Decisão Monocrática nº 51483948220228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Primeira Câmara Cível, 01-08-2022

Data de Julgamento01 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51483948220228217000
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002516017
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

11ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5148394-82.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Prestação de serviços

RELATOR(A): Juiz JOAO RICARDO DOS SANTOS COSTA

AGRAVANTE: DELA PACE EIRELI

AGRAVADO: MARIA CICILIA DE MELLO CARVALHO

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EXECUÇÃO de título extrajudicial. DECLINAÇÃO DE OFÍCIO PARA O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. faculdade da parte na escolha do AJUIZAMENTO na justiça comum ou no JEC. jurisprudência da 11ª Câmara cível

O AJUIZAMENTO DA AÇÃO na justiça comum ou no juizado especial cível é OPÇÃO Da parte LITIGANTE.

neste sentido, descabida a declinação de ofício da competência para o JEC.

cabível o regular processamento do feito na Justiça Comum.

jurisprudência da 11ª câmara cível deste tjrs.

AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de agravo de instrumento interposto por DELA PACE EIRELI, contra a decisão proferida nos autos da execução movida contra MARIA CICILIA DE MELLO CARVALHO.

Os termos da decisão - evento 14, DESPADEC1:

"(...)

Vistos.

Trata-se de ACÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL ajuizada por DELA PACE EIRELI em face de MARIA CICILIA DE MELLO CARVALHO, ambas qualificados. Pontuou, inicialmente, que a execução estava tramitando junto ao JEC de São Sebastião do Caí e foi julgado extinto em razão da incompetência territorial para processamento da demanda. Aduziu, em síntese, que a executada realizou contrato de prestação de serviços educacionais “EJA - EAD”, no valor total de R$ 828,00, restando inadimplente. Disse que o débito atualizado perfaz o valor atualizado de R$ 796,15 (setecentos e noventa e seis reais e quinze centavos). Inconformada, ajuizou a ação visando à satisfação do débito.

Concedido o benefício da AJG à exequente e intimada para justificar o ajuizamento na Justiça Comum (evento 3), deixando decorrer o prazo sem manifestação.

É o breve relatório.

Decido.

No caso, tenho que é caso de declinação da competência para o Juizado Especial, pois trata-se de típica ação de massa, de pequeno valor patrimonial e de baixa complexidade e que não justifica o trâmite na Justiça Comum, a qual inclusive já tramitava junto ao Juizado Especial Cível de São Sebastião do Caí e foi julgada extinta em razão da incompetência territorial, sendo posteriormente ajuizada nessa Comarca.

Tratando-se de ação na qual o autor pleiteia direito de valor patrimonial inferior a 40 salários mínimos, a lei estabelece competência dos Juizados Especiais, na forma da Lei 9.099/90.

Convém destacar que o acesso ao JECível é gratuito, acessível a todo e qualquer cidadão independente de ser ou não beneficiário da AJG, e presta jurisdição célere e efetiva, com ritos e prazos processuais abreviados e informais, justamente para assegurar a celeridade na prestação jurisdicional. A Comarca de Novo Hamburgo possui vara específica do JEC, devidamente estruturada e eficiente, com conciliadores e juízes leigos nomeados.

A Justiça Comum, ao contrário, possui prazos e ritos mais estendidos, com viabilidade recursal mais ampla, e um número maior de processos complexos, que demandam análise mais apurada, o que acarreta indesejada morosidade no trâmite processual.

Não se desconhece a opção conferida ao titular do direito de ajuizar a ação no juizado ou na Justiça Comum, porém, no caso em exame, essa opção está sendo utilizada de forma abusiva e desvirtuada pelo patrono da parte autora, pois não há nenhuma razão fática ou jurídica para que a pretensão seja postulada na Justiça comum.

A faculdade de escolha dada à parte não pode ser vista como um direito absoluto, especialmente quando inexiste justificativa plausível, a exemplo da necessidade de prova pericial. A pretensão declaratória e condenatória ostenta natureza de ação repetitiva e com entendimento consolidado na jurisprudência, com dano moral 'in re ipsa', não havendo razão para submeter o debate a um juiz togado. Havendo opão da parte por litigar na Justiça Comum, deverá pelo menos pagar as custas processuais, a fim de evitar que o encargo financeiro seja injustamente transferido a terceiros por conta da gratuidade pretendida.

Sobre esse tema, vale salientar o entendimento do Des. Eugênio Facchini Neto, no voto do Conflito de Competência n. 70083077719, em que o magistrado esmiúça e aprofunda muito bem a questão:

Não desconheço que o exercício do direito de ação junto aos Juizados Especiais Cíveis é tratado como opção do jurisdicionado pela Lei Federal nº 9.099/95.

Nesse sentido, basta ler o § 3º do art. 3° do referido dispositivo legal (grifo meu):

Art. 3° (...)

§ 3º. A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação”.

Da mesma forma, igual opção resulta da Lei Estadual n. 10.675/96, especialmente pela dicção do parágrafo único do seu art. 1º:

Art. 1º - Fica criado, no Estado do Rio Grande do Sul, o Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos da Justiça Estadual Ordinária, para conciliação, processo, julgamento e execução das causas previstas na Lei Federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Parágrafo único - A opção pelos Juizados Especiais Cíveis é do autor da ação.

Ocorre que referido direito, tal como qualquer outro direito posto em nosso ordenamento, não é absoluto. Todos os direitos são relativos, em duplo sentido. Podem eventualmente ter de ceder diante de outros direitos que a eles se oponham – são limitados externamente. Trata-se de um tema amplamente tratado no âmbito da teoria dos direitos fundamentais, onde se enfrenta a questão da colisão de direitos fundamentais.

Além disso, na concepção hoje legalmente imperante em nosso sistema jurídico, o simples fato de um direito existir não significa que ele possa ser exercido de qualquer forma, atendendo ao capricho de seu titular. Os direitos possuem, portanto, limites imanentes, internos, decorrentes de sua função econômica e social1. Isto é, para que o exercício seja legítimo e mereça a proteção da lei, é necessário que observe os parâmetros fixados no art. 187 do Código Civil, dispositivo aplicável a todo e qualquer direito2, privado ou público3, material ou processual4. Ou seja, a cláusula geral do abuso do direito compreende e abarca “a todos los derechos”5. Isto é, o exercício de qualquer direito não pode exceder os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Como refere Bruno Miragem, “os limites previstos no art. 187 do CC/2002 constituem ao mesmo tempo limite e medida para o exercício dos direitos subjetivos”6.

Assim, tenho que o exercício da opção a que se refere o art. 3º, §3°, da Lei 9.099/95 e o art. 1°, parágrafo único, da Lei Estadual n° 10.675/96, de ajuizar, na justiça comum, demanda que deveria ser proposta no sistema do JEC, pode se revelar abusiva quando: 1) a demanda ajuizada é de baixa complexidade jurídica, atinente a questões envolvendo posicionamentos jurisprudenciais já sedimentados, em que a solução à lide potencialmente será a mesma, em qualquer das esferas jurisdicionais; 2) a parte autora não justifica sua opção pela justiça ordinária pelo fato de a demanda, pela sua maior complexidade, exigir o olhar mais experiente do juiz togado ao instruir e julgar o feito; 3) a parte autora ajuíza sua demanda sob o pálio da AJG, fazendo com que o custo financeiro de sua opção acabe recaindo sobre o ombro do contribuinte, sem relevante razão para tanto; 4) houver evidências de que, em razão das particularidades da divisão de trabalho entre o JEC e a justiça ordinária, na comarca competente, não haverá qualquer prejuízo para o autor com o ajuizamento da demanda junto ao JEC.

Sendo exercido dessa maneira, pelo que dispõe o art. 187 do CC, a conduta formalmente lícita (exercício de um direito previsto em lei) converte-se em seu oposto, torna-se um ato ilícito:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente7 os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Nas palavras de Fernando Augusto Cunha de Sá, autor de uma das mais profundas obras em língua portuguesa sobre o tema, no caso do abuso do direito, “o comportamento preenche na sua materialidade, in actu, a forma do direito subjectivo que se pretende exercer, mas, do mesmo passo, rebela-se contra o sentido normativo interno de tal direito, isto é, contra o valor que lhe serve de fundamento jurídico”8.

E é isso, estou convencido, que está ocorrendo em casos como o dos autos. Ou seja, tenho como patente o abuso do direito de ação, passível de justificar, então, o indeferimento da petição inicial e a disponibilização do feito à parte para que a direcione aos Juizados Especiais Cíveis.

Vejamos.

A presente ação é semelhante a milhares que tramitam na Justiça deste Estado, em que a parte autora, cliente da ré, entende fazer jus à reparação moral por interrupções no fornecimento de energia elétrica à sua residência. O dano moral sofrido, in casu, conforme a própria parte alega, seria puro, isto é, não dependeria de prova, e a reparação seria inclusive dissuasória, igualmente fruto da própria falha ocorrida na prestação do serviço.

Em resumo, cuida-se de demanda de baixíssima complexidade, com muitos dos temas jurídicos nela discutidos até mesmo com orientações já consolidadas na jurisprudência. Ainda, pela máxima da experiência, sabe-se que dilação probatória nessas causas, de regra, não há, e quando há, limita-se à juntada de documentos e, em pouquíssimas situações, à mera ouvida da própria parte autora e de alguma testemunha por ela trazida. Mais, qualquer consulta que se faça revelará que nem de perto os danos morais (quando) concedidos nessas...

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