Decisão Monocrática nº 50378897420198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 08-02-2023

Data de Julgamento08 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50378897420198210001
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoTerceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003135140
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5037889-74.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Enquadramento

RELATOR(A): Des. LEONEL PIRES OHLWEILER

APELANTE: JUSSARA VANIN (AUTOR)

APELANTE: DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE LIMPEZA URBANA - DMLU (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE LIMPEZA URBANA DE PORTO ALEGRE – DMLU. DESVIO DE FUNÇÃO. CARGOS DE OPERÁRIO ESPECIALIZADO e ASSISTENTE ADMINISTRATIVO. DIREITO AO PAGAMENTO DAS DIFERENÇAS DE VENCIMENTOS. EXERCÍCIO DE FUNÇÃO GRATIFICADA. ELISÃO DO DESVIO.

1. É cabível o pagamento de diferenças de vencimentos quando verificada a ocorrência de desvio de função (Súmula nº 378 do Superior Tribunal de Justiça).

2. No caso, a prova produzida demonstrou que a autora, embora nomeada para o cargo de Operário Especializado, desempenhou tarefas distintas.

3. O exercício da função gratificada de “RESPONSAVEL POR SERVICO, CÓDIGO - 01311082, SECAO DE TRANSPORTE”, de 2014 a 2019, com a percepção da correspondente contraprestação pelo servidor, afasta o ato ilícito e o indevido locupletamento da Administração no período.

4. Precedentes do TJ/RS em casos idênticos.

5. Sentença reformada. Ação julgada totalmente improcedente.

APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA (ARTIGO 932, INC. V, DO CPC E ARTIGO 206, XXXvI, DO REGIMENTO INTERNO DESTE TRIBUNAL). PREJUDICADO O APELO DA AUTORA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

JUSSARA VANIN ajuizou ação contra o DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE LIMPEZA URBANA - DMLU.

A magistrada de 1º grau decidiu pela procedência do pedido, nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por JUSSARA VANIN para o efeito de: a) declarar que a autora exerceu as atividades relativas ao cargo Assistente Administrativo; b) condenar o DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE LIMPEZA URBANA – DMLU ao pagamento da diferença de remuneração existente entre os cargos de Operário Especializado e Assistente Administrativo com todos os corolários legais, limitados há 5 anos da data da propositura da ação, com correção monetária e juros de mora como determinado pelo art. 1-F da Lei 9.494/97, com redação modificada pela Lei nº 11.960/09. A correção monetária tem início desde o vencimento de cada parcela salarial, e juros a contar da citação.

Deixo de condenar o réu ao pagamento das custas, face isenção, conforme o artigo 11, da lei nº 13.471/2010 devendo arcar, no entanto, com as despesas processuais, inclusive as relativas às diligências realizadas por Oficial de Justiça, nos termos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70038755864. Deixo, ainda, de fixar o percentual da condenação referente ao pagamento dos honorários advocatícios nos termos do inciso II, § 4º do artigo 85 do Código de Processo Civil.

Opostos embargos de declaração, foram acolhidos em parte para determinar que deve ser excluído do cálculo os períodos em que a autora esteve afastada.

Em razões recursais (evento 163), a demandante postula a inclusão no cálculo das diferenças devidas pelo desvio de função dos períodos de afastamento da autora (férias, licenças). Pede, ainda, a majoração dos honorários advocatícios.

O DMLU, em seu apelo (evento 166), alega que a autora recebeu em todo o período reclamado função gratificada, conforme fichas financeiras juntadas com a contestação. Sustenta que o pagamento da função gratificação afasta eventual desvio de função arguido pela autora, uma vez que era devidamente remunerada pelas atividades exercidas. Colaciona precedentes jurisprudenciais. Em caso de remota procedência da ação, pede que os valores recebidos a título de função gratificada sejam descontados de eventual condenação. Alternativamente, nega qualquer exercício de atividade em desvio de função.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 168 e 171), postulando o desprovimento dos recursos. A autora ressalta que o apelo do DMLU trata de inovação recursal.

Subiram os autos, e, neste grau, o Ministério Público, por meio de parecer da Procuradora de Justiça Elaine Fayet Lorenzon Schaly, manifestou-se pelo parcial conhecimento dos recursos e, nas partes conhecidas, pelo desprovimento de ambos os apelos, mantendo-se a r. sentença.

É o relatório.

Decido.

I – CABIMENTO DA DECISÃO MONOCRÁTICA.

O artigo 932, incs. IV e V, do Código de Processo Civil, assim dispõe:

Art. 932. Incumbe ao relator:

IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

E o Colendo Órgão Especial deste Tribunal aprovou o novo Regimento Interno, dispondo:

Art. 206. Compete ao Relator:

...

XXXIX - negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal;

II – PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE.

Os recursos são tempestivos e estão isentos de preparo em virtude da concessão do benefício da gratuidade judiciária e de lei. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço dos apelos.

A preliminar de não conhecimento do apelo do DMLU não prospera.

Em contestação, o DMLU alegou (evento 9, CONT9, fl. 6):

As fichas financeiras acostadas com a contestação comprovam que o autor recebia adicional de insalubridade, bem como gratificação adicional o que afasta a arguição do desvio de função.

Como visto, a matéria devolvida no recurso do réu foi abordada em contestação, não se tratando de inovação recursal.

III- MÉRITO.

A Administração Pública e os Princípios Constitucionais

A constitucionalização do Direito Administrativo remete para o importante tema da supremacia da Constituição e a efetividade em relação aos atos praticados pela Administração Pública. Como menciona J.J. Gomes Canotilho, no Estado Constitucional, a lei constitucional não é apenas uma simples lei incluída no sistema jurídico, mas verdadeira ordenação normativa fundamental.1 Com efeito, e a partir dos artigos e , CF, o exercício da competência administrativa funda-se na unidade dos princípios constitucionais para materializar o conjunto de indicações democraticamente construídas. Não é por outro motivo que Juarez Freitas afirma: “nesse horizonte, já é passada a hora de princípios e direitos fundamentais assumirem maiúsculo papel no controle substancial das relações administrativas.”2

Nos termos do artigo 37, “caput”, CF, a Administração Pública, sob pena de chancelar o arbítrio, submete-se sim à legalidade, compreendida no horizonte de sentido dos demais princípios e regras da Constituição, de modo a manter a integridade e coerência no exercício das competências administrativas. Trata-se da concepção segundo a qual todos os atos e disposições da Administração pública submetem-se ao Direito, devem estar conforme o Direito, cuja desconformidade configura violação do ordenamento jurídico, no entendimento de Eduardo García de Enterría.3

Em virtude do objetivo de reduzir práticas arbitrárias da Administração Pública adota-se hodiernamente um controle de juridicidade qualificada, em relação ao exercício das competências administrativas. Vale colacionar o entendimento de Paulo Otero sobre o tema:

“a juridicidade administrativa traduz uma legalidade mais exigente, revelando que o poder público não está apenas limitado pelo Direito que cria, encontrando-se também condicionado por normas e princípios cuja existência e respectiva força vinculativa não se encontram na disponibilidade desse mesmo poder. Neste sentido, a vinculação administrativa à lei transformou-se numa verdadeira vinculação ao Direito, registrando-se aqui o abandono de uma concepção positivista legalista configurativa da legalidade administrativa, tal como resulta do entendimento doutrinal subjacente à Constituição de Bona”4

Esse modo de interpretar o conjunto de regras e princípios da Administração Pública é inclusive adotado pelo próprio Supremo Tribunal Federal relativamente ao controle jurisdicional, conforme explicitado por ocasião do julgamento do Ag. Reg. em MS nº 26.849-DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 10.04.2014: “A rigor, nos últimos anos viu-se emergir no pensamento jurídico nacional o princípio constitucional da juridicidade, que repudia pretensas diferenças estruturais entre atos de poder, pugnando pela sua categorização segundo os diferentes graus de vinculação ao direito, definidos não apenas à luz do relato normativo incidente na hipótese, senão também a partir das capacidades institucionais dos agentes públicos envolvidos.”

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça também adota-se o entendimento de legalidade mais aprofundada para fins de resolução dos conflitos entre cidadãos e Administração Pública, nos termos do decidido no Recurso Especial nº 1001673, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 06.05.2008:

4. Cabe ao Poder Judiciário, no Estado Democrático de Direito, zelar, quando provocado, para que o administrador atue nos limites da juridicidade, competência que não se resume ao exame dos aspectos formais do ato, mas vai além, abrangendo a aferição da compatibilidade de seu...

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