Decisão Monocrática nº 50934675120218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50934675120218210001
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003261046
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5093467-51.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Desacato (art. 331)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO(A): ANTONIO FLAVIO DE OLIVEIRA (DPE)

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia em desfavor de EVELYN DA SILVA CARVALHO, com 19 anos de idade à época dos fatos, dando-a com incursa nas sanções dos artigos 129, caput, 329, 330 e 331, todos do Código Penal, bem como dos artigos 33, caput e 35, ambos da Lei nº 11.343/2006, todos na forma do artigo 69, caput, do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

FATO 1: narcotráfico

No dia 14/07/2021, por volta das 08h42min, na residência situada na Avenida Luiz Guaranha, nº 38, no bairro Cidade Baixa, nesta Capital, os denunciados EVELYN DA SILVA CARVALHO , VITOR PAULO DE SOUZA CARVALHO e PAULO VÍTOR MARQUES CARVALHO, em conjugação de esforços e unidade de desígnios, traziam consigo/transportavam/mantinham em depósito, para fins de distribuição, comércio ou entrega de qualquer modo a consumo, ainda que gratuitamente, 02 tijolos de maconha pesando aproximadamente 432,9 gramas, e 01 porção de maconha, pesando aproximadamente 5,9 gramas (conforme auto de apreensão da fl. 42, evento 01), sem autorização e em desacordo com as determinações legais e regulamentares, estas presentes na Portaria nº 344/98 SVS/MS, substâncias entorpecentes que causam dependência física e/ou psíquica, conforme Auto de Constatação Provisória (da fl. 47, evento 01).

As drogas foram apreendidas no interior do quarto do acusado Paulo Vitor, cfe. fl. 23, evento 01. Todos os denunciados residem no local dos fatos e utilizam-no como depósito e ponto de traficância

FATO 2: desobediência

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local do fato 01, a denunciada EVELYN DA SILVA CARVALHO desobedeceu à ordem legal proveniente dos servidores públicos, os Delegados de Polícia Carlos Wendt e Alencar Carraro, e os Policiais Civis, Paula Ceratti Salvany e Pará Muniz Neto.

FATO 3: resistência

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local dos fatos 01 e 02, a denunciada EVELYN DA SILVA CARVALHO opôs-se à execução de ato legal, mediante violência, contra os servidores públicos competentes para executá-lo, Delegados de Polícia Carlos Wendt e Alencar Carraro, e os Policiais Civis, Paula Ceratti Salvany e Pará Muniz Neto.

FATO 4: desacato

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar dos fatos anteriores, a denunciada EVELYN DA SILVA CARVALHO desacatou, em razão da profissão exercida, policiais civis, proferindo contra estes palavras de potencial ofensivo, tais como “seus merdas, seus porcos”, desprestigiando assim a imagem e a relevância da condição pessoal dos executores da medida policial, Delegados de Polícia Carlos Wendt e Alencar Carraro, e os Policiais Civis, Paula Ceratti Salvany e Pará Muniz Neto.

FATO 5: lesão corporal

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar dos fatos anteriores, a denunciada EVELYN DA SILVA CARVALHO ofendeu a integridade corporal da vítima, o Delegado Alencar Carraro, mediante socos, pontapés e mordidas, ocasionando-se as lesões corporais, de natureza leve, cfe. Laudo pericial nº 169045/2021 do Evento 33, fl. 104, consistentes de 01 escoriação, medindo 3mm de diâmetro, sobre o dorso da falange distrital, do quarto dedo da mão direita; na mão esquerda apresenta uma escoriação medindo 6mm.

FATO 6: associação para o tráfico

Em circunstâncias de tempo e lugar não especificadas, os denunciados VITOR PAULO DE SOUZA CARVALHO e PAULO VÍTOR MARQUES CARVALHO e EVELYN DA SILVA CARVALHO associaramse para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o crime de tráfico, conforme demonstrado nos antecedentes, pela investigação realizada no processo nº 5042028982021821001, vinculado aos IPS nº 197/2019/250133, 8/2020/250133, 25/2020/250133, 77/2020/250133, 15/2020/250133.

Na ocasião do fato, os Policiais Civis Paula Ceratti Salvany, Pará Muniz Neto e os Delegados de Polícia, Carlos Wendt e Alencar Carraro foram cumprir mandado de prisão preventiva do codenunciado VITOR PAULO DE SOUZA CARVALHO, o pai, (fl. 81, evento 01), relativo a uma operação, referente ao processo nº 5042028982021821001, proveniente da 17ª Vara Criminal de Porto Alegre, em local conhecido como ponto de tráfico.

Ao chegarem lá, antes mesmo do ingresso na residência, mas depois de exibir o mandado de prisão, a denunciada EVELYN DA SILVA CARVALHO começou a gritar em alto volume “olha a polícia, pai! Olha a polícia”, tentando de diversos modos distrair a atenção dos executores da ordem – inclusive desacatando, desde o início da operação, os policiais com palavras de baixo calão – e, assim, comprometendo a correspondente execução. No momento em que os policiais ordenaram que os deixassem trabalhar (ordem legal), a denunciada EVELYN DA SILVA CARVALHO, resistiu à ordem, passando a empregar agressões físicas nos agentes, tendo causado lesões maiores no delegado Alencar Carraro1 (cfe. fotografia do Evento 01, fl. 80), tentando impedir, inclusive, que eles entrassem na casa onde estavam os codenunciados, seu pai, VITOR PAULO DE SOUZA CARVALHO, e seu irmão PAULO VÍTOR MARQUES CARVALHO

Diante disso, os policiais e o delegado Carlos Wendt 2 tiveram que deter a denunciada, utilizando-se de algemas. Após isso, a acusada continuou desacatando a autoridade dos policiais, proferindo palavras de baixo calão como “seus merdas, seus porcos”. Apesar de Evelyn ter tentado impedir a ação policial, a polícia conseguiu cumprir o mandado de prisão preventiva contra os denunciados VITOR PAULO DE SOUZA CARVALHO, o pai, e PAULO VÍTOR MARQUES CARVALHO, o irmão, apreendendo as drogas supradescritas, bem como a quantia de R$1.235,00 (mil duzentos e trinta e cinco reais) no quarto de Vitor Paulo, e dois telefones celulares, um deles em revista pessoal de Vitor e outro de Evelyn, cfe. auto de apreensão da fl. 42, evento 01.

A materialidade do crime de lesão corporal restou comprovada pelo laudo pericial nº 169045/2021, na qual foi constatado ofensa a integridade corporal ou à saúde do periciado Delegado Alencar Carraro (fl. 104, evento 33).

A denúncia foi recebida em 06.09.2021.

Após regular tramitação do feito, sobreveio sentença de lavra da Dra. Gabriela Irigon Pereira, julgando parcialmente procedente a pretensão punitiva, a fim de condenar a ré como incursa nas sanções dos artigos 331 e 129, caput, do Código Penal, com aplicação do artigo 69 do Estatuto Repressivo, com a consunção dos crimes de 329 e 330 pelo artigo 331, todos do Código Penal, à pena total de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de detenção, em regime aberto, além de absolvê-la das sanções dos artigos 33, caput, e 35, caput, da Lei nº 11.343/06.

A sentença foi disponibilizada em 06.09.2022.

A defesa interpôs recurso de apelação. Em razões, aventou tese de insuficiência probatória. Postulou a aplicação do princípio da intervenção mínima, haja vista que o intuito da acusada foi de proteger sua família contra o abuso de poder presenciado. Referiu a ausência de comprovação do dolo em desacatar, bem como a inaplicabilidade do crime de desacato, por violação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Requereu o redimensionamento da pena-base quanto ao delito de lesão corporal, além da aplicação da SURSIS. Prequestionou a matéria e postulou a concessão da gratuidade de justiça.

Com as contrarrazões, os autos foram remetidos a esta Corte.

Em parecer, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Ubaldo Alexandre Licks Flores, manifestou-se pelo conhecimento e improvimento do recurso defensivo.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas:

Conheço do recurso porque adequado e tempestivo.

Primeiramente, não há falar em não recepção do artigo 331 do Código Penal pela Constituição Federal.

Isso porque o STJ possui entendimento de que o crime de desacato se encontra em perfeita harmonia com o ordenamento jurídico brasileiro. Inclusive, no ponto, saliento que, apesar de a Carta Magna permitir a livre manifestação do pensamento, também preserva o direito à honra e à imagem.

E, nesse caso, o delito de desacato atinge não apenas os policiais, mas a Administração Pública como um todo. Desse modo, plenamente possível a condenação da acusada pelo delito em questão, por ofensa a direito fundamental.

Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. DESACATO E DESOBEDIÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NÃO CABIMENTO. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS MÍNIMOS. ADVOGADO QUE, EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO, SUPOSTAMENTE DESOBEDECEU À ORDEM JUDICIAL PARA NÃO CAPTAÇÃO DE IMAGENS DA VÍTIMA E DAS TESTEMUNHAS E QUE SE VALEU DE EQUIPAMENTO CAMUFLADO. VOZ DE PRISÃO CONTRA A MAGISTRADA MANIFESTAMENTE ILEGAL. CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. ART. 13º. COMPATIBILIDADE. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. O trancamento do processo criminal em habeas corpus é medida excepcional e somente cabível quando ficarem demonstradas, de maneira inequívoca, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria ou a existência de causa extintiva da punibilidade.
2. A denúncia descreve com riqueza de detalhes, que o paciente, na audiência de instrução e julgamento relativa à ação penal n. 0108896-02.2014.8.26.0050, realizada em 10/3/2017, desobedeceu, por três vezes, a determinação da Magistrada instrutora do feito, que corria sob segredo de justiça, para que não fossem tomadas imagens da vítima (que não autorizou a captação das imagens) e das testemunhas (o registro do áudio e de outras imagens que não as da vítima e das testemunhas estava permitido).
3. Segundo a inicial acusatória, mesmo com a apreensão do...

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