Decisão Monocrática nº 51521032820228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 05-08-2022

Data de Julgamento05 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualPedido de Efeito Suspensivo à Apelação
Número do processo51521032820228217000
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002541227
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Pedido de Efeito Suspensivo à Apelação Nº 5152103-28.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Processo Legislativo

RELATOR(A): Desa. MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA

REQUERENTE: MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO SUL

REQUERIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

EMENTA

PEDIDO DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO À APELAÇÃO. ação civil pública. veículo de tração animal. "Programa de Redução Gradativa do Número de VTAs". prazo. exiguidade. lei de iniciativa legislativa. APARENTE inconstitucionalidade.

A concessão de efeito suspensivo à apelação em ação civil pública "somente ocorrerá em situações excepcionais, quando demonstrada a possibilidade de dano irreparável ao réu, conforme dispõe o art. 14 do referido diploma legal" (AgInt no AREsp n. 1.004.259/SP). Hipótese em que a produção imediata de efeito importaria em dano irreparável ao requerente.

Pedido de efeito suspensivo deferido.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Trata-se de pedido de concessão de efeito suspensivo à apelação interposta pelo MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO SUL contra a sentença do MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Santa Cruz do Sul que, nos autos da ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO para "determinar ao demandado o cumprimento das seguintes obrigações, em obediência às Leis Municipais nº 4.108 /2003 e 7.646/2016", julgou procedente a ação pelos seguintes fundamentos:

"O processo pode ser julgado antecipadamente, pois os elementos dos autos se afiguram suficientes para formação do convencimento, sem que isso implique qualquer tipo de cerceamento de defesa.

Imprescindível ter em conta que a preocupação com o ambiente sustentável vem desde a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano de 1972, conforme destacou MIGUEL ANGELO DA SILVA em sua obra O Direito Fundamental ao Ambiente, na qual pontuou:

"ser a proteção do ambiente uma questão fundamental que afeta o bem-estar de todos os povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro, constituindo-se em um desejo urgente dos povos e um dever de todos os governos. Nessa Declaração, foram assentados, entre outros, o princípio de que “o homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras”.

Inicialmente, rejeitada a preliminar de ausência de interesse de agir, decisão do E21, remanesceu pendente de análise a omissão da municipalidade no período posterior a 10/04/2021 e não o inicialmente previsto na redação original da Lei nº 7.646, de 10/10/2016.

De fato, como sinalizado na decisão, quando do ajuizamento da ação civil pública, em 02/03/2021, ainda não havia escoado o prazo até 10/04/2021, previsto no inciso do artigo 2º da Lei Municipal nº 8.517, de 23/10/2020 e, portanto, não haveria que falar em mora. Todavia, mesmo no curso da demanda, após o prazo máximo concedido pela citada Lei, não houve prova do cumprimento integral das obrigações estabelecidas pelas leis municipais em questão. Assim, nada há a alterar na decisão proferida, sendo constatada a mora do Município.

Registro que, mesmo alegando incidentalmente a inconstitucionalidade das leis que estabeleceram a obrigação, tanto as administrações anteriores quanto a presente vinham cumprindo.

Passo, pois, à análise da questão prejudicial ao mérito da causa - (in)constitucionalidade das Leis Municipais nº 7.646/2016 e 4.108/2003 -, sobre as quais sustenta o demandado pairar vício de iniciativa, por afronta à competência privativa para legislar.

Nos termos da Carta Magna, "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...)".

Mais, estabelece que: "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

Cumpre, assim, de início, ressaltar que dentro do exercício da independência dos poderes, incumbe ao Poder Judiciário o controle de constitucionalidade de normas, a ser exercido de forma difusa ou concentrada, sendo esta a visada na presente demanda, pois matéria incidental de defesa apresentada pela administração pública.

Sobre o tema, expõe Luís Roberto Barroso, quando leciona sobre a competência para o controle difuso que (in O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 2ª ed. rev. e atual., 2006, p. 46/47):

"Do ponto de vista subjetivo ou orgânico, o controle judicial de constitucionalidade poderá ser, em primeiro lugar, difuso. Diz-se que o controle é difuso quando se permite a todo e qualquer juiz ou tribunal o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma norma e, consequentemente, sua não-aplicação ao caso concreto levado a conhecimento da corte".

Nesse contexto, o controle difuso visa, em controle incidental, analisar os efeitos das normas ditas inconstitucionais, sobre o caso concreto. Logo, a decisão, ainda que exija juízo de valor acerca da (in)constitucionalidade, atua tão somente no plano da eficácia em sentido estrito, não alcançando o reconhecimento da aplicação lato sensu.

E no que tange ao vício material das normas municipais, atrelado à competência para iniciativa, imperativo observar os limites normativos de iniciativa privativa do Poder Executivo, objeto de sua insurgência.

Pois bem, a Constituição Federal/88, em seus art. 23 e 225, § 1º, VII, confere "competência comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e os Municípios para:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;

IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;

XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;

XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito".

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

[...]

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

E no art. 30, outorga ao Município competência suplementar legislativa em matéria federal e estadual, no que couber, especificamente:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental;

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual".

Assim, tratando-se do processo legislativo municipal, para além da observância às normas constitucionais, deve amoldar-se também às disposições na Lei Orgânica do Município e do Regimento Interno do Legislativo Municipal.

Seguindo essa diretriz, a Lei Orgânica Municipal estabeleceu em seu art. 9º, competência conjunta à Câmara, com sanção do Prefeito, para dispor sobre todas as matérias de atribuição do Município, especialmente sobre:

"I - assuntos de interesse local, inclusive suplementando a legislação federal e estadual". (grifei)

De forma que, no âmbito municipal, sob o aspecto material, a competência para legislar sobre questões de interesse local, como no caso em comento, sobre direitos relativos ao meio ambiente, a proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade, nos termos do art. 225, inciso VII, da CF/88, é concorrente entre o Poder Executivo e Legislativo.

O Regimento Interno, por sua vez, estabelece que a função legislativa será...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT