Decisão Monocrática nº 51548400420228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Primeira Câmara Cível, 15-12-2022

Data de Julgamento15 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51548400420228217000
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003134155
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

11ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5154840-04.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Prestação de serviços

RELATOR(A): Des. AYMORE ROQUE POTTES DE MELLO

AGRAVANTE: CIELO S.A.

AGRAVADO: WENDER JENSH LIMA

AGRAVADO: WILSON ROGERIO MADRUGA LIMA

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO IDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SERVIÇO DE INTERMEDIAÇÃO DE PAGAMENTO VIA INTERNET. MÁQUINA DE CARTÃO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

1. APLICA-SE O PRINCÍPIO E CLÁUSULA GERAL DE TUTELA DE QUE, EM CONTRATO DE CONSUMO NÃO PARITÁRIO EM QUE HÁ DISPARIDADE DE ARMAS ENTRE FORNECEDOR E CONSUMIDOR, A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA (CDC, ART. 6º, INC. VIII) É FATOR DE EQUALIZAÇÃO DE FORÇAS ENTRE PARTES DESIGUAIS, SEJA NO ÂMBITO DA RELAÇÃO DE DIREITO MATERIAL ENTRETIDA, SEJA NOS LINDES DA RELAÇÃO PROCESSUAL CONTENCIOSA QUE NECESSITA DE VERTICALIZAÇÃO NO CAMPO DA PRODUÇÃO DE PROVAS.

2. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO DE PLANO, COM FUNDAMENTO NO ART. 932, INC. VIII, DO CPC, COMBINADO COM O ART. 206, INC. XXXVI, DO RITJRS.

RECURSO DESPROVIDO.
M/AI 5.119 – JM 19/12/2022

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto por CIELO S/A em combate à decisão (evento 10, DESPADEC1), proferida nos autos ação exibitória, cumulada com indenização por danos materiais e morais (processo n. 5006410-89.2022.8.21.0023) que lhe move WENDER JENSH LIMA e WILSON ROGERIO MADRUGA LIMA perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Rio Grande, que reconheceu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e inverteu o ônus da prova.

Nas razões do recurso (evento 1, INIC1), a parte agravante insurge-se contra a aplicação do CDC ao caso dos autos e, por consequência, a inversão do ônus da prova. Destaca ser aplicável ao caso a teoria finalista, ponderando que os agravados não são os destinatários finais do serviço prestado, posto que serve como incremento à respectiva atividade comercial. Refere ser desnecessária a inversão do ônus da prova para o deslinde da controvérsia, apontando que a produção probatória não contém maiores dificuldades. Requer o recebimenbto do recurso no duplo efeito e, a final, seu provimento.

É o relatório.

2. O recurso é típico, próprio, tempestivo (eventos 17 e 19 - origem) e está preparado (eventos 10, 11 e 13).

3. Analisando a questão controvertida e o acervo documental acostado à peça vestibular destes autos eletrônicos, de plano, à luz de jurisprudência consolidada desta Corte e do STJ, passo ao julgamento monocrático do recurso, com fundamento no art. 206, inc. XXXVI, do Regimento Interno desta Corte, combinado com o art. 932, inc. VIII, do CPC.

4. De plano, anoto que a decisão recorrida é a seguinte, verbis:

"Vistos.
Recebo a inicial e sua emenda.

O benefício da gratuidade da justiça já foi deferido no evento 3, documento 1.

A SUCESSÃO DE LISONIA JENSH LIMA e WENDER JENSH LIMA ingressaram com a presente ação de exibição de documentos c/c indenização por danos materiais e morais em desfavor de STELO S.A. e CIELO S.A., objetivando, em tutela de urgência, que a parte ré exiba o cadastro do CPF na máquina com o código PN: TWF31311155JJ, o histórico das ligações realizadas e os códigos de atualização para fins de utilização da máquina enviada.

Feito o breve relato, DECIDO.

A parte autora afirma ser feirante e que, em meados de 2020, a de cujos comprou uma maquininha de cartão de crédito no valor de R$ 834,00, salientando que só conseguiu utilizar por um mês, haja vista que, após a migração da Cielo para Stelo, a bandeira da Hipercard parou de funcionar, razão pela qual foi enviada uma nova máquina.
Aduz que não consegue utilizar o serviço contratado e devidamente pago, como também que a máquina com o código PN: TWF31311155JJ encontra-se cadastrada com um CPF de terceiro e, em razão do sigilo de dados, a atendente negou-se a informar em qual CPF a máquina estava cadastrada, bem como o defeito para que o problema fosse resolvido.
Analisando o documento 10 do evento 1, observa-se que a parte autora adquiriu uma máquina de cartão de crédito, como também que está tendo dificuldades para utilizar o referido equipamento (evento 1, documentos 11 e 12).

Compulsando os autos, verifico que justificável a exibição dos documentos, considerando que a parte autora necessita ter acesso ao cadastro da máquina para conseguir solicitar o reparo.

Outrossim, não existe qualquer prejuízo à parte ré com a determinação de exibição de documentos, sendo a detentora da documentação atinente às partes.
Ademais, ajusta-se a necessidade de se obter o conhecimento daqueles documentos em guarda com os réus que poderão apresentá-los à parte hipossuficiente.
Assim, defiro a tutela de urgência e determino à parte ré que, no prazo de 05 (cinco) dias, exiba o cadastro do CPF na máquina com o código PN: TWF31311155JJ, o histórico das ligações realizadas e os códigos de atualização para fins de utilização da máquina enviada, nos termos do artigo 396 e seguintes do Código de Processo Civil, sob pena de, ao decidir o pedido, admitir-se como verdadeiros os fatos que, por meio do documento, a parte autora pretende provar, consoante o artigo 400 do Código de Processo Civil.

Inverto o ônus da prova, tendo em vista a relação nitidamente de consumo, onde a parte autora caracteriza-se como a parte mais frágil diante da instituição financeira, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Remetam-se ao CEJUSC para designação e posterior realização de audiência de conciliação.

É obrigatório o comparecimento das partes acompanhadas de advogados, e a ausência injustificada caracteriza ato atentatório à dignidade da justiça a ser sancionado com multa, conforme o artigo 334, §§ 8º e 9º, do Código de Processo Civil.
As partes, no entanto, podem constituir representantes por meio de procuração específica, como poderes para negociar e transigir.
Em não havendo autocomposição, o prazo para contestação terá início a partir da audiência.

Outrossim, não possuindo a parte ré interesse na autocomposição, deverá informar nos autos com antecedência mínima de 10 (dez) dias, contados da data da audiência, conforme exige o § 5º do artigo 334 do diploma processual civil, sendo que o prazo para contestação terá início do protocolo do pedido de cancelamento da audiência.

Citem-se.
Intimem-se.
Diligências legais."

Após analisar os fundamentos da decisão recorrida e o acervo documental acostado aos autos integrados, impende desprover o recurso.

5. Isso porque, no que se refere à aplicação da legislação consumerista, registro que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica, em princípio, aos casos em que o produto ou serviço é contratado para implementação de atividade econômica da pessoa jurídica ou natural, pois não configurado o destinatário final da relação de consumo, nos termos da Teoria Finalista, que é diversa da doutrina de J. X. CARVALHO DE MENDONÇA ao dissertar sobre os atos empresariais (de comércio, na linguagem original de um Direito Privado bifronte), assim classificados em atos empresariais por conexão ou dependência. Doutrina jurisprudencializada pelo STJ ao tempo dos Ministros RUY ROSADO DE AGUIAR JR. e SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, de saudosa memória e construtos jurisprudenciais memoráveis em torno da aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Embora assim, na fase de negação do CDC, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido a mitigação de tal regra quando demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica ou pessoa natural, que adquire o bem para a implementação de sua atividade econômica, autorizando, excepcionalmente, a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, nos termos da Teoria Finalista Mitigada, verbis:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INVERSÃO. ÔNUS DA PROVA. REQUISITOS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PESSOA JURÍDICA. TEORIA FINALISTA. MITIGAÇÃO. VULNERABILIDADE. REEXAME DE PROVAS.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. O Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento no sentido de que a teoria finalista deve ser mitigada nos casos em que a pessoa física ou jurídica, embora não se enquadre nas categorias de fornecedor ou destinatário final do produto, apresenta-se em estado de vulnerabilidade ou hipossuficiência técnica, autorizando a aplicação das normas previstas no Código de Defesa do Consumidor. Precedentes.
3. Na hipótese, rever o entendimento do tribunal de origem, que, com base nas provas carreadas aos autos, concluiu pela caracterização da vulnerabilidade do adquirente e pelo preenchimento dos requisitos para inversão do ônus da prova, demandaria o reexame de fatos e provas, procedimento inviável em recurso especial, a teor do disposto na Súmula nº 7 /STJ.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 1.856.105/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 2/5/2022, DJe de 05/05/2022) (grifei)

Neste contexto fático-probatório, entendo que está demonstrada, modo induvidoso, a vulnerabilidade técnica e a situação de desequilíbrio entre a relação jurídica estabelecida entre os autores-agravados e a ré-agravante.

Assim, é de reconhecer e declarar a ...

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