Decisão Monocrática nº 50399167720228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 07-03-2022

Data de Julgamento07 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50399167720228217000
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001798413
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

14ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5039916-77.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATOR(A): Des. ROBERTO SBRAVATI

AGRAVANTE: MAURICIO LEMOS JARDIM

AGRAVADO: BANCO DIGIMAIS S.A.

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO REVISIONAL. MORA. CADASTROS EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E MANUTENÇÃO NA POSSE DO BEM. CONDICIONAMENTO AOS DEPÓSITOS. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. POSSIBILIDADE.

1. Estando presentes todos os requisitos necessários para a concessão da tutela antecipada, seu deferimento está condicionado à realização dos depósitos das parcelas em valores recalculados, extirpando-se do cálculo as ilegalidades contratuais.

2. FIXADA multa diária em caso de descumprimento de ordem judicial.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de agravo de instrumento interposto por MAURICIO LEMOS JARDIM contra decisão proferida na ação revisional que o ora agravante litiga contra BANCO DIGIMAIS S.A., a qual indeferiu as tutelas cautelares nos seguintes termos:

1. Recebo a emenda à inicial (evento 7).

2. Trata-se de ação ordinária de revisão de cláusulas contratuais atinentes ao contrato de financiamento, na qual a parte requerente, em tutela antecipada, postula a manutenção da posse do veículo e a abstenção de inclusão do seu nome nos cadastros de restrição ao crédito.

Nos termos da Súmula sob nº 380 do Superior Tribunal de Justiça, a simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora da parte autora.

Destarte, são requisitos indispensáveis para o cancelamento liminar de registros desabonatórios em serviços de proteção ao crédito: a contestação total ou parcial do débito, a probabilidade dos argumentos lançados e, por fim, o depósito do montante incontroverso da dívida, se houver.

Por conseguinte, para a vedação/exclusão da inscrição do nome do consumidor em cadastro de inadimplentes e manutenção na posse do bem faz-se necessária a demonstração da abusividade dos encargos cobrados durante o período de normalidade da relação contratual. No caso dos autos, a parte autora alega de modo genérico a abusividade dos encargos contratuais, sem, contudo, demonstrá-las, haja vista que a só existência de juros além de 12% ao ano, capitalização ou comissão de permanência não tem esse condão.

Nestas circunstâncias, não há elementos que autorizem a concessão da antecipação de tutela postulada, porque não se mostra presente, nesta ação, o requisito da probabilidade, indispensável ao seu deferimento.

Isso posto, INDEFIRO o pedido de tutela antecipada requerida em caráter incidental.

No mais:

3. Estou por dispensar a audiência conciliatória. Isso porque, máximas de experiência do cotidiano forense indicam que em ações semelhantes à presente (revisional), as partes têm, sistematicamente, manifestado falta de interesse na realização da audiência inicial de conciliação, o que costuma, via de regra, levar ao subsequente cancelamento da solenidade.

Nesse contexto, não obstante a imperatividade do comando do art. 334 do CPC/2015, se afigura procrastinatória a designação da mesma em casos como o presente, somente para, a seguir, cancelá-la, apenas adiando a solução do próprio conflito em tela e ocupando a pauta em detrimento de outros processos que precisam e podem se beneficiar da audiência para alcançar a composição amigável, isso considerando a redução dos recursos humanos do CEJUSC no âmbito da Comarca de Pelotas, com consequente escassez de pauta das audiências iniciais conciliatórias.
Acaso alguma das partes se sinta prejudiciada, poderão solicitar, na sequência, a designação da audiência ao juízo.

4. CITE-SE, com prazo de quinze dias para contestação, oportunidade na qual deverá apresentar o contrato objeto da presente demanda, por se tratar de documento de interesse comum às partes, sob pena de serem admitidos como verdadeiros os fatos que por meio dele a autora pretende provar.

5. Intime-se.

Dl.

Em suas razões, a parte agravante requer o deferimento da liminar de manutenção de posse do bem, mediante a efetivação de depósitos judiciais nos valores que entende devido, a abstenção do réu em inscrever seu nome em cadastros de inadimplentes, com a cominação de multa diária em caso de descumprimento de ordem judicial.

Vieram os autos conclusos e em condições de julgamento.

É o relatório.

Decido.

Na forma do art. 311, II, c/c art. 932, V, ‘a’ e ‘b’, ambos do CPC, dou parcial provimento ao presente recurso, conforme ora passo a expor.

Em 12.03.2018 as partes ajustaram uma cédula de crédito bancário com cláusula de alienação fiduciária nº 70000703594, referente a um automóvel modelo Renault/ Clio, placa INC 6259.

DA MORA

Da análise da exordial da ação revisional de contrato se extrai que a parte agravante ajuizou a presente ação arguindo existir abusividades no contrato de financiamento firmado perante a instituição financeira, postulando pela revisão das cláusulas contratuais que seriam contrárias ao disposto no Código de Defesa do Consumidor. Em suas razões postula, em especial, pela limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado.

A concessão da tutela, como remédio processual capaz de dar efetiva aplicação ao direito, merece cuidadosa interpretação, para que não venha a se transformar em verdadeira panacéia, em prejuízo das relações jurídicas e do sistema processual vigente.

Segundo orientação sedimentada no REsp paradigma nº 1061530/RS, “A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz.”

No caso, a parte agravante alega existir abusividades contratuais capazes de afastar a mora, postulando, então, pela concessão da tutela.

Quanto à mora, entende-se, na esteira do acórdão paradigmático (RESP 1.061.530/RS) e da Súmula nº 380, que o ajuizamento isolado de ação revisional não descaracteriza a mora. Tal faz sentido, porquanto a demanda pode vir sem qualquer substrato jurídico consistente, por primeiro, ou em face de situações em que o inadimplemento se faz presente desde o começo da contratação, e já advém a ação revisional que não denotaria um agir de boa-fé por parte do consumidor.

Ademais, sustenta-se que o reconhecimento da abusividade sobre os encargos incidentes para o período de inadimplência contratual tampouco arreda a mora solvendi, uma vez que já se verificou o inadimplemento.

Portanto, entendo que apenas descaracterizaria a mora o reconhecimento da abusividade em relação aos encargos cobrados no período da normalidade contratual – i.é., juros remuneratórios e capitalização. Quando, no período da normalidade, o credor está a exigir do devedor mais do que o correto, mais do que o devido, a mora não resta configurada. É a constatação da existência de abusividade no período da normalidade contratual que tem o condão de afastar a mora do devedor.

Tudo na esteira do acórdão paradigma acima referido (voto da relatora, p. 22):

“(...) o eventual abuso em algum dos encargos moratórios não descaracteriza a mora. Esse abuso deve ser extirpado ou decotado sem que haja interferência ou reflexo na caracterização da mora em que o consumidor tenha eventualmente incidido, pois a configuração dessa é condição para incidência dos encargos relativos ao período da inadimplência, e não o contrário. - Os encargos abusivos que possuem potencial para descaracterizar a mora são, portanto, aqueles relativos ao chamado “período da normalidade”, ou seja, aqueles encargos que naturalmente incidem antes mesmo de configurada a mora”.

Quanto ao tema, o colendo STJ já o pacificou, preconizando que é livre a pactuação da taxa de juros entre os contraentes, exceto em havendo excesso manifestamente comprovado (na forma do decisório tornado paradigma – RESP 1.061.530/RS, rela. Min. Nancy Andrighi, j. 22/10/08), ocasião em que se limitam os juros.

Então, cumpre dizer que os juros serão limitados, a um patamar razoável, para expungir abusividade, e que a diretriz que se adota...

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