Decisão Monocrática nº 51354563720218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 24-01-2023

Data de Julgamento24 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo51354563720218210001
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoSétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003228587
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5135456-37.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Nomeação

RELATOR(A): Desa. SANDRA BRISOLARA MEDEIROS

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. TUTELA E CURATELA. AÇÃO DE CURATELA. PORTADOR DE esquizofrenia PARANOIDE (CID 10 F20.0). IMPRESCINDIBILIDADE DA PROVA TÉCNICA – REALIZAÇÃO DE PERÍCIA POR EQUIPE MULTIDISCIPLINAR. NECESSIDADE DE METICULOSA ESPECIFICAÇÃO da (in)capacidade do curatelando que se ENCONTRA SOB OS CUIDADOS DA IRMÃ E CURADORA PROVISÓRIA. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, combinado com OS ARTS. 753 DO CPC E 1.771 DO CC. JULGADOS DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

SENTENÇA DESCONSTITUÍDA DE OFÍCIO. APELAÇÃO JULGADA PREJUDICADA. DECISÃO POR ATO DA RELATORA. ART. 932 DO CPC.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Trata-se de apelação interposta por GILBERTO P. G., representado sua Curadora Especial, em face da sentença que, apreciando ação de interdição proposta pelo ADRIANA P. G., ressalvados os direitos ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação e ao labor de forma geral, acolheu o pedido e decretou a interdição do apelante em relação aos atos da própria saúde, do patrimônio e dos negócios, nomeando-lhe curador a autora/apelada, sua irmã, sob compromisso, com fundamento no art. 1.767 do CCB, no art. 84, § 1º, da Lei nº 13.146/2015, e nos arts. 747, e seguintes, do CPC (evento 36, SENT1 - origem).

Nas razões recursais, alega que se trata de demanda de curatela em que há pedido para sua nomeação como curadora definitiva. Alega que o juízo de origem, todavia, decretou a interdição do curatelando, o que não foi postulado, mas, tão somente, a nomeação de curador. Afirma que o caput do art. 492 do CPC é claro ao estabelecer que “é vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”. Destaca que o dispositivo citado consagra o denominado princípio da congruência, também conhecido como princípio da correlação ou da adstrição, segundo o qual o magistrado deve decidir a lide dentro dos limites objetivados pelas partes. Ressalta que, diante do disposto nos arts. 84 a 87 da Lei n.º 13.146/2015, não há falar em interdição, em atenção à adequação legislativa provocada pela norma em comento, pois o vocábulo em questão relaciona a curatela a um processo de supressão de direitos patrimoniais e existenciais da pessoa, enquanto deveria ser uma promoção da autonomia do curatelando. Argumenta que a sentença deve ser parcialmente anulada, sendo extrapetita na parte em que decretada a interdição. Postula o provimento do recurso para que seja proclamada a anulação parcial da sentença que decretou a interdição da parte curatelanda, bem como, entendendo desnecessária a anulação parcial, seja reformada a sentença para suprimir do texto o decreto de interdição, mantendo-se, tão somente, a nomeação de curador (evento 44, RAZAPELA1 - origem).

Apresentadas contrarrazões (evento 50, CONTRAZ1), o Ministério Público, nesta instância recursal, opinou pela desconstituição, de ofício, da sentença, a fim de que seja determinada a realização de perícia médica do interditando, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (evento 10, PROMOÇÃO1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

2. Decido monocraticamente, a teor do art. 932 do CPC, e, antecipo, de ofício, desconstituo a sentença, restando prejudicado o exame do recurso.

No caso em exame, se está diante de hipótese em que inafastável a necessidade de realização de perícia médica para a aferição da real (in)capacidade de Gilberto para a prática de atos na vida civil.

Consabido que a interdição, medida extrema que produz efeitos restritivos drásticos ao exercício dos direitos da personalidade, visa, precipuamente, à proteção da pessoa do interditando e do seu patrimônio.

De outro lado, a Lei nº 13.146/15, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, trouxe profundas alterações na teoria das incapacidades prevista no Código Civil, tanto que modificou a redação dos arts. 3º e 4º daquele diploma legal, assim como o capítulo que trata da curatela, instituindo a denominada “ação de curatela” e não mais ação de interdição.

Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “o rol, a lista das pessoas consideradas incapazes pelo Código Civil foi significativamente alterada pelo advento da Lei nº 13.146/15 – Estatuto da Pessoa com Deficiência. (...) O seu nobre desiderato, à toda evidência, é de cunho humanista e inclusivo: promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência (física ou mental) e promover o respeito pela sua dignidade inerente. (...) Por conseguinte, a Lei 13.146/15 mitigou, mas não aniquilou, a teoria das incapacidades do Código Civil, apenas adequando-a às normas (regras e princípios) da Constituição da República e da Convenção de Nova Iorque. Com uma visão prática, ficou abolida (para sempre!) a perspectiva médica e assistencialista, pela qual se rotulava como incapaz aquele que, simplesmente, ostentava uma insuficiência psíquica ou intelectual. Como não poderia ser diferente, agora se trata de pessoa humana plenamente capaz. (...) Há absoluta coerência filosófica: as pessoas com deficiência não podem ser reputadas incapazes em razão, apenas, de sua debilidade. É que na ótica civil-constitucional, especialmente à luz da dignidade humana (CF, art. 1º, III) e da igualdade substancial (CF, arts. 3º e 5º), as pessoas com deficiência dispõem dos mesmo direitos e garantias fundamentais que qualquer outra pessoa, inexistindo motivo plausível para negar-lhes ou restringir-lhes a capacidade. E, muito pelo contrário, reclamam proteção diferenciada, de modo a que se lhes garanta plena acessibilidade, como, aliás, bem previsto na legislação específica (Leis nºs 10.048/00 e 10.098/00)” (Curso de Direito Civil, Volume I, 14ª ed. Editora Jus Podivm, p. 325 e 328).

O Código Civil, por conseguinte, em seus arts. 3º e 4º, passou a ter a seguinte redação:

Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.”

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

I - os...

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