Decisão Monocrática nº 50942908820228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 08-02-2023

Data de Julgamento08 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50942908820228210001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003193808
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5094290-88.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias

RELATOR: Desembargador JOAO BARCELOS DE SOUZA JUNIOR

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (INTERESSADO)

APELADO: GALA COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA (IMPETRANTE)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e de recurso de apelação interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em face da sentença que, no mandado de segurança impetrado por GALA COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA, concedeu em parte a ordem nos seguintes termos do dispositivo (evento 16, SENT1):

Em face do exposto, CONCEDO EM PARTE A SEGURANÇA para assegurar o direito líquido e certo à não incidência de ICMS sobre a restituição de energia elétrica compensada através do sistema de Geração Distribuída, por não constituir fato gerador do ICMS, bem como reconhecer o direito à compensação dos valores indevidamente recolhidos, mediante requerimento administrativo, a contar do quinquênio anterior à impetração do presente mandamus. Os valores deverão ser corrigidos monetariamente pela taxa SELIC, nos termos da Lei nº 13.379, de 19.01.2010, que alterou o art. 69 da Lei nº 6.537/73.

Diante da sucumbência mínima da Impetrante, condeno o Impetrado ao reembolso de custas. Sem condenação em honorários, conforme Súmulas nº 105 do STJ e nº 512 do STF.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões (evento 25, PET1 ), o apelante sustenta que os benefícios fiscais não admitem interpretação extensiva. Alega que o contribuinte de direito do ICMS, no caso, é a distribuidora de energia elétrica e não o micro ou minigerador; logo, a operação discutida é a de fornecimento de energia da distribuidora ao seu consumidor cativo, que também é microgerador. Diz que a legislação estadual concede isenção apenas às centrais geradoras com potência instalada de até 1MW, conforme art. 9º, CXCVIII, do Livro I, do RICMS. Esclarece que a central geradora da impetrante, com potência instalada de 1,2MW, enquadra-se no conceito de minigeração, nos termos do art. 2º, II, da Resolução nº 482/2012, ANEEL. Refere que não há ilegalidade na limitação trazida pela legislação estadual ao instituir isenção apenas para as unidades geradoras com potência instalada igual ou inferior a 1MW, sendo que a ANEEL não possui competência para estabelecer, regular, criar ou excluir hipóteses de incidência de tributos. Aduz que o fato gerador do ICMS, definido no art. 12, I, da LC nº 87/96, ocorre quando da saída da mercadoria (energia elétrica) do estabelecimento do contribuinte (distribuidora), inexistindo referência aos conceitos de pagamento, compensação, empréstimo ou transmissão de propriedade para a sua definição. Afirma que a energia elétrica injetada ou disponibilizada pelo micro ou minigerador no sistema de distribuição, a que está vinculado, é imediatamente consumida, não mais compondo o patrimônio do consumidor, o qual terá um crédito de energia a ser consumido, de forma equivalente ao que injetou no sistema. Salienta que a controvérsia não está relacionada à energia elétrica emprestada, de forma gratuita, à distribuidora pelo micro ou minigerador, mas sobre a operação de fornecimento de energia elétrica da distribuidora para ele. Consigna que o fato gerador do ICMS é a operação de circulação de mercadoria, e não uma venda pela concessionária ao consumidor. Aponta ser descabida a ampliação de benefícios fiscais para além dos limites estabelecidos pelo próprio poder tributante, sendo que, no caso, a isenção foi instituída pelo Convênio nº 16/15, cujas normas devem ser obedecidas.Cita jurisprudência. Refere que descabe o reconhecimento do direito à compensação tributária em sede de mandado de segurança. Requer o provimento da apelação.

Com contrarrazões (evento 30, CONTRAZAP1) e parecer do Ministério Público de Segundo Grau, opinando pelo desprovimento do recurso (evento 8, PARECER1), vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Infere-se dos autos que GALA COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA impetrou mandado de segurança contra o ato do DELEGADO DA RECEITA ESTADUAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, requerendo a declaração de inexigibilidade do ICMS nas saídas internas de energia elétrica realizada por empresa distribuidora com destino à unidade consumidora, nos seguintes termos:

(...)

b) seja concedida a segurança, assegurando-se o direito líquido e certo à não incidência de ICMS sobre a “restituição” de energia elétrica compensada através do sistema de Geração Distribuída, determinando-se que a autoridade impetrada deixe de exigir a ilegal tributação mencionada;

c) seja reconhecido o direito à compensação de ICMS fruto de apuração de imposto pago a maior nos últimos cinco anos pretéritos ao ajuizamento da ação, crédito que o Impetrante poderá utilizar para abater no próprio ICMS devido nas operações seguintes com energia elétrica, resguardado o direito do Fisco em apurar a correção dos valores creditados em conta gráfica do contribuinte;

(...)

A sentença concedeu em parte a ordem e, dela, recorre o Estado, sem razão, contudo.

A Resolução nº 482/2012, da ANEEL, estabeleceu regras gerais para a mini e microgeração de energia e seus sistemas de compensação, dispondo o seguinte:

Art. 2º Para efeitos desta Resolução, ficam adotadas as seguintes definições:

I - microgeração distribuída: central geradora de energia elétrica, com potência instalada menor ou igual a 75 kW e que utilize cogeração qualificada, conforme regulamentação da ANEEL, ou fontes renováveis de energia elétrica, conectada na rede de distribuição por meio de instalações de unidades consumidoras; (Redação dada pela REN ANEEL 687, de 24.11.2015.)

II - minigeração distribuída: central geradora de energia elétrica, com potência instalada superior a 75 kW e menor ou igual a 5MW e que utilize cogeração qualificada, conforme regulamentação da ANEEL, ou fontes renováveis de energia elétrica, conectada na rede de distribuição por meio de instalações de unidades consumidoras; (Redação dada pela REN ANEEL 786, de 17.10.2017)

III - sistema de compensação de energia elétrica: sistema no qual a energia ativa injetada por unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída é cedida, por meio de empréstimo gratuito, à distribuidora local e posteriormente compensada com o consumo de energia elétrica ativa; (Redação dada pela REN ANEEL 687, de 24.11.2015.)

(...)

Art. 6º Podem aderir ao sistema de compensação de energia elétrica os consumidores responsáveis por unidade consumidora: (Redação dada pela REN ANEEL 687, de 24.11.2015.)

I – com microgeração ou minigeração distribuída; (Incluído pela REN ANEEL 687, de 24.11.2015.)

(...)

§1º Para fins de compensação, a energia ativa injetada no sistema de distribuição pela unidade consumidora será cedida a título de empréstimo gratuito para a distribuidora, passando a unidade consumidora a ter um crédito em quantidade de energia ativa a ser consumida por um prazo de 60 (sessenta) meses. (Redação dada pela REN ANEEL 687, de 24.11.2015.)

Em suma: a referida legislação estabeleceu um sistema de compensação, onde o consumo a ser faturado é a diferença entre a energia injetada na rede e a energia consumida, sendo que o excedente, não compensado dentro do mês, será utilizado para compensar o consumo de período subsequente. Com isto, há apenas uma circulação física da energia elétrica, pois ela não deixa de pertencer ao patrimônio do consumidor, já que, se necessário, retorna nos mesmos termos (gênero, quantidade e qualidade) em que inicialmente injetada.

Assim, o retorno da energia elétrica inicialmente injetada e não consumida (mera circulação física) não configura circulação econômica a fim de autorizar a incidência de ICMS, nos termos da Súmula 166/STJ, que define:

Súmula 166. Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.

No caso, a energia elétrica injetada na rede da parte autora foi restituída para ela própria, sem a transferência de propriedade, sem qualquer espécie de operação que evidenciasse a circulação econômica. Assim, não há falar em hipótese de incidência do ICMS.

Neste sentido foi o voto do Desembargador Marcelo Bandeira Pereira, ao apreciar a AC nº 70083791988, abordando a questão com a costumeira maestria, motivo pelo qual, com a devida vênia do Ilustre Colega, reporto-me ao bem lançado voto, citando a parte que aqui importa, fins de complementar as razões de decidir:

(...).

De acordo com o art. 83, inciso I, do Código Civil, consideram-se móveis para os efeitos legais “as energias que tenham valor econômico”, enquadrando-se nesta definição a energia elétrica. É o que a doutrina define como bem móvel por determinação legal.

Nesta linha de raciocínio, a energia elétrica poderia ser enquadrada no conceito de bens fungíveis, que são aqueles móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

Assim sendo, ao contrário do que sustentado pela impetrante em sua inicial, não se poderia equiparar o sistema de compensação em análise a um comodato, uma vez que esse instituto se refere ao empréstimo gratuito de coisas não fungíveis.

Trata-se, em verdade, de uma espécie de mútuo, que é o empréstimo de coisas fungíveis. Embora os art. 586 a 592 do Código Civil nada expressem sobre isto, o contrato de mútuo é, em regra, gratuito, podendo ser oneroso se assim definido pelas partes ou se presumido pela natureza do negócio.

Definida essa questão, passa-se ao exame da matéria à luz das normas de direito tributário.

A Constituição Federal preconiza que compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre...

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