Decisão Monocrática nº 51044754320228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 27-05-2022

Data de Julgamento27 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51044754320228217000
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoQuarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002220147
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5104475-43.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Não padronizado

RELATOR(A): Des. VOLTAIRE DE LIMA MORAES

AGRAVANTE: JOSE LUIS LUCAS (AUTOR)

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

AGRAVADO: MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO (RÉU)

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO-PADRONIZADOS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE. UNIÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. TEMA 793 DO STF.

MOSTRA-SE CORRETA A DECISÃO AGRAVADA QUE DETERMINOU A inclusão DA UNIÃO no POLO PASSIVO DA RELAÇÃO JURÍDICO-PROCESSUAL NAS HIPÓTESES EM QUE A PRETENSÃO VERSAR SOBRE TRATAMENTO, PROCEDIMENTO, MATERIAL OU MEDICAMENTO NÃO INSERTO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS, EM RAZÃO Do QUE INCUMBE AO MINISTÉRIO DA SAÚDE PROCEDER À RESPECTIVA INCOORAÇÃO, EXCLUSÃO OU ALTERAÇÃO DE NOVOS MEDICAMENTOS/PROCEDIMENTOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 19-Q DA LEI 8.080/90, ALTERADO PELA LEI Nº 12.401/2011.

DIANTE DISSO, RECAI SOBRE A UNIÃO O DEVER DE INDICAR O MOTIVO DA NÃO PADRONIZAÇÃO E EVENTUALMENTE INICIAR O PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DE INCLUSÃO.

APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 932, VIII, DO CPC, NO ART. 206, XXXVI, DO Regimento Interno DO TJRS E NA SÚMULA 568 DO STJ. JULGAMENTO MONOCRÁTICO.

AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto por JOSÉ LUÍS LUCAS. na ação de conhecimento move contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e o MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO, inconformado com a decisão proferida pelo Dr. Daniel Pellegrino Kredens (Evento 3, origem), que determinou a intimação do autor ",,,para que, no prazo de cinco dias, inclua a UNIÃO no polo passivo, sob pena de extinção do processo por ausência de pressuposto processual, conforme preceitua o art. 485, IV, do CPC."

Em razões recursais, sustenta o agravante (Evento 1, 2º grau), em síntese, a desnecessidade da União integrar o polo passivo da relação jurídico-processual.

Ressalta, na petição inicial(Evento 1, origem), que diligenciou nas farmácias públicas, a fim de obter a medicação (Voriconazol 200mg), mas não obteve êxito, pois que tal fármaco não está contemplado na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME

Prequestiona o art. 927, III, do CPC.

Postula a concessão de efeito suspensivo, requerendo, a final, o provimento do recurso.

Sem o preparo, em razão de o agravante litigar ao abrigo da assistência judiciária gratuita.

Distribuídos, vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

2. Decido.

Por força do disposto no art. 932, VIII, do CPC, incumbe ao relator dos recursos exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do Tribunal.

Primeiramente, registre-se que o Regimento Interno deste Tribunal de Justiça dispõe que compete ao relator negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema, seja no STF, no STJ ou neste Tribunal.

Além disso, a Súmula 568 do STJ estabelece que poderá o relator julgar monocraticamente o recurso nas hipóteses em que haja entendimento dominante acerca da temática discutida:

Súmula 568. O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.

Levando em consideração essas premissas, verifica-se que o presente recurso encontra-se enquadrado nessas hipóteses, circunstância que autoriza seu julgamento monocrático, o que passo a fazer.

De outro lado, ressalto que, recentemente, esta Câmara passou a adotar o entendimento jurídico no sentido da necessidade de inclusão da União no polo passivo da relação jurídico-processual quando se tratar de fornecimento de medicamentos não incorporados nas políticas públicas do Sistema Único de Saúde - SUS, ainda que registrados na ANVISA, em consonância com a atual jurisprudência da Corte Suprema.

Em razão disso, deve ser desprovido o agravo dc instrumento, pois a União deve ser incluída no polo passivo da relação jurídico-processual, tendo em vista que o medicamento objeto da lide - Voriconazol 200 mg -, ainda que possua registro na ANVISA, não é padronizado nas relações de medicamentos do SUS, sendo caso de litisconsórcio passivo necessário.

Consigna-se que o ordenamento pátrio elevou o direito à saúde ao patamar de garantia universal e igualitária, o qual consta do rol de direitos fundamentais sociais do artigo 6º da Constituição Federal, assegurando através do artigo 196 que:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

A consagração da universalidade do direito à saúde pela Constituição abrange a assistência farmacêutica dentre as políticas públicas a serem formuladas para os administrados, como nos ensina o douto jurista Ricardo Barreto de Andrade (in Direito a Medicamentos. O Direito Fundamental à Saúde na Jurisprudência do STF. Lumen Juris: 2014, p. 54):

A Constituição não apenas assegura o direito à saúde, como também determina os meios pelos quais o Estado deve buscar tal fim, reconhecendo o papel das políticas públicas para a prevenção ("redução do risco de doença e de outros agravos") e promoção,proteção e recuperação da saúde ("acesso universal e igualitário às ações e serviços" de saúde).

Entende-se que a definição constitucional dos meios para se assegurar esse direito (políticas públicas) constitui verdadeira garantia dos cidadãos e não pode servir de argumento para que se negue eficácia imediata ao direito à saúde.

[...]

Quanto à assistência farmacêutica, seu conteúdo é compreendido no bojo da integralidade das ações e serviços de saúde, para as quais os insumos farmacêuticos são imprescindíveis. Ademais, a Constituição confere relevância à assistência farmacêutica no âmbito do direito à saúde ao determinar que o SUS participe "da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos" (art. 200, I).

Frise-se que a evolução para o sistema atual de proteção do direito à saúde ocorreu de forma gradual, pois, anteriormente à Constituição de 1988, o sistema de saúde era caracterizado pela ausência de atuação consistente do governo, de maneira segmentada. Somente trabalhadores do mercado formal, vinculados ao Ministério da Saúde, tinham acesso à assistência médica prestada pelo poder público; o restante da população estava à deriva de restritos serviços assistenciais.

Nesse cenário, a questão da aplicabilidade imediata do direito universal e igualitário à saúde inaugurado na Constituição de 1988 toma especial relevância, posto que se descortinava novo paradigma a ser alcançado pelo poder público, por meio de políticas sociais e econômicas, as quais demandam tempo e recurso para sua concretização.

Assim, a primeira conclusão a que se pode chegar é no sentido da proibição do retrocesso, posto que a Carta Magna instituiu a criação de políticas públicas, ou seja, estabeleceu um modus operandi ao Estado para o fim de concretizar a ampliação do direito à saúde.

Em segundo lugar, a progressividade do direito à saúde não exclui a aplicação imediata dessa garantia fundamental, sobretudo quando se trata de pretensões individuais, de sorte que é assegurada a apreciação judicial na hipótese de insuficiência das políticas públicas em execução para solucionar as necessidades reais do indivíduo casuisticamente.

Importa ressaltar que a escassez de recursos é evidente no âmbito da Administração Pública, motivo pelo qual a atuação do judiciário deve levar em consideração a limitação da reserva do possível frente à necessidade concreta individual, nesse sentido são as lições de Ricardo Barreto de Andrade (Ibidem, p.64-65):

O estudo e a compreensão desse amplo desiderato possui duplo sentido: verificar o grau de cumprimento das políticas públicas nesse campo e analisar se os seus instrumentos e critérios têm sido adequados e suficientes à atenção farmacêutica da população brasileira, para daí inferir sob quais condições se dá a atuação do Poder Judiciário nesse campo. Mirando-se, portanto, nos resultados da ação estatal em face das necessidades individuais.

Sabe-se que os recursos são finitos e escassos, ao passo que as demandas pela assistência farmacêutica crescem,entre outros fatores, devido aos avanços da ciência e da tecnologia. Mas essas contingências - que devem ser trabalhadas no espectro da política pública - não podem obstar a tempestiva e adequada dispensação do medicamento ao paciente, sob pena de a intervenção do Poder Judiciário se fazer necessária.

Nessa matéria, um dos grandes desafios postos à comunidade jurídica parece residir na compreensão das nuances da assistência farmacêutica, de modo que se disponham dos elementos necessários a, em cada caso concreto, avaliar a pertinência do direito vindicado e a possibilidade da respectiva atuação jurisdicional com vistas a assegurá-lo.

O uso racional dos medicamentos e insumos, uma das principais diretrizes da política nacional de assistência farmacêutica, parece ser um bom parâmetro a ser utilizado na tarefa de atender às necessidades farmacêuticas individuais,de acordo com as suas peculiaridades, sem colocá-las em uma contraposição inarredável diante das necessidades coletivas.

No que diz respeito à responsabilidade solidária entre os entes federados, impende trazer à baila o julgamento do RE 855178/PE, julgado na sistemática de repercussão geral, Tema 793, de relatoria do insigne Ministro Luiz Fux, fixando a tese a seguir transcrita:

O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT