Acórdão nº 50941804420228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50941804420228217000
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003250078
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5094180-44.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Poluição

RELATOR: Desembargador NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO

AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE ERECHIM

AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE ERECHIM, porquanto inconformado com a decisão de evento 16, DESPADEC1, que concedeu a medida liminar postulada nos autos da ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, cujo conteúdo restou assim redigido, in verbis:

[...]

O cerne da questão, em princípio, envolve questões atreladas à autonomia da Administração Pública para alterar a destinação de um bem público e à intenção das normas de parcelamento de solo urbano ao estabelecer a necessidade de espaços livres de uso comum da população para aprovação do loteamento/parcelamento do solo.

É que, segundo consta no documento emitido pelo Município de Erechim (Evento 1, ANEXO3, p. 16), as áreas verdes objeto de desafetação pela Lei Municipal nº 6.991/2021 são oriundas de loteamentos/desmembramentos aprovados pelo Município.

Com efeito, estabelece o art. 4º, I, da Lei nº 6.766/79 que os loteamentos devem atender a existência de espaços livres de uso público, proporcionais à densidade da ocupação prevista para a gleba, observado o percentual mínimo de 35% da gleba, salvo nos casos de loteamento industrial maiores que 15.000m².

Disposição que, evidentemente, decorre do disposto no art. 225 da Constituição Federal:

Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

E, ainda, da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), que estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, objetivando, dentre outros aspectos, o planejamento do desenvolvimento das cidades de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente (art. 1º e art. 2º).

Consta, ainda, no art. 17 da Lei nº 6.766/79 previsão nos seguintes termos:

Art. 17 Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade da licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do art. 23 desta Lei.

E, aqui, embora o regramento não imponha restrição direcionada à Administração Pública, se observada a finalidade da norma é possível entender, em princípio, pelo caráter abrangente da determinação.

A propósito, segue voto proferido pelo Senhor Ministro Adhemar Maciel, no julgamento do REsp nº 28058:

“Não resta dúvida de que a norma [do art. 17] se dirige prioritariamente ao incorporador. A questão de fundo está, no entanto, em saber-se se a finalidade da estatuição legal não revela alguns princípios que devem ser aplicados à Administração. Para tanto, creio que o problema se desdobra em duas questões: qual o espírito da norma em apreço, e a questão da autonomia da Administração municipal para alterar a destinação do bem público, depois que fica incorporado ao patrimônio do Município. O art. 17 não pode ser compreendido isoladamente, ao contrário, impõe-se uma interpretação sistemática com os arts. 4º, 22 e 28 do mesmo diploma. (...) Essa estatuição pretendeu, sem dúvida, vedar o poder de disponibilidade do incorporador sobre essas áreas. Coloca-as, portanto, sob a tutela da Administração municipal de forma a garantir que não terão destinação diversa. Este parece ser o espírito da lei. (...) o objetivo da norma jurídica é vedar ao incorporador a alteração das áreas destinadas à comunidade. Portanto, não faz sentido, exceto em casos especialíssimos, possibilitar à Administração fazê-lo. No caso concreto, as áreas foram postas sob a tutela da administração municipal, não com o propósito de confisco, mas como forma de salvaguardar o interesse dos administrados, em face de possíveis interesses especulativos dos incorporadores. Ademais, a importância do patrimônio público deve ser aferida em razão da importância da sua destinação. Assim, os bens de uso comum do povo possuem função ut universi. Constituem um patrimônio social comunitário, um acervo colocado à disposição de todos. Nesse sentido, a desafetação desse patrimônio prejudicaria toda uma comunidade de pessoas, indeterminadas e indefinidas, diminuindo a qualidade de vida do grupo. Dessarte, existe uma espécie de hierarquia de bens públicos, consolidada não em face do seu valor monetário, mas segundo a relação destes bens com a comunidade. Por isso, não me parece razoável que a própria Administração diminua sensivelmente o patrimônio social da comunidade. Prática, aliás, vedada por lei, pois o art. 4º impõe áreas mínimas para os espaços de uso comum. Incorre em falácia pensar que a Administração onipotentemente possa fazer, sob a capa da discricionariedade, atos vedados ao particular, se a própria lei impõe a tutela desses interesses”1.

Assim, ao menos em sede de cognição sumária, entendo razoável a suspensão de eventuais atos tendentes ao leilão das áreas objeto da Lei Municipal nº 6.991/2021, a fim de possibilitar melhor elucidação da questão fática, inclusive acerca da existência de situação excepcionalíssima que efetivamente justifique a desafetação, mediante oitiva da parte contrária e eventual instrução probatória.

Por conseguinte, DEFIRO a tutela de urgência para determinar que o demandado se abstenha de realizar o leilão das áreas objeto da Lei Municipal nº 6.991/2021, bem como de encaminhar novos projetos de lei à Câmara Municipal de Vereadores visando à desafetação de áreas/imóveis destinados à implantação de equipamentos urbanos e comunitários e de espaços livres de uso público, dentro de loteamentos/desmembramentos situados no Município de Erechim, tudo até o julgamento da presente demanda.

II. Cite-se a parte ré com as advertências dos arts. 335 e 344, ambos do CPC, para contestar no prazo legal, conforme rito do procedimento comum, observadas ainda as disposições dos arts. 183 do CPC.

III. Apresentada contestação pela parte ré, intime-se a parte autora para réplica à contestação, no prazo de 15 dias (arts. 350 e 351, CPC).

IV. Na sequência, intimem-se as partes para que declinem se pretendem produzir outras provas, no prazo de 15 dias, especificando e justificando a finalidade da sua produção. Caso haja requerimento de produção de prova oral, além de justificar a finalidade da sua produção, as partes deverão desde logo apresentar o rol de testemunhas e ratificar eventual interesse no depoimento pessoal da parte adversa, no prazo acima referido, para fins de organização e otimização das pautas do Juízo, sob pena de indeferimento.

V. Deverão, por fim, os autos retornar conclusos somente quando cumpridas integralmente as determinações acima para, conforme a hipótese, ser lançada decisão de extinção do processo (art. 354, CPC); de julgamento antecipado do mérito (art. 355, CPC); ou de saneamento e organização do processo (art. 357, CPC).

[...]

Nas suas razões, sustentou a parte agravante, em síntese, a reforma da decisão vergastada, haja vista não estar eivada de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade a Lei- Erechim nº 6.991/2021. Asseverou que o leilão a ser efetuado seguiu todos os tramites legais, tendo em vista que o agir da administração pública decorre de legislação autorizada pelo Poder Legislativo municipal, de acordo com o princípio da Legalidade. Salientou que o Município tem direito a legislar sobre assuntos de interesse locais, conforme previsto no art. 30, I e II, e art. 182 da CF-88. Discorreu acerca do juízo de oportunidade e conveniência presente nos atos administrativos. Colacionou precedentes e requereu a atribuição de efeito suspensivo. Por fim, pugnou pelo provimento do agravo de instrumento.

O recurso foi recebido apenas no seu efeito devolutivo (evento 4, DESPADEC1).

Em seguida, os autos foram com vista à Procuradora de Justiça Drª Cristiane Todeschini, Procuradora de Justiça, que lançou parecer pelo improvimento do agravo de instrumento (evento 13, PARECER1).

Vieram os autos.

É o relatório.

VOTO

Tais as razões pelas quais voto por negar provimento ao agravo de instrumento.

No caso devolvido ao exame, reside a controvérsia sobre o direito do Município de Erechim realizar leilão com vistas à alienação das áreas verdes, objeto da Lei-Erechim nº 6.991/21, bem como de encaminhar novos projetos à Câmara Municipal no sentido de promover a desafetação de imóveis de uso público dentro de loteamentos/desmembramentos.

À vista disso, a questão debatida nos autos é singela não demandando maiores considerações, sendo certo que o parecer lançado pela ilustre Procuradora de Justiça, Drª Cristiane Todeschini, Procuradora de Justiça, esgota com percuciência os argumentos trazidos pela recorrente de modo que, para evitar tautologia, adoto como razões de decidir, nos seguintes termos:

[...]

Desde logo cumpre afastar a arguição do recorrente no sentido de que a via adequada, no caso, seria a promoção de ação direta de inconstitucionalidade, com vistas à extirpação do ordenamento jurídico da Lei Municipal que lhe autorizou à desafetação e alienação dos imóveis públicos.

Contudo, como se infere do pedido final efetuado na exordial, a pretensão é de reconhecimento da...

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