Decisão Monocrática nº 50837434120228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 02-05-2022

Data de Julgamento02 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50837434120228217000
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoQuarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002089266
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5083743-41.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Padronizado

RELATOR(A): Des. VOLTAIRE DE LIMA MORAES

AGRAVANTE: ENI TEREZINHA TRINDADE BARCELOS (EXEQUENTE)

ADVOGADO: CRISTIANO VIEIRA HEERDT (DPE)

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (EXECUTADO)

AGRAVADO: MUNICÍPIO DE GRAVATAÍ (EXECUTADO)

MINISTÉRIO PÚBLICO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

EMENTA

DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. EMENDA À INICIAL. REDISCUSSÃO DO MÉRITO EX OFFICIO. DESCABIMENTO. OFENSA À COISA JULGADA. SAÚDE. URGÊNCIA.

1. descabe rediscutir temáticas sobre as quais já houve decisão judicial anterior, pois sobre elas se operou a preclusão (art. 507 do CPC). Situação em que não cabe mais discussão acerca das razões que levaram ao convencimento do Magistrado que proferiu a sentença condenatória, porquanto isso já havia sido definido no título executivo judicial.

2. evidente a preclusão pro judicato com relação ao mérito da controvérsia em questão. decisão agravada que determinou a emenda à inicial para o fim de comprovar a necessidade da tutela jurisdicional, para novo exame da impossibilidade de a parte-demandante custear o tratamento pleiteado, agora na fase de cumprimento da sentença transitada em julgado.

AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de agravo de instrumento interposto por ENI TEREZINHA TRINDADE BARCELOS contra a decisão proferida pelo Juiz de Direito, Dr. Regis Pedrosa Barros, que determinou a emenda à inicial na fase de cumprimento de sentença, conforme consta na ação de obrigação de fazer movida em face do MUNICÍPIO DE GRAVATAÍ, transitada em julgado, para o fim de comprovar quanto a necessidade de intervenção do Poder Judiciário na pretensão da parte exequente, nos seguintes termos:

Trata-se de cumprimento de sentença contra Fazenda Pública, nos termos do art. 534, do novo Código de Processo Civil.

Com efeito, a questão atinente ao fornecimento de medicamentos por parte do Poder Público, ainda que não incorporados em atos normativos do SUS, já se encontra decidida pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso representativo de controvérsia repetitiva (REsp nº 1657156), restando fixados os seguintes requisitos para a dispensação:

1 - Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

2 - Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e

3 - Existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), observados os usos autorizados pela agência.

Quanto ao primeiro requisito, não se tem nos autos laudo médico circunstanciado justificando por que os medicamentos ofertados pelo SUS não atenderiam a enfermidade apresentada pela demandante.

Tal parecer médico, ao apontar a inefetividade dos medicamentos disponibilizados pelo Estado, não pode ser redigido de modo rasteiro, pois, como visto, o precedente exige “laudo médico fundamentado e circunstanciado”, na linha, aliás, do que recentemente concluiu o CNJ na III Jornada de Direito da Saúde, realizada em 18/03/2019:

A inefetividade do tratamento oferecido pelo Sistema Único de Saúde – SUS, no caso concreto, deve ser demonstrada por relatório médico que a indique e descreva as normas éticas, sanitárias, farmacológicas (princípio ativo segundo a Denominação Comum Brasileira) e que estabeleça o diagnóstico da doença (Classificação Internacional de Doenças), indicando o tratamento eficaz, periodicidade, medicamentos, doses e fazendo referência ainda sobre a situação do registro ou uso autorizado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, fundamentando a necessidade do tratamento com base em medicina de evidências (STJ – Recurso Especial Resp. nº 1.657.156, Relatoria do Ministro Benedito Gonçalves - 1ª Seção Cível - julgamento repetitivo dia 25.04.2018 - Tema 106). (Enunciado nº 12)

E, no que concerne à prova da incapacidade de se arcar com o custo do medicamento, tenho que o segundo requisito estabelecido pelo Superior Tribunal de Justiça deve ser interpretado em consonância com os arts. 1.696 e 1.697 do Código Civil, nos quais estão previstos os parentes que estão obrigados a prestar alimentos.

Ora, conceitualmente, desde Clóvis Beviláqua, entende-se que a prestação de alimentos abrange também a oferta do necessário à manutenção da saúde, ou, no dizer de então, “o necessário ao tratamento de moléstias” (BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 6ª ed., 1933, p. 411), de sorte que não se pode aferir a necessidade da parte autora sem que se tenha prova consistente acerca da hipossuficiência de todos aqueles parentes que, no juízo cível, poderão ser chamados a fazer frente a tal despesa. E a comprovação da hipossuficiência econômica do núcleo familiar, vale ressaltar, não haverá de se dar mediante mera declaração, porquanto não se está sob a incidência de disposição legal que preveja qualquer espécie de presunção, como ocorre, por exemplo, na sistemática do art. 99 do Código de Processo Civil.

Exigência semelhante consta, inclusive, da Lei estadual n° 9.098/93:

Art. 1º - O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento e de sua família.
Parágrafo único - Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com freqüência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente.

Art. 2º - O beneficiário deverá comprovar a necessidade do uso de medicamentos excepcionais mediante atestado médico.

Parágrafo único - Além do disposto no "caput" deste artigo, o beneficiário deverá comprovar por escrito e de forma documentada, os seus rendimentos, bem como os encargos próprios e de sua família, de forma que atestem sua condição de pobre. (Grifei)

Ainda à guisa de reforço argumentativo, ressalto que a Resolução nº 133/2016, editada pelo próprio Conselho Superior da Defensoria Pública da União, também estabelece o núcleo familiar como paradigma para o atendimento da instituição, prescrevendo o seguinte:

Art. 2º. Presume-se economicamente necessitada a pessoa natural integrante de núcleo familiar cuja renda mensal bruta não ultrapasse valor fixado pelo Conselho Superior da Defensoria Pública da União para atuação do órgão.

§ 1.º Considera-se núcleo familiar o grupo de pessoas composto pelo requerente, seus parentes, consanguíneos ou por afinidade, cônjuge, companheiro ou convivente, desde que possuam relação de dependência econômica, ainda que não convivam sob o mesmo teto.

§ 2.º Renda familiar mensal é a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros do núcleo familiar, incluindo-se os valores percebidos a título de alimentos.

Note-se que a definição de núcleo familiar é ampla, tal como estabelece o art. 1697 do Código Civil. No âmbito da assistência social, tem-se delineamento semelhante. O art. 20 da Lei nº 8.213/93, ao tratar do benefício de prestação continuada, expressamente alude à necessidade de o beneficiário não apresentar condições de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, entendida esta como “o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, quais sejam:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;

II - os pais;

III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;


Em julgamentos recentes, a questão chegou até a ser tangenciada neste tribunal, assentando-se a inviabilidade de cobertura farmacêutica quando houver indicativos de que a parte requerente ostente razoável condição econômica:

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. POSSIBILIDADE FINANCEIRA DA FAMÍLIA. MEDICAMENTOS DE BAIXO CUSTO.

1. No caso, como bem analisado na sentença, ainda que se saiba que o direito à saúde, como consectário natural do direito à vida, é assegurado com absoluta prioridade pela Constituição Federal em seu art. 196, verifica-se dos autos que a família possui condições de adquirir os medicamentos necessários à criança.

2. Família que, como comprova a declaração do imposto de renda possui razoável disponibilidade financeira, além de um carro e outro imóvel além do que reside. Mostra-se desarrazoada a alegação de que a família não possui condições de adquirir, sem prejuízo do sustento, os fármacos, que têm um custo mensal inferior a R$ 80,00.

3. O Poder Judiciário não pode fechar os olhos às restrições financeiras e orçamentárias dos entes públicos, ainda que existam situações de risco que excepcionam a regra, merecendo a tutela jurisdicional com absoluta prioridade. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70050980689, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 29/11/2012 - grifei)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE BAIXO CUSTO. ÍNDIVÍDUO COMPROVADAMENTE NÃO HIPOSSUFICIENTE. DESCABIMENTO.

1. Embora o fornecimento de medicamentos não esteja atrelado diretamente à demonstração de miserabilidade do...

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