Decisão Monocrática nº 51258282420218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 09-06-2022

Data de Julgamento09 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo51258282420218210001
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002276969
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5125828-24.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: ITCD - Imposto de Transmissão Causa Mortis

RELATOR(A): Desa. DENISE OLIVEIRA CEZAR

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (INTERESSADO)

APELADO: CLAUDIO MEDAGLIA JUNIOR (IMPETRANTE)

APELADO: THEREZINHA DA GRACA CANGERI MEDAGLIA (IMPETRANTE)

EMENTA

APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITCD. VGBL. O IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO NÃO INCIDE SOBRE O SALDO DE VGBL - VIDA GERADOR DE BENEFÍCIOS LIVRES, PORQUANTO SE TRATA DE SEGURO DE VIDA. ARTIGO 794 DO CCB. JURISPRUDÊNCIA UNIFORME DESTA CORTE E DO E. STJ. ARTIGO 926 DO CPC. UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA COMO VALOR QUE AGREGA SEGURANÇA JURÍDICA. RECURSO DESPROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Vistos.

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL contra a sentença (evento 34, DOC1) que concedeu a ordem nos autos do mandado de segurança impetrado por CLAUDIO MEDAGLIA JUNIOR e THEREZINHA DA GRAÇA CANGERI MEDAGLIA contra ato do SUBSECRETÁRIO DA RECEITA ESTADUAL, in verbis:

Em face do exposto, CONCEDO A SEGURANÇA postulada, reconhecendo a ilegalidade da cobrança do ITCD sobre valores aplicados em VGBL, determinando que o impetrado se abstenha de incluir estes valores na base de cálculo da DIT n. 1283039.

Condeno a parte impetrada ao reembolso das custas suportadas pela parte impetrante. Sem condenação em honorários, conforme Súmulas nº 105 do STJ e nº 512 do STF.

Sustenta o apelante, em suas razões (evento 43, DOC1), que o VGBL é fundo de investimento administrado por instituições financeiras ou seguradoras que antecipa o patrimônio do de cujus com caráter testamentário e, como tal, deve sofrer a incidência do ITCMD. Discorre sobre a legislação aplicável à espécie e conclui que o ITCMD recai sobre "valores, de qualquer natureza" e por isso, incide sobre o VGBL. Defende que não se está diante de seguro de vida, o que afasta a aplicação do disposto no artigo 794 do Código Civil à hipótese dos autos. Colaciona jurisprudência a fim de respaldar sua tese. Requer seja provido o apelo e denegada a ordem.

Contrarrazões no evento 49, DOC1.

Com vista dos autos, a Dra. Maria Waleska Trindade Cavalheiro, Procuradora de Justiça, manifestou-se pelo desprovimento do recurso e manutenção da sentença em remessa necessária (evento 8, DOC1).

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

Decido.

Julgo monocraticamente o recurso e a remessa necessária, porquanto há entendimento consolidado nesta Corte e no e. STJ sobre o tema (artigo 206, XXXVI, do RITJRS e Súmula 568 do e. STJ).

Cumpre definir se incide o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCD sobre o valor do VGBL - Vida Gerador de Benefícios Livres.

O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCD tem como fator gerador, nos termos da Lei Estadual nº 8.821/89, que o instituiu, a transmissão causa mortis e a doação da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis e de direitos a eles relativos, conforme art. 2º, in verbis:

Art. 2º - O imposto tem como fato gerador a transmissão "causa mortis" e a doação, a qualquer título, de:

I - propriedade ou domínio útil de bens imóveis e de direitos a eles relativos;

II - bens móveis, títulos e créditos, bem como dos direitos a eles relativos.

Assim, como bem pontuou o Magistrado a quo, "o ITCD é um imposto estadual devido por toda pessoa física ou jurídica que recebe bens ou direitos a título de herança (em razão da morte do antigo proprietário) ou doação."

Ocorre que, segundo a Superintendência de Seguros Privados, o "VGBL (Vida Gerador de Benefícios Livres) e PGBL (Plano Gerador de Benefícios Livres) são planos por sobrevivência (de seguro de pessoas e de previdência complementar aberta, respectivamente) que, após um período de acumulação de recursos (período de diferimento), proporcionam aos investidores (segurados e participantes) uma renda mensal - que poderá ser vitalícia ou por período determinado - ou um pagamento único. O primeiro (VGBL) é classificado como seguro de pessoa, enquanto o segundo (PGBL) é um plano de previdência complementar."1(grifei)

E, tratando-se de seguro de vida, o Código Civil é claro ao vedar seja considerado herança, conforme dispõe em seu artigo 794:

Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

Por isso, a jurisprudência uniforme do e. STJ e desta Corte vem proclamando a não-incidência do tributo em tela sobre o os valores oriundos de seguro VGBL, como se verifica dos julgados a seguir colacionados:

AgInt no AREsp n. 1.676.655/RS, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de 25/2/2022

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ITCMD. VGBL. NATUREZA DE SEGURO. INTERETAÇÃO DO ART. 794 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO DESPROVIDO.
1. O Tribunal de origem negou provimento ao recurso interposto pela parte ora agravante por entender que as aplicações em VGBL se caracterizariam como seguro de pessoas, segundo a Superintendência de Seguros Privados - Susep, não se enquadrando nas hipóteses de incidência do tributo previstas no art. 2º da Lei estadual n. 8.821/1989, que trata das hipóteses de incidência do imposto - ITCD.
2. Há recentes decisões monocráticas, em ambas as Turmas da Primeira Seção, que negaram provimento ao recurso especial do Estado do Rio Grande do Sul, em casos análogos, reconhecendo que o "denominado plano VGBL, nos termos do art. 794 do Código Civil, tem natureza de contrato de seguro de vida, não integrando o acervo hereditário do de cujus, para todos os fins de direito, o que afasta, por consequência, a incidência do ITCMD" (AREsp 756.611/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 22/2/2021). A propósito: AREsp 1.766.626/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 6/5/2021; REsp 1.904.243/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 23/2/2021; e AREsp 1.755.009/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 17/12/20.
3. Precedente recente da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça de que com a morte do segurado, sobreleva o caráter securitário do plano VGBL, sobretudo com a prevalência da estipulação em favor do terceiro beneficiário, como deixa expresso o art. 79 da Lei 11.196/2005. (REsp n. 1.961.488/RS, relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/11/2021, DJe de 1711/2021).
4. Agravo interno a que se nega provimento.

RESP N. 1.961.488/RS, RELATORA MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, JULGADO EM 16/11/2021, DJE DE 17/11/2021

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ITCMD. VALORES RECEBIDOS POR BENEFICIÁRIO DE PLANO VGBL INDIVIDUAL - VIDA GERADOR DE BENEFÍCIO LIVRE, EM DECORRÊNCIA DA MORTE DO SEGURADO. NÃO INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 280 E 284/STF E 5 E 7/STJ. NATUREZA LEGAL DA CONTROVÉRSIA. PLANO VGBL. NATUREZA DE SEGURO DE VIDA. NÃO INCIDÊNCIA DO ITCMD. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.

II. Na origem, trata-se de Mandado de Segurança, objetivando reconhecer a "inexigibilidade da inclusão do seguro de vida VGBL em nome do falecido em sua sobrepartilha e da cobrança do ITCD sobre o seguro". O Juízo singular concedeu a segurança, "para, reconhecendo a ilegalidade da cobrança do ITCD sobre valores aplicados em VGBL, determinar que o impetrado se abstenha de incluir estes valores na base de cálculo" do tributo. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença.
III. No acórdão recorrido não houve discussão e decisão fundamentada a respeito da legislação estadual que dispõe sobre o ITCMD. O aresto impugnado extraiu sua conclusão a partir apenas da interpretação do art. 794 do CC/2002 - que dispõe que o seguro de vida não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança, para todos os efeitos de direito - e do conceito de VGBL Individual - Vida Gerador de Benefício Livre constante do site da SUSEP. No acórdão recorrido, o Tribunal de origem apenas transcreve o art. 1º do Decreto estadual 33.156/89, mas o faz lateralmente, en passant, sem sobre ele emitir qualquer consideração ou dele extrair qualquer fundamentação que o levasse a negar provimento à Apelação do Estado do Rio Grande do Sul. Em termos lógicos, o acórdão recorrido está estruturado em três premissas: i) o ITCMD incide sobre a transmissão causa mortis, isto é, sobre os bens que se transmitem pela sucessão hereditária; ii) o art. 794 do CC/2002 estabelece que o seguro de vida, para todos os efeitos, não se considera herança; e iii) o VGBL consiste em seguro de vida. É da conjugação dessas três premissas que a Corte extraiu a conclusão de que o VGBL não pode ser tributado pelo ITCMD. Revela-se patente, pois, que a discussão central do presente feito gira em torno da correta interpretação do art. 794 do CC/2002, dispositivo que o Tribunal de origem fez incidir, na espécie, e que o Estado do Rio Grande do Sul pretende afastar, no Recurso Especial.
IV. Poder-se-ia cogitar da incidência da Súmula 284/STF, na espécie, ao fundamento de que o art. 794 do CC/2002 não teria comando suficiente a sustentar a pretensão do Estado do Rio Grande do Sul. A esse argumento, é possível acrescentar outro na mesma linha. Dir-se-ia que, em se tratando de causa tributária, o art. 794 do CC/2002 deveria ser conjugado com outros dispositivos do Código Tributário Nacional, como os arts. 109 e 110, ou até mesmo com outros dispositivos de lei federal,...

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