virtude do agravamento da patologia que a acomete - Escoliose da coluna vertebral (CID M41.2). Assevera que não possui condições financeiras para realizar novos exames médicos e custear o tratamento. Refere laudo emitido por médico que atesta a necessidade e a urgência da cirurgia postulada. Argumenta que a mera "existência de centros especializados não importa em possibilidade de desassistência da pessoa que necessita de atendimento à saúde" (sic. fl. 5). Pede o provimento (evento 1).
Foi concedida a antecipação de tutela recursal de urgência (evento 4).
Foram apresentadas contrarrazões (evento 9 e evento 11).
O Ministério Público opina pelo provimento do agravo (evento 15).
É o relatório.
2. Do julgamento monocrático.
O feito comporta julgamento monocrático, consoante o disposto no art. 932, inciso VIII, do CPC/2015, bem como no art. 206, inciso XXXVI, do RITJRS.
3. Do direito à saúde.
A agravante ajuizou ação de obrigação de fazer em face do Estado/RS e do Município de Novo Hamburgo, comprovando que foi diagnosticada com "escoliose da coluna vertebral (CID M41.2)" e por isso necessita realizar cirurgia para "descompressão do canal medular e correção da escoliose".
Alega que desde o dia 2/12/2021 foi incluída na Central de Marcação de Consultas e Exames de Novo Hamburgo para a realização de consulta na especialidade de "ortopedia coluna adulto - registro n. 482855", no entanto, sem ter previsão de quando conseguirá obter o tratamento.
O juiz de origem indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela de urgência, exigindo que a agravante acostasse mais provas nos autos (exames e atestados médicos) a fim de comprovar a urgência do procedimento cirúrgico, bem como para análise e emissão de parecer junto ao Sistema e-NATJUS.
3.1 Da responsabilidade pela concessão do tratamento postulado nos autos.
De início é preciso pontuar a evidência e a probabilidade do direito invocado pela agravante, principalmente o risco de dano grave, difícil ou de impossível reparação, que ampara o deferimento do pedido.
A agravante junta laudos emitidos pelo médico que acompanha o seu caso clínico (evento 1 - documentos 8, 9 e 11), no qual constam a enfermidade, a dor que causa, o risco de paralisia de membros inferiores ou lesão crônica de nervos, bem como a necessidade urgente da realização do procedimento cirúrgico.
O laudo médico datado de 14/2/22 refere:
"Necessita ser submetida a cirurgia artrodese de coluna dorso lombar para tratamento de escoliose, sob risco de pior prognóstico de recuperação da deformidade se continuar a ser postergada. Hoje, em 14/02/2022, saliento agravamento da patologia com restrição ao leito e início formação de escaras e iminente pneumonia de decúbito. Em uso de morfina ininterrupto, o que está causando obstrução intestinal e devido a restrição, insuficiência renal e intestinal. Há agravamento diário da patologia com início de escaras, pneumonia em paciente idoso, insuficiência reanal e distúrbios gastro intestinais que somados estão expondo a paciente a deterioração progressiva de sua saúde física e mental podendo culminar em risco de morte [sic]”. (grifei)
Vem nos autos também a declaração emitida por servidor da Coordenação da Central de Marcação de Consultas do Município de Novo Hamburgo, sem a informação de quando a paciente será atendida.
Diante dos fatos comprovados nos autos, os requisitos para antecipar os efeitos da tutela recursal de urgência estão presentes. O atestado médico declara as diversas comorbidades que a paciente está apresentado em decorrência da deformidade em sua coluna vertebral, o que pode causar danos irreversíveis.
No que tange à responsabilidade dos agravados, a Constituição Federal de 1988 prevê:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
(...)
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
(...)
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (Vide ADPF 672)
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
(...).
Importa destacar que o SUS engloba a União, o Estado e os Municípios de forma sistematizada e descentralizada, logo não há pretender os entes federativos eximirem-se de suas obrigações.
Não se desconhece que o STF ao julgar o RE 855178 (Tema 793) decidiu que nas ações judiciais que tem por objeto a concessão de medicamento/insumos que não fazem parte dos componentes disponibilizados pelo SUS, que não possuem registro na ANVISA ou que integram o componente espacializado da Assistência Farmacêutica, que se destinam a tratamentos de saúde considerados de alta complexidade, é indispensável a inclusão da União no polo passivo, com a consequente remessa dos autos à Justiça Federal, por força do disposto no art. 109, inciso I, da CF/1988.
Contudo, em se tratando de realização de procedimento cirúrgico, a adoção de políticas públicas, as quais abrangem internação hospitalar e a disponibilização de médicos especializados, fica a cargo do Estado e dos Municípios.
3.2 Da autoaplicabilidade do art. 196 da Constituição Federal de 1988. Postulado da dignidade da pessoa humana.
O direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da Carta Política de 1988, com aplicação imediata – leia-se § 1º do art. 5º da mesma Constituição –, e não um direito meramente programático. Além disso, encontra-se inserido no direito à vida, constante do art. 5º da Carta e, mais ainda, ao princípio da dignidade da pessoa humana, que é fundamento de um Estado que se diz Democrático e Social de Direito.
Não há como afastar o direito à saúde dos direitos fundamentais, sob pena de negarmos ao cidadão o direito à vida.
Muitas vezes, para não dizer na maioria, o fundamento da República – dignidade da pessoa humana – insculpido no art. 1º, inc. III, da Constituição Federal, é simplesmente excluído das “cartilhas” dos entes federados, que desconsideram os seres humanos que os compõem como elemento integrante.
Nesse sentido, é mister colacionar as lições de José Afonso da Silva1:
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