Decisão Monocrática nº 51253867620228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 10-08-2022
Data de Julgamento | 10 Agosto 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Agravo de Instrumento |
Número do processo | 51253867620228217000 |
Tipo de documento | Decisão monocrática |
Órgão | Primeira Câmara Cível |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20002561787
1ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Agravo de Instrumento Nº 5125386-76.2022.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO: Oncológico
RELATOR(A): Des. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANIBAL
AGRAVANTE: LUCIO LINK
AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. TRATAMENTO DE SAÚDE. CONSIDERAÇÕES.
1. Do direito ao tratamento.
Sendo dever do ente público a garantia da saúde física e mental dos indivíduos, e restando comprovada nos autos a necessidade da parte requerente de submeter-se ao tratamento descrito na inicial, imperiosa a procedência do pedido para que o ente público o custeie. Exegese que se faz do disposto nos artigos 5º, caput, 6º, caput, art. 23, inciso II, e 196, todos da Constituição Federal de 1988.
2. Autoaplicabilidade do art. 196 da Constituição Federal de 1988. Postulado constitucional da dignidade da pessoa humana.
O direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da carta, com aplicação imediata – leia-se § 1º do art. 5º da mesma Constituição –, e não um direito meramente programático.
3. Princípio da tripartição dos poderes. Dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
A violação de direitos fundamentais, sobretudo a uma existência digna, legitima o controle judicial, haja vista a inércia do Poder Executivo.
4. Princípio da reserva do possível.
Não se aplica quando se está diante de direitos fundamentais, em que se busca preservar a dignidade da vida humana, consagrado na CF/88 como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático Direito e de Justiça Social (art. 1º, inc. III, da Carta Magna).
5. Princípio da proteção do núcleo essencial. Princípio da vinculação. Da proibição de retrocesso.
É de preservação dos direitos fundamentais que se trata, evitando-se o seu esvaziamento em decorrência de restrições descabidas, desnecessárias ou desproporcionais.
6. Bloqueio de valores.
O descumprimento com a obrigação judicial imposta autoriza o bloqueio de valores no erário dos réus para que a parte autora adquira o tratamento na esfera particular. Para tanto é necessário apresentar três orçamentos nos autos, devidamente atualizados. O de menor valor deverá prevalecer para tal finalidade.
RECURSO PROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
1. Do relatório.
Trata-se de agravo de instrumento interposto por LUCIO LINK, figurando na condição de agravado o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
Sustenta que necessita com urgência dos medicamentos “ABIRATERONA” e “ÁCIDO ZOLENDRÔNICO”, por ter sido diagnosticado com “CARCIONMA AVANÇADO DE PRÓSTATA", em fase de metástases ósseas. Afirma que o laudo médico demonstra a probabilidade do seu direito, estando presentes os requisitos à antecipação dos efeitos da tutela de urgência. Pede provimento.
Houve resposta.
O órgão do Ministério Público opina pela necessidade da inclusão da União no polo passivo da ação, que deve ser remetida para a Justiça Federal, mantendo-se os efeitos da tutela de urgência em benefício do agravante.
É o relatório.
2. Do julgamento monocrático.
O feito comporta julgamento monocrático, consoante o disposto no art. 932, inciso VIII, do CPC/2015, bem como no art. 206, inciso XXXVI, do RITJRS.
3. Do direito à saúde.
Como referido no ato de recebimento do presente recurso, o agravante recorre da decisão (evento 6) que indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela de urgência sob o argumento de que o parecer técnico do NATJus (evento 5), que é o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário criado pela Resolução CNJ 238/2016), concluir que "não há elementos técnicos suficientes para sustentar e indicação pleiteada em regime de urgência, sendo imprescindível que a parte autora junte documentos médicos solicitados [sic]".
Chama atenção o fato de que a equipe médica do referido núcleo é expressa no sentido da necessidade de a parte juntar outros documentos (laudo de biópsia e exames complementares), o que deveria ser considerado pelo julgador de origem, por meio da concessão de prazo ao autor para juntar os demais documentos referidos na nota técnica emitida, e não simplesmente indeferir a tutela de urgência.
A gravidade do caso clínico é gritante, pois o paciente foi diagnosticado com CARCINOMA AVANÇADO DE PRÓSTATA, em fase de metástases ósseas (CID C61.9). A necessidade dos medicamentos, como forma de esperança para a cura, é urgente, pois o atestado assinado pelo médico que cuida do caso clínico deixa claro a ineficácia dos medicamentos disponibilizados pelo SUS e já utilizados pelo agravante.
Aguardar a juntada de outros documentos ou a realização de perícia judicial no paciente pode acarretar danos irreversíveis à sau vida, fato com o qual o Poder Judiciário não pode compactuar diante do direito constitucional à vida (art. 5º, da CF/1988).
A ressaltar ainda que o entendimento do médico que acompanha a requerente se sobressai com relação a pareceres dotados de análises apenas em documentos, inclusive o Código de Ética Médica prevê:
Capítulo I
Princípios fundamentais
(...)
XVI - Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para o estabelecimento do diagnóstico e da execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente.
(...)
Capítulo VII
Relação entre médicos
É vedado ao médico:
(...)
Art. 52. Desrespeitar a prescrição ou o tratamento de paciente, determinados por outro médico, mesmo quando em função de chefia ou de auditoria, salvo em situação de indiscutível benefício para o paciente, devendo comunicar imediatamente o fato ao médico responsável.
Nesse sentido:
APELAÇÕES CÍVEIS E REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. 1. A Constituição Federal prevê a responsabilidade solidária dos entes federativos na prestação dos serviços de saúde, de modo que qualquer um deles tem legitimidade para responder às demandas que visam o fornecimento gratuito de medicamento, exame ou procedimento médico. 2. A ausência de inclusão dos medicamentos em listas prévias, quer referente a remédios considerados excepcionais, quer relativos à rede básica, não pode obstaculizar o seu fornecimento por qualquer dos entes federados. 3. Da mesma maneira, a forma de organização do SUS não pode obstaculizar o fornecimento de medicamentos. 4. O atestado médico do profissional devidamente habilitado constitui prova suficiente para embasar a pretensão da parte autora, bem como a adequação do fármaco requerido para a doença que a acomete. 5. O Código de Ética Médica, em seu Capítulo I, XVI proíbe a limitação do critério médico na escolha de tratamento médico e em seu Capítulo VII, art. 52 proíbe o desrespeito à prescrição ou o tratamento de paciente, determinados por outro médico, mesmo quando em função de chefia ou de auditoria, salvo em situação de indiscutível benefício para o paciente, o que não comprovou a parte ré ser o caso. 6. Possível o fornecimento do medicamento pela denominação comum brasileira (art. 3º da Lei Federal nº 9.787/99). 7. Em razão dos efeitos da ADI nº 70038755864, permanece a isenção do Estado de pagar custas, devendo este arcar apenas com as despesas, excluindo-se as de Oficial de Justiça. 8. Honorários de sucumbência reduzidos a fim de atender ao disposto no art. 85, parágrafo 8º da Lei nº 13.105/2015. 9. Os recursos esgotaram a análise da matéria dos autos, restando prejudicado o reexame necessário. RECURSO DE APELAÇÃO DO ESTADO PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DO MUNICÍPIO PROVIDO. REEXAME NECESSÁRIO JULGADO PREJUDICADO. UNÂNIME.(Apelação e Reexame Necessário, Nº 70072227119, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Julgado em: 28-06-2017)
Quanto à prestação de serviços na área da saúde pelos entes federados, dispõe a Constituição Federal de 1988:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
(...)
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (Vide ADPF 672)
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
(...).
Importa destacar que o SUS engloba a União, o Estado e os Municípios de forma sistematizada e descentralizada, logo não há pretender os entes federativos eximirem-se de suas obrigações.
3.1 Da autoaplicabilidade do art. 196 da Constituição Federal de 1988. Postulado da dignidade da pessoa humana.
O direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da Carta Política de 1988, com aplicação imediata – leia-se § 1º do art. 5º da mesma Constituição –, e não um direito meramente programático. Além disso, encontra-se inserido no direito à vida, constante do art. 5º da Carta e, mais ainda, ao princípio da dignidade da pessoa humana, que é fundamento de um Estado que se diz Democrático e Social de Direito.
Não há como afastar o direito à saúde dos direitos fundamentais, sob pena de...
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