Decisão Monocrática nº 51802385020228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 14-09-2022

Data de Julgamento14 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51802385020228217000
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002710149
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5180238-50.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR(A): Desa. LIEGE PURICELLI PIRES

AGRAVANTE: LUIS CARLOS RAMOS RIBAS

AGRAVADO: BANCO BMG

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. ação declaratória de inexigibilidade de débito c/c restituição de valores e indenização por dano moral. DECLINAÇÃO DA JUSTIÇA COMUM PARA OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. CONHECIMENTO DO RECURSO. ADEQUAÇÃO AO ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO RESP. N. 1.679.909/RS. DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. OPÇÃO DO AUTOR. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. DECISÃO AGRAVADA REFORMADA.

I. EM RAZÃO DO ENTENDIMENTO EXARADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO RESP Nº 1.679.909/RS DE QUE “É CABÍVEL A INTEOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO RELACIONADA À DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIA, A DESPEITO DE NÃO PREVISTO EXPRESSAMENTE NO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015”, RECEBO O AGRAVO DE INSTRUMENTO.

II. A COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL ESTADUAL NÃO É ABSOLUTA, MAS CONCORRENTE, CABENDO AO AUTOR OPTAR ONDE IRÁ AJUIZAR A DEMANDA. INTELIGÊNCIA DO PREVISTO NOS ARTIGOS 3º, §3º, DA LEI N. 9.099/95 E ARTIGO 1º, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI ESTADUAL N. 10.675/96. PRECEDENTES DESTA CORTE.

AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO, COM BASE NO ARTIGO 932, V E VIII DO CPC E ARTIGO 206, XXXVI, DO REGIMENTO INTERNO DESTA CORTE.

DECISÃO MONOCRÁTICA

I. Trata-se de agravo de instrumento interposto por LUIS CARLOS RAMOS RIBAS, inconformado com a decisão proferida nos autos da ação declaratória de inexigibilidade de débito c/c restituição de valores e indenização por dano moral ajuizada contra BANCO BMG SA, que declinou da competência para o Juizado Especial Cível. Em suas razões, alega a necessidade de reforma da decisão agravada, sustentando ser entendimento jurisprudencial de que a escolha pelo ajuizamento da pretensão junto às vias ordinárias é do autor. Pugna pelo provimento do recurso a fim de que seja mantida a tramitação do processo junto às vias ordinárias, revogando a determinação de remessa do feito ao JEC.

É o breve relatório.

II. Tendo em vista o entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do REsp Nº 1.679.909/RS de que É cabível a interposição de agravo de instrumento contra decisão relacionada à definição de competência, a despeito de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015”, recebo o agravo de instrumento.

Por atendimento aos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.

Nos termos do artigo 932, VIII, do CPC/2015, incumbe ao relator “exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal”.

A Súmula 568 do STJ, dispondo sobre essa questão, estabeleceu o seguinte:

Súmula 568. O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema. (Súmula 568, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/03/2016, DJe 17/03/2016).

No mesmo sentido, o artigo 206 do Regimento Interno deste Tribunal autoriza o Relator negar ou dar provimento ao recurso quando há jurisprudência dominante acerca da matéria em discussão no âmbito do próprio Tribunal, conforme acréscimo do inciso XXXVI, in verbis:

Art. 206. Compete ao Relator:

XXXVI - negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal; [grifei].

Nesses termos, o presente agravo de instrumento comporta pronunciamento monocrático, tendo em vista que outro não seria o resultado alcançado em julgamento colegiado nesta 17ª Câmara Cível.

Insurge-se o agravante contra a decisão que declinou da competência ao Juizado Especial Cível, nos seguintes termos:

Vistos.

A parte autora ajuizou ação declaratória de inexigibilidade de débito c/c restituição de valores e indenização por dano moral contra a parte demandada pelos fatos que expôs na inicial. Requereu o benefício da gratuidade da justiça. Atribuiu à causa o valor de R$ 17.382,34.

É o brevíssimo relato. Decido.

Passo a analisar a viabilidade da propositura da demanda no juízo comum.

1. ANÁLISE DA VIABILIDADE DO PROCESSAMENTO DA PRESENTE DEMANDA NO JUÍZO COMUM

Antes de mais, quero deixar claro que a presente decisão foi pensada e repensada. É objeto de reflexão. Há tempos venho refletindo acerca do problema que passo a tratar nas próximas linhas. Faço-o com o mais alto respeito à parte e ao seu advogado, e aos jurisdicionados. Diante do que a experiência forense tem demonstrado, e ante a falta, de parte dos operadores do Direito, de uma leitura constitucional da Lei dos Juizados Especiais, uma vez que não há mais tempo para pensar, resolvi por bem deixar as pilhas de processos de lado para tentar compreender melhor o acesso do cidadão aos Juizados Especiais Cíveis. Proponho-me aqui, além de decidir, verificar se a tal opção pelos JEC, prevista, segundo doutrina majoritária e jurisprudência dominante, em lei, vige e é jurídica e constitucionalmente adequada. Optei em tratar os fundamentos desta decisão em tópicos para torná-la mais clara e pontual. Assim, dividi a fundamentação do item acima em oito tópicos, devidamente alinhavados a seguir.

1.1. Considerações iniciais sobre o fenômeno da manipulação da jurisdição pelas partes autoras de demandas envolvendo pequenos valores no juízo comum

Com relação à presente demanda, tenho que o feito pode e deve ser encaminhado aos Juizados Especiais Cíveis. Isso porque não há qualquer razão que justifique o ajuizamento de tal demanda no juízo comum, uma vez podendo e devendo ser ajuizada nos Juizados. A parte não pode valer-se de disposição legal, no caso do § 3º do art. 3º da Lei nº 9.099/95 (“A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação”), para manipular a jurisdição e ofender a Constituição e, em especial, a própria República, desvirtuando, com isso, os fins para os quais foram criados os JECíveis. Nem mesmo pode valer-se da existência/vigência de Lei Estadual, no caso a Lei nº 10.675/96 que no parágrafo único do art. 1º assim dispõe: “A opção pelos Juizados Especiais Cíveis é do autor da ação”.

A causa dos autos é simples. Não tem nada de complexidade. Por sua vez, o valor pedido pela parte autora, se deferido pelo juízo, não chegará jamais a 40 salários mínimos, teto dos Juizados Especiais. Ou seja, não há qualquer possibilidade de que isso venha ocorrer. Isso porque qualquer cálculo que se faça com relação ao objeto da ação ou indenização que se conceda, seja por dano moral, seja por dano material, jamais alcançará valor fora da alçada dos Juizados Especiais.

Em especial, no que diz com os pedidos de indenização por dano moral - pleitos cujos valores normalmente são fixados pelas partes em quantia acima do limite dos Juizados Especiais para que possam dele escapar -, passar a indenização do teto limite da alçada do JECível jamais aconteceria, pois não haveria nem mesmo como fixar a condenação em valor mais alto do que o que vem sendo (raramente) fixado – quando é fixado – pela jurisprudência da Corte Estadual em casos da espécie (no caso, como exemplo, citam-se as decisões nos autos de nº 70021605894, nº 70060896719 e nº 70031680226). Logo, por que permitir o ajuizamento no juízo comum? Apenas por que, doutrinária e jurisprudencialmente, se entende que é considerado “opção” da parte autora o uso da via dos Juizados Especiais? Afinal de contas, é possível à parte optar pelo juízo comum mesmo existindo os Juizados, que foram criados pela Constituição justamente para tratar demandas qualitativa e quantitativamente inferiores?

O fenômeno que vem ocorrendo no Judiciário, em especial no Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, é, primeiro, o da manipulação da jurisdição pelas partes, e, segundo, decorrência do primeiro, o “entulhamento” do juízo comum com “questiúnculas” jurídicas, que leva ao consequente esvaziamento dos Juizados Especiais, e isso tem de ser coibido. Por que afirmo isso? É muito simples. Quem quer cobrar alguma dívida, pleitear alguma indenização ou algo que o valha, pode, certamente, ingressar com ação no juízo comum. Se não tiver condições de pagar as custas, evidentemente, assistir-lhe-á o benefício da assistência judiciária gratuita. Até aí tudo bem. O problema, porém, é: sendo o valor da demanda inferior a 40 salários mínimos e não sendo ela complexa, por que não se utilizar a parte da via dos Juizados Especiais, onde não há pagamento de custas? O que a impede? Por que a parte pode valer-se da AJG e litigar no juízo comum mesmo podendo litigar no Juizado, onde não necessitaria despender valores para o pagamento de custas, ao menos no primeiro grau?

É curioso. Em nosso país, por via de lei, foi criado todo um sistema de Juizados para julgamento de pequenas causas, com previsão e imposição constitucionais, mas nós, juízes, em “respeito” à “vontade da parte” e de maneira anti-republicana – curiosamente, enquanto permitimos que assim se proceda, demandas mais importantes são relegadas a segundo plano, pois, como juízes, temos de construir “números” em mapas para dar satisfação ao CNJ -, deixamos que simplesmente sejam “esvaziadas” tais instâncias jurisdicionais porque, interpretando equivocadamente a Lei dos JEC, admitimos e permitimos que, podendo a parte se valer dos JECíveis, de custo bem mais barato, mais informal, mais econômico, venha ela, apoiando-se no benefício da AJG e com isso levando à ruína a jurisdição, valer-se do juízo comum,...

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