Decisão Monocrática nº 50613615420228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 04-04-2022

Data de Julgamento04 Abril 2022
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50613615420228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001976233
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5061361-54.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR(A): Des. JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

AGRAVANTE: VANIA REGINA DORNELLES DA SILVA

AGRAVADO: ITAPEVA XII MULTICARTEIRA FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITORIOS NAO-PADRONIZADOS

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de Nulidade de Dívida. RESPONSABILIDADE cIVIL. juizado especial cível. COMPETÊNCIA RELATIVA. declinação de ofício. impossibilidade.

i. a parte autora, quando do ajuizamento da ação, tem a faculdade de optar entre a Justiça Comum e o Juizado Especial Cível. Inteligência do art. 3º, § 3º, da Lei nº 9.099/95, e art. 1º, da Lei nº 10.675/96.

ii. Ademais, em se tratando de incompetência relativa, não pode ser declinada de ofício, nos termos da Súmula 33, do STJ.

AGRAVO PROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Vistos.

Vânia Regina Dornelles da Silva interpôs o presente agravo de instrumento contra a decisão que, nos autos da Ação de Nulidade de Dívida cumulada com Declaratória de Prescrição e Reparação por Danos Morais movida contra Itapeva XII - Multicarteira Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não-Padronizados, declinou da competência, nos seguintes termos:

Vistos.

A parte autora ajuizou “AÇÃO DE NULIDADE DA DÍVIDA C/C AÇÃO DECLARATÓRIA DE PRESCRIÇÃO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS” contra a parte demandada pelos fatos que expôs na inicial. Requereu o benefício da gratuidade da justiça. Atribuiu à causa o valor de R$ 20.224,91.

É o brevíssimo relato.

Decido.

Passo a analisar a viabilidade da propositura da demanda no juízo comum.

1. ANÁLISE DA VIABILIDADE DO PROCESSAMENTO DA PRESENTE DEMANDA NO JUÍZO COMUM

Antes de mais, quero deixar claro que a presente decisão foi pensada e repensada. É objeto de reflexão. Há tempos venho refletindo acerca do problema que passo a tratar nas próximas linhas. Faço-o com o mais alto respeito à parte e ao seu advogado, e aos jurisdicionados. Diante do que a experiência forense tem demonstrado, e ante a falta, de parte dos operadores do Direito, de uma leitura constitucional da Lei dos Juizados Especiais, uma vez que não há mais tempo para pensar, resolvi por bem deixar as pilhas de processos de lado para tentar compreender melhor o acesso do cidadão aos Juizados Especiais Cíveis. Proponho-me aqui, além de decidir, verificar se a tal opção pelos JEC, prevista, segundo doutrina majoritária e jurisprudência dominante, em lei, vige e é jurídica e constitucionalmente adequada. Optei em tratar os fundamentos desta decisão em tópicos para torná-la mais clara e pontual. Assim, dividi a fundamentação do item acima em oito tópicos, devidamente alinhavados a seguir.

1.1. Considerações iniciais sobre o fenômeno da manipulação da jurisdição pelas partes autoras de demandas envolvendo pequenos valores no juízo comum

Com relação à presente demanda, tenho que o feito pode e deve ser encaminhado aos Juizados Especiais Cíveis. Isso porque não há qualquer razão que justifique o ajuizamento de tal demanda no juízo comum, uma vez podendo e devendo ser ajuizada nos Juizados. A parte não pode valer-se de disposição legal, no caso do § 3º do art. 3º da Lei nº 9.099/95 (“A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação”), para manipular a jurisdição e ofender a Constituição e, em especial, a própria República, desvirtuando, com isso, os fins para os quais foram criados os JECíveis. Nem mesmo pode valer-se da existência/vigência de Lei Estadual, no caso a Lei nº 10.675/96 que no parágrafo único do art. 1º assim dispõe: “A opção pelos Juizados Especiais Cíveis é do autor da ação”.

A causa dos autos é simples. Não tem nada de complexidade. Por sua vez, o valor pedido pela parte autora, se deferido pelo juízo, não chegará jamais a 40 salários mínimos, teto dos Juizados Especiais. Ou seja, não há qualquer possibilidade de que isso venha ocorrer. Isso porque qualquer cálculo que se faça com relação ao objeto da ação ou indenização que se conceda, seja por dano moral, seja por dano material, jamais alcançará valor fora da alçada dos Juizados Especiais.

Em especial, no que diz com os pedidos de indenização por dano moral - pleitos cujos valores normalmente são fixados pelas partes em quantia acima do limite dos Juizados Especiais para que possam dele escapar -, passar a indenização do teto limite da alçada do JECível jamais aconteceria, pois não haveria nem mesmo como fixar a condenação em valor mais alto do que o que vem sendo (raramente) fixado – quando é fixado – pela jurisprudência da Corte Estadual em casos da espécie (no caso, como exemplo, citam-se as decisões nos autos de nº 70021605894, nº 70060896719 e nº 70031680226). Logo, por que permitir o ajuizamento no juízo comum? Apenas por que, doutrinária e jurisprudencialmente, se entende que é considerado “opção” da parte autora o uso da via dos Juizados Especiais? Afinal de contas, é possível à parte optar pelo juízo comum mesmo existindo os Juizados, que foram criados pela Constituição justamente para tratar demandas qualitativa e quantitativamente inferiores?

O fenômeno que vem ocorrendo no Judiciário, em especial no Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, é, primeiro, o da manipulação da jurisdição pelas partes, e, segundo, decorrência do primeiro, o “entulhamento” do juízo comum com “questiúnculas” jurídicas, que leva ao consequente esvaziamento dos Juizados Especiais, e isso tem de ser coibido. Por que afirmo isso? É muito simples. Quem quer cobrar alguma dívida, pleitear alguma indenização ou algo que o valha, pode, certamente, ingressar com ação no juízo comum. Se não tiver condições de pagar as custas, evidentemente, assistir-lhe-á o benefício da assistência judiciária gratuita. Até aí tudo bem. O problema, porém, é: sendo o valor da demanda inferior a 40 salários mínimos e não sendo ela complexa, por que não se utilizar a parte da via dos Juizados Especiais, onde não há pagamento de custas? O que a impede? Por que a parte pode valer-se da AJG e litigar no juízo comum mesmo podendo litigar no Juizado, onde não necessitaria despender valores para o pagamento de custas, ao menos no primeiro grau?

É curioso. Em nosso país, por via de lei, foi criado todo um sistema de Juizados para julgamento de pequenas causas, com previsão e imposição constitucionais, mas nós, juízes, em “respeito” à “vontade da parte” e de maneira anti-republicana – curiosamente, enquanto permitimos que assim se proceda, demandas mais importantes são relegadas a segundo plano, pois, como juízes, temos de construir “números” em mapas para dar satisfação ao CNJ -, deixamos que simplesmente sejam “esvaziadas” tais instâncias jurisdicionais porque, interpretando equivocadamente a Lei dos JEC, admitimos e permitimos que, podendo a parte se valer dos JECíveis, de custo bem mais barato, mais informal, mais econômico, venha ela, apoiando-se no benefício da AJG e com isso levando à ruína a jurisdição, valer-se do juízo comum, muito mais caro, mais formal, anti-econômico, e que há tempos está “abarrotado” de processos!

Ora, não há mais – se alguma vez houve - por que permitir que o cidadão não demande em juízo nos Juizados Especiais Cíveis, gratuitos que são, possibilitando-lhe demandar no juízo comum que não é gratuito e, ao contrário, é muito, mas muito mais caro que os Juizados Especiais. Então, das duas uma: ou a parte, realmente, em razão da complexidade da matéria ou do concreto e real valor da causa (valor acima de 40 salários mínimos), demanda no juízo comum – e aí poderá, inclusive, fazer jus à assistência jurídica gratuita -, ou, sendo a ação sem qualquer complexidade e de baixo valor, como a do caso em tela, demanda nos Juizados, gratuitos que são, mas não no juízo comum, cujo custo é infinitamente superior. Isso será devidamente demonstrado adiante.

O ideal, portanto, é que se respeite o seguinte: se demandar no Juizado Especial, ficará isenta a parte do pagamento das despesas, não necessitando, portanto, pedir nem mesmo a AJG; se demandar no juízo comum, deverá, então, no mínimo, litigar sem a AJG – e isso ainda dependendo do caso -, porque não tem sentido deduzir pretensão de ínfimo valor em instância jurisdicional que não é a própria para tal objetivo. Claro que tais considerações, até o momento, são apenas fáticas. A questão, porém, deve ser tratada sob o aspecto da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de dois dispositivos legais: o § 3º do art. 3º da Lei nº 9.099/95, e o parágrafo único do art. 1º da Lei Estadual nº 10.675/96. Isso tudo será feito ao seu tempo.

Aqui, é necessário deixar claro o seguinte: todos os juízes fazem jurisdição constitucional. Antes de qualquer outra análise, é dever do juiz perquirir a compatibilidade legal do dispositivo legal com a Constituição. Assim, deve-se perguntar, sempre, se, à luz da Constituição, a regra jurídica é aplicável ao caso. Mais que isso, como ensina Lenio Luiz Streck: em que sentido aponta a pré-compreensão, condição para a compreensão do fenômeno? (STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 311). Adiantando, desde já, a conclusão, em duas alíneas:

a) o § 3º do art. 3º da Lei nº 9.099/95 não pode ser lido como se a parte pudesse optar ou não pelos Juizados Especiais Cíveis para deduzir pretensão de pequeno valor e sem complexidade. É obrigatório. Isso porque o referido dispositivo está sendo lido equivocadamente há mais de vinte anos. Se a Constituição determinou a criação dos JEC para julgamento de pequenas causas, obrigando os Estados a criá-los, o legislador infra-constitucional, seja ele federal ou estadual, não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT