Decisão Monocrática nº 51123179020208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 08-02-2023

Data de Julgamento08 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51123179020208210001
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoSegunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003208169
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5112317-90.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias

RELATOR: Desembargador RICARDO TORRES HERMANN

APELANTE: PEARSON EDUCATION DO BRASIL LTDA (AUTOR)

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

PEARSON EDUCATION DO BRASIL LTDA. e ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apelam da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido deduzido nos autos da ação dita declaratória cumulada com repetição de indébito, cujos fundamentos transcrevo (EVENTO 114 - SENT1):

PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Nº 5112317-90.2020.8.21.0001/RS

AUTOR: PEARSON EDUCATION DO BRASIL LTDA

RÉU: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

SENTENÇA

Vistos.

Trata-se Ação Declaratória ajuizada por PEARSON EDUCATION DO BRASIL LTDA e suas filiais contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, com o escopo de obter o reconhecimento da imunidade tributária da ferramenta denominada "Wizpen/Englishpen", a fim de que seja afastada a exigibilidade do ICMS, próprio e devido por substituição tributária, bem como do Diferencial de Alíquotas do ICMS, nas operações de comercialização da mercadoria, a partir de novembro de 2015. Além disso, pretendem garantir o direito à restituição dos valores indevidamente recolhidos no período.

Em síntese, informaram que a ferramenta "Wizpen/Englishpen" é um componente eletrônico, que tem como finalidade a leitura e transmissão sonora do conteúdo didático constante nos livros impressos, previamente codificados pela Autora. Alegaram que a imunidade tributária, prevista na alínea d do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal, destinada aos livros, alcança o dispositivo denominado “Wizpen” e “Englishpen”, pois nada mais é do que o próprio livro veiculado em um outro formato. Disseram que a pretensão está amparada nos precedentes vinculantes editados pelo Supremo Tribunal Federal - Temas de Repercussão Geral nº 259 e nº 593 e Súmula Vinculante nº 57 - segundo os quais a imunidade tributária se aplica à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias. Citou jurisprudência. Discorreu sobre as características técnicas, funcionais e pedagógicas do dispositivo eletrônico. Postulou, em cognição sumária, a antecipação dos efeitos da tutela para determinar a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários referentes aos tributos incidentes na circulação da ferramenta Wizpen e Englishpen (ICMS próprio, ICMS-ST e DIFAL). Requereu, ao final, a procedência do pedido para declarar o direito da Autora à imunidade tributária quanto à ferramenta Wizpen, Englishpen, afastando as exigências tributárias sobre as relações jurídicas constituídas na circulação/venda interestadual, com a consequente condenação do Réu à restituição dos valores indevidamente recolhidos no período de 11/2015 a 11/2020 e aqueles subsequentes ao ajuizamento da presente demanda, devidamente atualizados.

O pedido liminar foi deferido.

A parte Autora comunicou que foi intimada sobre decisão administrativa que confirmou a exigibilidade do Auto de Infração nº 41960874, cujos débitos são referentes ao mesmo período discutido nos autos. Assim, pleiteou pela suspensão dos créditos exigidos no Auto de Infração nº 41960874.

Citado, o Estado do Rio Grande do Sul apresentou contestação. Ao argumento de que "a Wizpen/Englishpen não serve como suporte para o livro didático", sustentou a inexistência do direito à imunidade pleiteada. Salientou que a obra impressa não deixa de ter serventia sem a “caneta leitora”. Em caráter subsidiário, defendeu a aplicabilidade do art. 166 do CTN.

Houve réplica.

Instadas as partes sobre o interesse na produção de provas, a Autora requereu a produção de prova técnica, a qual foi deferida.

Com o aporte do laudo principal e complementar, foi encerrada a instrução processual.

O Ministério Público, em parecer, manifestou-se pela não-intervenção.

É o relatório.

Decido.

Sem preliminares, passo ao exame do mérito da presente ação destacando que as alegações trazidas pelo Estado, em contestação, não afastam os fundamentos alinhados por este Juízo quando da análise do pedido liminar.

Isso porque, no caso em exame, a pretensão da empresa autora é no sentido de estender às mercadorias denominadas "Wizpen/Englishpen", a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, "d", da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Tal pretensão, com efeito, é abarcada pelo hodierno precedente assentado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, em julgamento proferido em 08.03.2017, sob o rito de repercussão geral, nos autos do RE n. 330.817, em que restou reconhecida a imunidade tributária dos livros eletrônicos e respectivos suportes.

Transcrevo, abaixo, a ementa do precedente pretoriano, in verbis:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE OBJETIVA CONSTANTE DO ART. 150, VI, D, DA CF/88. TELEOLOGIA MULTIFACETADA. APLICABILIDADE. LIVRO ELETRÔNICO OU DIGITAL. SUPORTES. INTERPRETAÇÃO EVOLUTIVA. AVANÇOS TECNOLÓGICOS, SOCIAIS E CULTURAIS. PROJEÇÃO. APARELHOS LEITORES DE LIVROS ELETRÔNICOS (OU E-READERS). (...)3. A interpretação das imunidades tributárias deve se projetar no futuro e levar em conta os novos fenômenos sociais, culturais e tecnológicos. Com isso, evita-se o esvaziamento das normas imunizantes por mero lapso temporal, além de se propiciar a constante atualização do alcance de seus preceitos. 4. O art. 150, VI, d, da Constituição não se refere apenas ao método gutenberguiano de produção de livros, jornais e periódicos. O vocábulo “papel” não é, do mesmo modo, essencial ao conceito desses bens finais. O suporte das publicações é apenas o continente (corpus mechanicum) que abrange o conteúdo (corpus misticum) das obras. O corpo mecânico não é o essencial ou o condicionante para o gozo da imunidade, pois a variedade de tipos de suporte (tangível ou intangível) que um livro pode ter aponta para a direção de que ele só pode ser considerado como elemento acidental no conceito de livro. A imunidade de que trata o art. 150, VI, d, da Constituição, portanto, alcança o livro digital (e-book). 5. É dispensável para o enquadramento do livro na imunidade em questão que seu destinatário (consumidor) tenha necessariamente que passar sua visão pelo texto e decifrar os signos da escrita. Quero dizer que a imunidade alcança o denominado “audio book”, ou audiolivro (livros gravados em áudio, seja no suporte CD-Rom, seja em qualquer outro). 6. A teleologia da regra de imunidade igualmente alcança os aparelhos leitores de livros eletrônicos (ou e-readers) confeccionados exclusivamente para esse fim, ainda que, eventualmente, estejam equipados com funcionalidades acessórias ou rudimentares que auxiliam a leitura digital, tais como dicionário de sinônimos, marcadores, escolha do tipo e do tamanho da fonte etc. Esse entendimento não é aplicável aos aparelhos multifuncionais, como tablets, smartphone e laptops, os quais vão muito além de meros equipamentos utilizados para a leitura de livros digitais. O CD-Rom é apenas um corpo mecânico ou suporte. Aquilo que está nele fixado (seu conteúdo textual) é o livro. Tanto o suporte (o CD-Rom) quanto o livro (conteúdo) estão abarcados pela imunidade da alínea d do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. 8. Recurso extraordinário a que se nega provimento. TESE DA REPERCUSSÃO GERAL: (…)

(RE 330817, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 08/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-195 DIVULG 30-08-2017 PUBLIC 31-08-2017) (Grifei)

O posicionamento, ademais, foi consolidado na Súmula Vinculante nº 57:

A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias.

Como se observa, os dispositivos eletrônicos para leitura de livros digitais foram contemplados pela tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal naquele julgamento, e constaram dos fundamentos e premissas assentados pelo relator, Ministro Dias Toffoli.

No caso concreto, o parecer técnico acostado aos autos pelo demandante, elaborado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas, já adiantou nos autos que "A caneta, chamada WIZPEN, é capaz de verbalizar todo o conteúdo publicado nas páginas dos livros didáticos, graças a um recurso invisível ao olho humano: as folhas são preparadas previamente, e contêm uma espécie de código de barras impresso no início de cada frase" (Evento 1, PARECER4).

No mesmo sentido, insta transcrever a conclusão da perícia produzida nos autos da presente demanda, que avaliou a ferramenta denominada "Wizpen/Englishpen", comercializada pela demandante, e bem destaca a específica utilidade do equipamento (evento 88, fls. 16/17):

Foram analisados o livro e a caneta como um todo. O livro com a sua tecnologia e o hardware, firmware da caneta com a interação com livro.

Conforme a análise, o Hardware Fig A e C da caneta enviada pelo Autor, essa, possui as funcionalidades restritas à proposta de leitura do livro. O processador já possui a interface OID dedicada à leitura de matriz de pontos impressa no livro. Quanto à codificação do firmware enviado pela autora não foi identificado outras funções...

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