Decisão Monocrática nº 51245437720238217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 11-05-2023
Data de Julgamento | 11 Maio 2023 |
Órgão | Décima Quarta Câmara Cível |
Classe processual | Agravo de Instrumento |
Número do processo | 51245437720238217000 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Tipo de documento | Decisão monocrática |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20003753815
14ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Agravo de Instrumento Nº 5124543-77.2023.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária
RELATOR(A): Des. ROBERTO SBRAVATI
AGRAVANTE: FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITORIOS ALOHA II
AGRAVADO: JULIE ARIEL DA ROSA ALMEIDA
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO REVISIONAL. MORA. CADASTROS EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E MANUTENÇÃO NA POSSE DO BEM. CONDICIONAMENTO AOS DEPÓSITOS.
Estando presentes todos os requisitos necessários para a concessão da tutela antecipada, seu deferimento está condicionado à realização dos depósitos das parcelas em valores recalculados, extirpando-se do cálculo as ilegalidades contratuais.
RECURSO desPROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de agravo de instrumento interposto por FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITORIOS ALOHA II contra decisão proferida na ação revisional ajuizada por JULIE ARIEL DA ROSA ALMEIDA, a qual deferiu as tutelas cautelares nos seguintes termos:
Defiro o pedido de AJG.
Os requisitos para a concessão da tutela de urgência encontram-se presentes.
De acordo com o tema 27 do STJ, “é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada — artigo 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto".
Embora a regra seja a liberdade de pactuação dos juros, no caso, foram fixados juros superiores a 50% da taxa média apurada pelo Banco Central1 para este tipo de contrato, o que caracteriza desvantagem exagerada ao consumidor.
Assim, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA, para determinar:
a) PROIBIÇÃO de inclusão ou de manutenção do nome da parte autora em cadastros de proteção ao crédito relativamente a débitos discutidos neste processo;
b) MANUTENÇÃO da parte autora na posse do veículo.
As medidas são condicionadas ao depósito mensal dos valores incontroversos, conforme memória de cálculo apresentada pela parte autora.
Outras disposições:
1) Reconheço a parte autora como hipossuficiente e declaro a inversão do ônus probatório, na forma do art. 6º, inciso VIII, do CDC.
2) Cite-se a parte ré para apresentar contestação, no prazo de 15 dias, sob pena de revelia.
3) Com a resposta, à réplica.
4) Tratando-se de matéria exclusivamente de direito, já que envolve apenas a interpretação de cláusulas contratuais, desnecessária a dilação probatória. Assim, com o contrato, voltem os autos conclusos para julgamento após a réplica.
5) Eventual interesse na realização de audiência de conciliação deverá ser ratificado por ambas as partes, sob pena de indeferimento.
6) A presente decisão, assinada digitalmente, vale como ofício, a ser encaminhado pela parte interessada para cumprimento das determinações acima.
Intime-se.2
Em suas razões, a parte agravante requer a revogação das liminares, ou a determinação da consignação em pagamento das parcelas vincendas integrais no curso do processo.
Vieram os autos conclusos e em condições de julgamento.
É o relatório.
Decido.
DA MORA
Da análise da exordial da ação revisional de contrato se extrai que a parte agravada ajuizou a presente ação arguindo existir abusividades no contrato de financiamento firmado perante a instituição financeira, postulando pela revisão das cláusulas contratuais que seriam contrárias ao disposto no Código de Defesa do Consumidor.
A concessão da tutela, como remédio processual capaz de dar efetiva aplicação ao direito, merece cuidadosa interpretação, para que não venha a se transformar em verdadeira panaceia, em prejuízo das relações jurídicas e do sistema processual vigente.
Segundo orientação sedimentada no REsp paradigma nº 1061530/RS, “A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz.”
No caso, a parte agravante alega inexistir abusividades contratuais capazes de afastar a mora, postulando, então, pela revogação da tutela.
Quanto à mora, entende-se, na esteira do acórdão paradigmático (RESP 1.061.530/RS) e da Súmula nº 380, que o ajuizamento isolado de ação revisional não descaracteriza a mora. Tal faz sentido, porquanto a demanda pode vir sem qualquer substrato jurídico consistente, por primeiro, ou em face de situações em que o inadimplemento se faz presente desde o começo da contratação, e já advém a ação revisional que não denotaria um agir de boa-fé por parte do consumidor.
Ademais, sustenta-se que o reconhecimento da abusividade sobre os encargos incidentes para o período de inadimplência contratual tampouco arreda a mora solvendi, uma vez que já se verificou o inadimplemento.
Portanto, entendo que apenas descaracterizaria a mora o reconhecimento da abusividade em relação aos encargos cobrados no período da normalidade contratual – i.é., juros remuneratórios e capitalização. Quando, no período da normalidade, o credor está a exigir do devedor mais do que o correto, mais do que o devido, a mora não resta configurada. É a constatação da existência de abusividade no período da normalidade contratual que tem o condão de afastar a mora do devedor.
Tudo na esteira do acórdão paradigma acima referido (voto da relatora, p. 22):
“(...) o eventual abuso em algum dos encargos moratórios não descaracteriza a mora. Esse abuso deve ser extirpado ou decotado sem que haja interferência ou reflexo na caracterização da mora em que o consumidor tenha eventualmente incidido, pois a configuração dessa é condição para incidência dos encargos relativos ao período da inadimplência, e não o contrário. - Os encargos abusivos que possuem potencial para descaracterizar a mora são, portanto, aqueles relativos ao chamado “período da normalidade”, ou seja, aqueles encargos que naturalmente incidem antes mesmo de configurada a mora”.
Quanto ao tema, o colendo STJ já o pacificou, preconizando que é livre a pactuação da taxa de juros entre os contraentes, exceto em havendo excesso...
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