Decisão Monocrática nº 51029880420238217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Segunda Câmara Cível, 25-05-2023

Data de Julgamento25 Maio 2023
ÓrgãoDécima Segunda Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51029880420238217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003826120
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

12ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5102988-04.2023.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR(A): Des. JOSE VINICIUS ANDRADE JAPPUR

AGRAVANTE: ASSOCIACAO GAUCHA DE PROFESSORES TEC.DE ENSINO AGRICOLA

AGRAVADO: CARLOS ROALDO BERTOLLO JUNIOR

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMPRÉSTIMO. servidor público estadual. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS FOLHA DE PAGAMENTO E CONTA CORRENTE. IMPOSSIBILIDADE. MARGEM CONSIGNÁVEL DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS QUE SE LIMITA A 70% DE SUA REMUNERAÇÃO MENSAL BRUTA, REFERENTE A EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. APLICABILIDADE DO DISPOSTO NOS DECRETOS ESTADUAIS 43.337/04 E 43.574/2005 QUE REGULAMENTOU A LEI ESTADUAL 10.098/1994. OS CONTRATOS NOS QUAIS O DESCONTO É FEITO NA CONTA CORRENTE DO MUTUÁRIO NÃO SOFREM LIMITAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ.

AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Vistos.

Com fundamento no art. 206, inc. XXXVI, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, e Súmula 568 do STJ, procedo ao julgamento de forma monocrática.

Trata-se de agravo de instrumento interposto por ASSOCIACAO GAUCHA DE PROFESSORES TEC.DE ENSINO AGRICOLA, em face de decisão que, nos autos da ação de repactuação de dívidas, ajuizada contra CARLOS ROALDO BERTOLLO JUNIOR, em trâmite perante a 12ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre, exarada nos seguintes termos:

Vistos.

Defiro a gratuidade judiciária.

Recebo a inicial com base na tutela legal prevista na Lei 14.181/21, tendo em vista que a causa de pedir noticiando o superendividamento do consumidor.

DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE - DECRETO 11.150/22

A leitura do Decreto n.11.150, de 26 de julho de 2022, confrontou o superprincípio da dignidade da pessoa, cuja função precípua era conferir-lhe unidade material.1 Nessa senda, o princípio da dignidade atua como fundamento à proteção do consumidor superendividado e criador do direito ao mínimo existencial, cuja previsão infraconstitucional foi sedimentada pelo Poder Legislativo na Lei n.14.181/21, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, instalando um microssistema de crédito ao consumo.

Para além da redação do regulamento determinado no Código do Consumidor atualizado, artigo 6o, XI, a eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais nas relações privadas para a preservação da dignidade da pessoa era avanço doutrinário e jurisprudencial pátrios já reconhecidos, a partir da previsão do art. 5o , parágrafo 1o da CF/88.1 2

A respeito da vigência do Decreto em apreço, duas demandas pendem de julgamento no STF, respectivamente, a ADPF 1.005 e a ADPF 1.006, sob o fundamento da inconstitucionalidade do conteúdo, cuja fundamentação encontra coro na doutrina brasileira e Notas Técnicas elaboradas pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor(Brasilcon), firmada pelo seu diretor-presidente (membro do Ministério Público e professor) Fernando Rodrigues Martins, e do Instituto de Defesa Coletiva, de Belo Horizonte, respectivamente publicadas em 27/7/2022 e 29/7/2022. Afinal, a garantia de 25% do salário mínimo a qualquer família brasileira, sem considerar a situação sócio-econômica e individualizar as necessidades que comportam as despesas básicas de sobrevivência não representa interpretação harmônica com os valores constitucionais.

Pelo exposto, passo à análise do caso concreto, sem incidência do Decreto n.11.150/22, em controle difuso de constitucionalidade.

DA NÃO INCIDÊNCIA DO TEMA 1085 DO STJ:

O fato narrado na inicial apresenta descontos em folha de pagamento, com subsunção aos limites contidos na Lei 10.820/03, assim como descontos realizados diretamente na conta-corrente do consumidor, por força da possível pactuação como forma de pagamento decorrente de cláusula contratual. No ponto, esta última modalidade de desconto foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, resultando na formação da tese repetitiva n. 1085, com reconhecimento da ausência de analogia capaz de limitar o percentual de desconto em conta-corrente preponderando a autonomia da vontade das partes.

Contudo, o suporte fático descrito não apresenta, salvo melhor juízo, identidade de fundamentos com aquele que motivou a formação da tese repetitiva em comento, porquanto evidenciado que a globalidade das obrigações existentes apresentam como pano de fundo o superendividamento do consumidor, comprometendo o mínimo existencial, direito básico tutelado pelo artigo 6o, XI e XII, ambos do Código de Defesa do Consumidor, como outrora tivemos a oportunidade de diferenciar:

“A tese repetitiva proferida pelo STJ foi ao encontro da teoria dos contratos, no berço da autonomia da vontade, na pacta sunt servanda, aplicando todo o arcabouço de uma relação contratual sadia, celebrada e executada dentro da normalidade, sem patologia ou necessidade especial das partes envolvidas; é o desconto de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente de correntistas/consumidores saudáveis, os quais se encontram em condições de manter o pagamento das suas contas básicas, como luz, água e alimentação.

Situação diametralmente oposta são dos correntistas/consumidores superendividados, que buscam no Poder Judiciário a reorganização dos descontos efetuados tanto no contracheque como na conta-corrente sob o fundamento do excesso de descontos em detrimento da preservação do mínimo existencial. Neste cenário vem demonstrados descontos acima do limite legal e extrato bancário com saldo negativo, pois todo o valor líquido depositado em sua conta-corrente está sendo utilizado para pagamento de empréstimos bancários comuns, juros do cheque especial, seguro, entre outros. Nas hipóteses relatadas, verifica-se a diversidade do suporte fático daquele submetido à apreciação no julgado que ensejou a formação do convencimento na tese repetitiva nº. 1085, uma vez que não se estava diante de consumidor superendividado, sujeito destinatário da norma que introduziu no país a concreção da dignidade da pessoa com a preservação do mínimo existencial. Aliás, insta destacar, mínimo existencial já assegurado na fase da formação do contrato, quando da análise da capacidade de reembolso pelo concedente de crédito, de acordo com a inteligência do artigo 54-D do Código atualizado. Daí a interpretação sobre a necessidade de limitação dos descontos em conta-corrente quando evidenciada situação de superendividamento do consumidor.” (A repactuação de dívidas do consumidor superendividado e os descontos bancários em conta-corrente, BERTONCELLO, Káren R. D.; RANGEL, Andréia Fernandes de Almeida. Extrato texto encaminhado para publicação no CONJUR, novembro/2022)

Assim, passo a apreciar o requerimento de tutela de urgência com possível limitação aos descontos tanto em folha de pagamento como em conta corrente.

DA TUTELA DE URGÊNCIA

Trata-se de pedido de tutela de urgência formulado nos autos de repactuação de dívidas sob o rito da Lei 14.181/21.

O requerimento de tutela de urgência merece acolhimento, notadamente porque a demora no recebimento da citação e consequente espera na designação de audiência de conciliação não pode atuar em prejuízo à parte demandante. Ademais, ao exame dos documentos colacionados com a inicial, verifico que parte significativa da renda está comprometida com os descontos praticados pelos empréstimos concedidos pela parte demandada.

A probabilidade do afirmado direito decorre dos argumentos expostos pela parte autora que, em sede de cognição sumária, verificam-se coerentes, na medida em que a continuidade dos descontos vinculados à conta bancária e à renda, na proporção efetuada atualmente, prejudica a sua própria subsistência, porque correspondentes a mais de 30% da renda auferida.

Neste sentido, a parte reservada ao pagamento das despesas de subsistência encontra identificação na proteção do mínimo existencial, enquanto direito fundamental social de defesa originário do princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado na Constituição Federal, art. 1º, inciso III; e no Código de Defesa do Consumidor, art.6o, XII, in verbis:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)

Como tal, o direito fundamental ao mínimo existencial independe de atuação legislativa, uma vez que revestido de eficácia imediata, consoante vasta doutrina de Ingo Wolgang Sarlet.1

Consoante bem delineado pelo douto Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, quando do julgamento de pretensão similar nos autos do Agravo de Instrumento Nº 51630265020218217000, a manutenção dos descontos "coloca em risco o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana e o princípio de garantia do mínimo existencial, materializados na garantia de subsistência do autor-agravante e de sua família, posto que os valores creditados na sua conta-corrente são utilizados integralmente para abater as suas dívidas, não havendo sobra de qualquer dinheiro para garantir o seu mínimo existencial. (...)".

Nesta linha de entendimento, situa-se a jurisprudência infra ao preservar a dignidade do consumidor mediante a limitação dos descontos ao percentual de...

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