Decisão Monocrática nº 51505858220218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo51505858220218210001
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002892337
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5150585-82.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias

RELATOR: Desembargador MIGUEL ANGELO DA SILVA

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (INTERESSADO)

APELADO: FARIMASTER ACONDICIONAMENTO DE FARINHA EIRELI (IMPETRANTE)

APELADO: FARIMASTER ACONDICIONAMENTO DE FARINHA EIRELI (IMPETRANTE)

RELATÓRIO

De saída, reporto-me ao relatório do parecer ministerial lançado nesta instância, que assim sumariou a espécie, "in verbis":

"FARIMASTER ACONDICIONAMENTO DE FARINHA EIRELI (MATRIZ E FILIAL) impetrou MANDADO DE SEGURANÇA contra ato do SUBSECRETÁRIO ADJUNTO DA RECEITA ESTADUAL, objetivando a concessão da segurança, a fim de que seja afastada a incidência tributária e a consequente restituição/compensação do crédito tributário de ICMS sobre a operação de circulação física de mercadoria entre os seus estabelecimentos matriz e filial.

Alega que é uma empresa que atua no ramo de comércio de cereais e leguminosas beneficiados, farinhas, amidos e fécula, com atividades de fracionamento e acondicionamento associada ao transporte rodoviário de cargas, moagem de trigo e fabricação de derivados. Sustenta que, para o exercício de suas atividades, possui dois estabelecimentos comerciais, sendo a filial localizada no Estado do Rio Grande do Sul, no Município de Lajeado, e a matriz localizada no Estado de Santa Catarina, no Município de Erval Velho. Diz que, no exercício da atividade, por questões de mercado e logística, realiza a simples transferência de mercadoria entre os estabelecimentos matriz e filial da mesma pessoa jurídica, sem, pois, realizar a transferência de propriedade, a qual continua com o mesmo titular, ocorrendo a simples circulação física, e não jurídica, da mercadoria, sem qualquer atividade de mercancia. Refere que é descabida a incidência tributária, por tratar-se de hipótese de não incidência, pois não há realização do fato gerador conforme disposição legal acerca do ICMS e entendimento judicial consolidado e sumulado acerca da referida operação. Argumenta que possui direito líquido e certo de realizar a operação de simples transferência de bens entre seus estabelecimentos matriz e filial sem a incidência tributária do ICMS. Cita a Súmula 166 do STJ.

A inicial veio acompanhada de documentos (evento 1).

Foi deferida, em parte, a liminar postulada (evento 10).

A Autoridade Coatora prestou informações, aduzindo que a Súmula 166 do STJ se aplica e possui precedentes em operações de outra natureza. Afirma que, havendo disposição na lei estadual para incidência do ICMS nas saídas de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, o Fisco está vinculado, em razão do princípio da legalidade. Informa que o Estado do RN ingressou com Ação Declaratória de Constitucionalidade de n. 49 (ADC 49/RN) com o fim de pacificar o tema. Tal ação foi julgada improcedente, estando pendentes de julgamento os embargos de declaração. Fala sobre o pacto federativo, e da violação ao princípio da não-cumulatividade. Requer a denegação da segurança (evento 18).

O Ministério Público exarou Parecer opinando pela concessão da segurança (evento 21).

Sobreveio sentença concedendo, em parte, a segurança (evento 24).

O Estado do Rio Grande do Sul apelou, tempestivamente, requerendo a reforma da sentença. Alega que há suporte legal e constitucional para a cobrança do imposto nas transferências entre estabelecimentos da mesma empresa. Além disso, a impetrante não trouxe prova de que não se creditou dos valores que, agora, pretende que sejam restituídos/compensados. Reitera os argumentos das informações (evento 34).

Foram apresentadas contrarrazões (evento 39)."

A d. Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e parcial provimento do recurso (Evento 07).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Reexame necessário.

A sujeição da sentença ao duplo grau de jurisdição obrigatório encontra previsão no art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/09, “in litteris”:

Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.
§ 1º Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.

Portanto, conheço da remessa necessária.

Apelo.

Conheço do apelo, pois presentes seus pressupostos de admissibilidade.

Cuida-se de mandado de segurança impetrado por FARIMASTER ACONDICIONAMENTO DE FARINHA EIRELI contra ato do SUBSECRETÁRIO DA RECEITA ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL, em cuja inicial aquela postula seja concedida a ordem, "para reconhecer o direito líquido e certo do Impetrante, de modo que não incida o ICMS em suas operações de transporte de adubos do Estado do Rio Grande do Sul, onde se localiza a filial, com destino a Matriz localizada Estado de Santa Catarina, ou vice versa;" (sic).

Insurge-se o Estado do Rio Grande do Sul contra a sentença que, entendendo demonstrado apenas parcialmente o direito líquido e certo invocado na exordial do “writ”, concedeu em parte a segurança, nos seguintes termos, "in verbis":

Em face do exposto, CONCEDO EM PARTE a segurança postulada para reconhecer a não incidência do ICMS sobre a transferência de mercadorias entre estabelecimentos da parte impetrante, ainda que localizados em unidades federativas diversas, nos termos da fundamentação supra, permitindo, ainda, a restituição do montante recolhido indevidamente, a contar da data da impetração deste writ. Os valores deverão ser corrigidos monetariamente pela taxa SELIC, nos termos da Lei nº 13.379, de 19.01.2010, que alterou o art. 69 da Lei nº 6.537/73.

Pois bem.

Por primeiro, cumpre destacar que, consoante bem concluiu a d. sentença fustigada, a simples transferência interestadual de mercadorias, de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, por si só, não constitui hipótese de incidência do ICMS.

Isso porque, conforme assentou a colenda Primeira Seção do eg. Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp nº 1.125.133/SP, submetido ao rito dos recursos repetitivos, à ocorrência do fato imponível do referido imposto “é imprescindível a circulação jurídica da mercadoria com a transferência da propriedade”, o que não se verifica na hipótese de mera transferência de bens entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica.

Dita conclusão, aliás, guarda sintonia com a Súmula nº 166 daquela Corte Superior, “in litteris”:

“Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”

Outrossim, está também em consonância com o que decidiu o eg. STF ao apreciar o Tema 1.099 da repercussão geral, quando fixada a seguinte tese:

"Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia."

Assim sendo, versando a espécie hipótese de tributação descabida, porquanto não configurado o fato gerador do ICMS quando do mero deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, e tendo sido efetivado o pagamento do tributo de forma indevida, a compensação/repetição do indébito fica autorizada, independentemente da observância ao disposto no art. 166 do CTN, a preceituar:

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

Ora, consoante entendimento jurisprudencial prevalente tanto no eg. STJ como nesta Corte, "não se aplica o disposto no art. 166 do CTN para as hipóteses de restituição de indébito de ICMS exigido na específica operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular", como no caso (AgInt no AREsp 1.134.366/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 18/12/2020).

Tratando-se de "operação considerada indevidamente tributada justamente porque a operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade não configura venda", pois, "não se visualiza, nesse estágio, a figura do terceiro a quem possa ter sido repassado o encargo financeiro", circunstância a afastar a incidência do indigitado dispositivo legal ("ut" Apelação Cível, Nº 50113608820198210010, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em: 07/12/2021).

Eis as ementas dos julgados acima citados, respectivamente:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ICMS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIAS PARA ESTABELECIMENTOS DE MESMO TITULAR. INAPLICABILIDADE DO ART. 166 DO CTN. AGRAVO INTERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DESPROVIDO.1. A Instância Ordinária, a despeito de reconhecer o direito da Contribuinte à não incidência do ICMS sobre operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos de mesmo titular, assentou que o direito à repetição desse indébito exige a comprovação de que a Empresa assumiu o encargo financeiro do tributo (art. 166 do CTN), o que não teria ocorrido no caso dos autos. 2. Contudo, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não se aplica o disposto no art. 166 do CTN para as hipóteses de restituição de indébito de ICMS exigido na específica operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Isso porque, nesses casos, a operação indevidamente tributada não envolve venda de mercadoria que possa ensejar o repasse do encargo financeiro do ICMS para terceiro, visto que, nesse estágio da cadeia comercial, a Contribuinte continua ostentando a titularidade física e jurídica...

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