Decisão Monocrática nº 50673214120198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 23-11-2022

Data de Julgamento23 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50673214120198210001
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003028874
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5067321-41.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: De Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas

RELATOR(A): Des. RUI PORTANOVA

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. ATO INFRACIONAL. OITIVA DO REPRESENTADO SOMENTE NA AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NECESSIDADE DE DEPOIMENTO DO ACUSADO COMO ÚLTIMO ATO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, NOS TERMOS DO JULGAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NO HC Nº 212.693/PR. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA.

SENTENÇA DESCONSTITUÍDA, EM MONOCRÁTICA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Adoto o relatório do Ministério Público:

“Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, por DAYLON M. C. e por THALLES G. F. C., inconformados com a sentença que julgou parcialmente procedente a representação pela prática de ato infracional subjacente, aplicando aos representados a medida socioeducativa de semiliberdade, em razão da prática dos atos infracionais equiparados aos crimes previstos nos artigos 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006 (ambos os representados), e 16, paragrafo único, inciso IV, da Lei n.º 10.826/06 (apenas Daylan), absolvendo-os das imputações remanescentes (Evento 04, PROCJUDIC6, pgs. 39/47, do Processo de Origem).

Em suas razões, o Ministério Público se insurge contra a absolvição dos representados em relação ao ato infracional de associação para o tráfico de drogas e quanto à medida socioeducativa aplicada. Assevera que restou demostrado que os representados estavam associados entre si e com os imputáveis Stevan, Vitor e Douglas para o fim de traficarem substâncias entorpecentes. Sustenta que os fatos são graves e que os representados estão reiterando na prática de atos infracionais graves, devendo ser sancionados com a medida socioeducativa de internação sem possibilidade de atividades externas. Requer o provimento do recurso (Evento 04, PROCJUDIC7, pgs. 02/19, do Processo de Origem).

Thalles, por sua vez, aduz, preliminarmente, a perda do interesse de agir do Estado, referindo que já cumpriu medida de internação por fato posterior, a qual já foi progredida para liberdade assistida. No mérito, defende que o conjunto probatório é insuficiente para legitimar a procedência da representação, limitando-se ao relato dos policiais militares responsáveis pela apreensão, os quais acusa terem lhe enxertado as drogas. Defende que não há prova da prática de qualquer ato de mercancia de entorpecentes, tampouco foi apreendido em seu poder qualquer tipo de apetrecho relacionado ao tráfico. Requer o provimento do recurso (Evento 04, PROCJUDIC7, pgs. 20/35, do Processo de Origem).

Daylon, ao seu turno, aduz, preliminarmente, a perda do interesse de agir do Estado, referindo que já cumpriu medida de internação por fato posterior, a qual já foi extinta. No mérito, defende que o conjunto probatório é insuficiente para legitimar a procedência da representação, limitando-se ao relato dos policiais militares responsáveis pela apreensão, os quais acusa terem lhe enxertado as drogas. Defende que não há prova da prática de qualquer ato de mercancia de entorpecentes, tampouco foi apreendido em seu poder qualquer tipo de apetrecho relacionado ao tráfico. Requer o provimento do recurso (Evento 04, PROCJUDIC7, pgs. 36/49, do Processo de Origem).

Foram apresentadas as contrarrazões (Evento 04, PROCJUDIC8, pgs. 05/16, 17/23 e 29/35, do Processo de Origem).

Subiram os autos ao Tribunal de Justiça."

O parecer do Ministério Público opinou pelo improvimento dos apelos dos representados e pelo provimento do apelo ministerial.

Intimadas as partes para se manifestarem sobre a necessidade de oitiva do representado ao final da instrução, em respeito ao art. 10 do CPC, a defesa manifestou-se pela necessidade da oitiva e, por consequência, pela nulidade da sentença e o MP manifestou-se pela desnecessidade.

Relatei.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no HC nº 127.900/AM consolidou entendimento no sentido de que - para atender o princípio constitucional da ampla defesa, o interrogatório do réu deve ser o último ato da instrução processual.

Por esta razão, as partes foram intimadas para se manifestarem sobre o tema, a fim de evitar decisão surpresa.

A meu sentir, esta a orientação deve atingir os adolescentes representados, na medida em que há similitude no que diz com processos e procedimentos que tratam da liberdade da pessoa.

Ao depois, por igual, tem-se entendido que o prejuízo do réu que não foi ouvido por último é presumido.

No presente processo, em que se investiga ato infracional, há risco de eventual afronta ao direito fundamental de ir e vir.

Até que, muito recentemente veio decisão do Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, em decisão monocrática datada de 05 de abril de 2022 o STF enfrentou esta questão no julgamento do HC nº 212.693/PR.

No julgamento, o Ministro Ricardo Lewandowski concedeu a ordem de “Habeas Corpus” para anular a sentença condenatória do representado e determinar a prolação de nova sentença, após a oitiva do adolescente como último ato da instrução.

Ou seja, restou reconhecido pela decisão do Ministro Lewandowski, que o regramento especial previsto no art. 184 e 186 do ECA, de alguma forma, inviabilizam ao representado pela pratica de ato infracional exercer de modo eficaz sua defesa.

Certo que também recentemente veio decisão do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AgRg no RESP nº 1.979.727/PR no seguinte sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL. AUDIÊNCIA DE OITIVA DO ADOLESCENTE. ATO REALIZADO NO INÍCIO DA INSTRUÇÃO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PREVALÊNCIA DO REGRAMENTO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO DA NULIDADE EM AUDIÊNCIA. PRECLUSÃO DA MATÉRIA. PREJUÍZO CONCRETO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior orienta no sentido de que, nos termos do art. 184 do Estatuto da Criança e do Adolescente, não há nulidade na oitiva do adolescente como primeiro ato no procedimento de apuração de ato infracional ou na ausência de repetição da oitiva ao final da instrução processual, pois aquela norma especial prevalece sobre a regra prevista no art. 400 do Código de Processo Penal.
2. Ainda que se considerasse aplicável ao procedimento de apuração dos atos infracionais a ratio decidendi adotada no julgamento do HC n. 127.900/AM pelo Supremo Tribunal Federal, é certo que a alegação de nulidade por ausência de oitiva do adolescente ao final da instrução processual estaria preclusa no caso concreto, pois a Defesa não se insurgiu contra a ausência desta nova oitiva na audiência de instrução, conforme preceitua o art. 571, inciso VIII, do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente ao procedimento de apuração de ato infracional por força do art. 152 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. Do mesmo modo, a Defesa não demonstrou, sequer minimamente, eventual prejuízo concreto ao Recorrente, não delineando de que modo uma nova oitiva do adolescente ao final da instrução teria provocado alteração substancial no quadro fático-processual. Desse modo, não se pode reconhecer a pretendida nulidade, ante a ausência de demonstração de prejuízo concreto e efetivo.
4. Agravo regimental desprovido.”

Acontece que aqui, não se está discutindo, pura e simplesmente, a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal no procedimento para apuração de atos infracionais, mas sim, da adequação da norma prevista no ECA de acordo com o princípio da ampla defesa e do contraditório previstos na Constituição Federal.

Isso porque, como referido...

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