Decisão Monocrática nº 50775981920198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 25-11-2022

Data de Julgamento25 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50775981920198210001
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003033474
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5077598-19.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro

RELATOR(A): Des. RUI PORTANOVA

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. ATO INFRACIONAL. OITIVA DO REPRESENTADO SOMENTE NA AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NECESSIDADE DE DEPOIMENTO DO ACUSADO COMO ÚLTIMO ATO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, NOS TERMOS DO JULGAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NO HC Nº 212.693/PR. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA.

SENTENÇA DESCONSTITUÍDA, EM MONOCRÁTICA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Adoto o relatório do Ministério Público:

“Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e por LUCAS contra a sentença oriunda do Juízo da 4ª Vara do Juizado da Infância e Juventude do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, que julgou procedente a representação ofertada pelo Parquet para declarar a responsabilidade do adolescente pela prática do ato infracional descrito no artigo 217-A do Código Penal, aplicando-lhe a medida socioeducativa de liberdade assistida, pelo prazo mínimo de seis meses, nos termos do artigo 118 do Estatuto da Criança e do Adolescente.1

Em suas razões, o MINISTÉRIO PÚBLICO, em síntese, insurge-se unicamente contra a medida socioeducativa aplicada na sentença. Argumenta que a decisão vergastada desconsidera a gravidade com que o ato infracional foi cometido, dentro de um abrigo, sendo que o representado, prevalecendo-se da situação de confinamento e da falta de vigilância, abusou sexualmente de uma menina com tenra idade, tratando-se, pois, de estupro de vulnerável erigido à categoria de crime hediondo, cuja violência é presumida. Pontua que a aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto não surtirá o efeito ressocializador desejado e serão inócuas para coibir este tipo de conduta que atenta contra a dignidade sexual de uma criança em evidente situação de indiscutível vulnerabilidade. Requer o provimento do recurso para que seja aplicada ao apelado a medida socioeducativa de semiliberdade (evento 37 - APELAÇÃO1).

Por sua vez, LUCAS postula a reforma da decisão para julgar improcedente a representação em face da insuficiência de provas. Afirma que a vítima não foi ouvida em juízo, sendo que toda a prova acusatória judicializada baseia-se exclusivamente em avaliação psicológica extrajudicial. Destaca, outrossim, que não se pode afirmar que o laudo é exatamente preciso e conclusivo quando a hipótese de abuso sexual, tampouco quanto à autoria. Postula a reforma da sentença, a fim de que seja julgada a improcedência da representação (evento 40 - PET1).

Anexadas as contrarrazões (eventos 43 e 45), (...)."

O parecer do Ministério Público opinou pelo improvimento do apelo do representado pelo provimento do apelo ministerial.

Intimadas as partes para se manifestarem sobre a necessidade de oitiva do representado ao final da instrução, em respeito ao art. 10 do CPC, a defesa manifestou-se pela necessidade da oitiva e, por consequência, pela nulidade da sentença e o MP manifestou-se pela desnecessidade.

Relatei.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no HC nº 127.900/AM consolidou entendimento no sentido de que - para atender o princípio constitucional da ampla defesa, o interrogatório do réu deve ser o último ato da instrução processual.

Por esta razão, as partes foram intimadas para se manifestarem sobre o tema, a fim de evitar decisão surpresa.

A meu sentir, esta a orientação deve atingir os adolescentes representados, na medida em que há similitude no que diz com processos e procedimentos que tratam da liberdade da pessoa.

Ao depois, por igual, tem-se entendido que o prejuízo do réu que não foi ouvido por último é presumido.

No presente processo, em que se investiga ato infracional, há risco de eventual afronta ao direito fundamental de ir e vir.

Até que, muito recentemente veio decisão do Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, em decisão monocrática datada de 05 de abril de 2022 o STF enfrentou esta questão no julgamento do HC nº 212.693/PR.

No julgamento, o Ministro Ricardo Lewandowski concedeu a ordem de “Habeas Corpus” para anular a sentença condenatória do representado e determinar a prolação de nova sentença, após a oitiva do adolescente como último ato da instrução.

Ou seja, restou reconhecido pela decisão do Ministro Lewandowski, que o regramento especial previsto no art. 184 e 186 do ECA, de alguma forma, inviabilizam ao representado pela pratica de ato infracional exercer de modo eficaz sua defesa.

Certo que também recentemente veio decisão do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AgRg no RESP nº 1.979.727/PR no seguinte sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL. AUDIÊNCIA DE OITIVA DO ADOLESCENTE. ATO REALIZADO NO INÍCIO DA INSTRUÇÃO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PREVALÊNCIA DO REGRAMENTO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO DA NULIDADE EM AUDIÊNCIA. PRECLUSÃO DA MATÉRIA. PREJUÍZO CONCRETO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior orienta no sentido de que, nos termos do art. 184 do Estatuto da Criança e do Adolescente, não há nulidade na oitiva do adolescente como primeiro ato no procedimento de apuração de ato infracional ou na ausência de repetição da oitiva ao final da instrução processual, pois aquela norma especial prevalece sobre a regra prevista no art. 400 do Código de Processo Penal.
2. Ainda que se considerasse aplicável ao procedimento de apuração dos atos infracionais a ratio decidendi adotada no julgamento do HC n. 127.900/AM pelo Supremo Tribunal Federal, é certo que a alegação de nulidade por ausência de oitiva do adolescente ao final da instrução processual estaria preclusa no caso concreto, pois a Defesa não se insurgiu contra a ausência desta nova oitiva na audiência de instrução, conforme preceitua o art. 571, inciso VIII, do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente ao procedimento de apuração de ato infracional por força do art. 152 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. Do mesmo modo, a Defesa não demonstrou, sequer minimamente, eventual prejuízo concreto ao Recorrente, não delineando de que modo uma nova oitiva do adolescente ao final da instrução teria provocado alteração substancial no quadro fático-processual. Desse modo, não se pode reconhecer a pretendida nulidade, ante a ausência de demonstração de prejuízo concreto e efetivo.
4. Agravo regimental desprovido.”

Acontece que aqui, não se está discutindo, pura e simplesmente, a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal no procedimento para apuração de atos infracionais, mas sim, da adequação da norma prevista no ECA de acordo com o princípio da ampla defesa e do contraditório previstos na Constituição Federal.

Isso porque, como referido anteriormente, o prejuízo do réu que não foi ouvido por último é presumido, sendo descabido considerar preclusa a matéria, como referido na decisão do STJ.

Vale a pena ter em conta trecho da fundamentação da decisão proferida no HC nº 212.693/PR, a saber:

“Tendo em conta essas judiciosas constatações, afirmar que é essencial aos sistemas processuais respeitarem à plenitude o direito de defesa e ao contraditório afigura-se, no mínimo, despiciendo, pois tais premissas...

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