Decisão Monocrática nº 51108835020228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 09-06-2022

Data de Julgamento09 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51108835020228217000
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002277174
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5110883-50.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATOR(A): Des. ROBERTO SBRAVATI

AGRAVANTE: TRE TRANSPORTES RODOVIARIO ELDORADO LTDA

AGRAVADO: BANCO BRADESCO S.A.

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO REVISIONAL. MORA.

Estando presentes todos os requisitos necessários para a concessão da tutela antecipada, seu deferimento está condicionado à realização dos depósitos das parcelas em valores recalculados, extirpando-se do cálculo as ilegalidades contratuais.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de agravo de instrumento interposto por TRE TRANSPORTES RODOVIARIO ELDORADO LTDA contra decisão proferida na ação revisional que o ora agravante litiga contra BANCO BRADESCO S.A., a qual indeferiu as tutelas cautelares nos seguintes termos:

Os requisitos para a concessão da tutela de urgência não se encontram presentes.

De acordo com o tema 27 do STJ, “é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada — artigo 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto".

Entendo que o requisito da excepcionalidade não está presente. Em primeiro lugar, porque a regra é a liberdade de pactuação dos juros. Em segundo lugar, porque o contrato assinado entre as partes não apresenta qualquer particularidade capaz de distingui-lo de uma infinidade de outros contratos do mesmo tipo firmados diariamente entre consumidores e instituições financeiras, cujos juros mensais variam apenas alguns pontos percentuais. Em terceiro lugar, porque ainda que sejam fixados juros acima da taxa de juros média apurada pelo Banco Central (que, diga-se de passagem, é pressuposto necessário à formação de média), não se pode afirmar que está cabalmente demonstrada desvantagem exagerada ao consumidor, ao menos em sede de liminar

Assim, INDEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA.

Saliento que não óbice à realização de depósitos judiciais pela parte autora, porém, se realizados: a) serão feitos por conta e risco da parte; b) não terão efeito liberatório; c) não descaracterizarão a mora; d) não suspenderão a cobrança das parcelas contratuais; e) não vedarão a inscrição em cadastros de inadimplentes; f) não suspenderão descontos em folha ou em conta-corrente.


Outras disposições:

1) Declaro a inversão do ônus probatório, na forma do art. 6º, inciso VIII, do CDC.

2) Cite-se a parte ré para apresentar contestação, no prazo de 15 dias, sob pena de revelia. Eventual interesse na realização de audiência de conciliação deverá ser informado ao juízo em petição própria no prazo da contestação.

3) Com a resposta, à réplica.

4) Tratando-se de matéria exclusivamente de direito, já que envolve apenas a interpretação de cláusulas contratuais, desnecessária a dilação probatória. Assim, com o contrato, voltem os autos conclusos para julgamento após a réplica.

5) Eventual interesse na realização de audiência de conciliação deverá ser ratificado por ambas as partes, sob pena de indeferimento.

Intime-se.

Em suas razões, o agravante requer o deferimento da liminar de abstenção do réu em inscrever seu nome em cadastros de inadimplentes, de efetuar cobranças e desconto em conta corrente das parcelas contratadas, em razão da presença de cláusulas contratuais abusivas.

Vieram os autos conclusos e em condições de julgamento.

É o relatório.

Decido.

Na forma do art. 311, II, c/c art. 932, V, ‘a’ e ‘b’, ambos do CPC, dou parcial provimento ao presente recurso, conforme ora passo a expor.

Em 08.10.20 as partes ajustaram uma cédula de crédito bancário com cláusula de alienação fiduciária n. 005409733, referente à aquisição de um caminhão modelo VW/ Constallation 17.230.

DA MORA

Da análise da exordial da ação revisional de contrato se extrai que o ora agravante ajuizou a presente ação arguindo existir abusividades no contrato de financiamento firmado perante a instituição financeira, postulando pela revisão das cláusulas contratuais que seriam contrárias ao disposto no Código de Defesa do Consumidor.

A concessão da tutela, como remédio processual capaz de dar efetiva aplicação ao direito, merece cuidadosa interpretação, para que não venha a se transformar em verdadeira panaceia, em prejuízo das relações jurídicas e do sistema processual vigente.

Segundo orientação sedimentada no REsp paradigma nº 1061530/RS, “A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz.”

No caso, o agravante alega existir abusividades contratuais capazes de afastar a mora, postulando, então, pela concessão da tutela.

Quanto à mora, entende-se, na esteira do acórdão paradigmático (RESP 1.061.530/RS) e da Súmula nº 380, que o ajuizamento isolado de ação revisional não descaracteriza a mora. Tal faz sentido, porquanto a demanda pode vir sem qualquer substrato jurídico consistente, por primeiro, ou em face de situações em que o inadimplemento se faz presente desde o começo da contratação, e já advém a ação revisional que não denotaria um agir de boa-fé por parte do consumidor.

Ademais, sustenta-se que o reconhecimento da abusividade sobre os encargos incidentes para o período de inadimplência contratual tampouco arreda a mora solvendi, uma vez que já se verificou o inadimplemento.

Portanto, entendo que apenas descaracterizaria a mora o reconhecimento da abusividade em relação aos encargos cobrados no período da normalidade contratual – i.é., juros remuneratórios e capitalização. Quando, no período da normalidade, o credor está a exigir do devedor mais do que o correto, mais do que o devido, a mora não resta configurada. É a constatação da existência de abusividade no período da normalidade contratual que tem o condão de afastar a mora do devedor.

Tudo na esteira do acórdão paradigma acima referido (voto da relatora, p. 22):

“(...) o eventual abuso em algum dos encargos moratórios não descaracteriza a mora. Esse abuso deve ser extirpado ou decotado sem que haja interferência ou reflexo na caracterização da mora em que o consumidor tenha eventualmente incidido, pois a configuração dessa é condição para incidência dos encargos relativos ao período da inadimplência, e não o contrário. - Os encargos abusivos que possuem potencial para descaracterizar a mora são, portanto, aqueles relativos ao chamado “período da normalidade”, ou seja, aqueles encargos que naturalmente incidem antes mesmo de configurada a mora”.

Quanto ao tema, o colendo STJ já o pacificou, preconizando que é livre a pactuação da taxa de juros entre os contraentes, exceto em havendo excesso manifestamente comprovado (na forma do decisório tornado paradigma – RESP 1.061.530/RS, rela. Min. Nancy Andrighi, j. 22/10/08), ocasião em que se limitam os juros.

Então, cumpre dizer que os juros serão limitados, a um patamar razoável, para expungir abusividade, e que a diretriz que se adota para fixar tal patamar é a taxa média do mercado, tal como fornecida pela BACEN em seu site, consoante estipulado no acórdão paradigma supramencionado. Os juros são limitados, então, em hipótese excepcional, qual seja, quando ultrapassada a taxa média de mercado.

No caso, o pacto prevê juros remuneratórios anuais no patamar de 17,45% a.a., superior ao patamar de...

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