Decisão Monocrática nº 51878191920228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 27-09-2022

Data de Julgamento27 Setembro 2022
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51878191920228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002769635
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5187819-19.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Espécies de títulos de crédito

RELATOR(A): Des. JOAO MORENO POMAR

AGRAVANTE: MARLI MARISTELA LINKE

AGRAVADO: MBM SEGURADORA SA

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO C/C DEVOLUÇÃO DE VALORES. - JUÍZO COMUM. JUIZADO ESPECIAL. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. NO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO CABE AO AUTOR A ESCOLHA ENTRE O JUÍZO COMUM E O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL ESTADUAL QUE TEM COMPETÊNCIA CONCORRENTE PREVISTA NA LEI N. 9.099/95, ART. 3º, § 3º, COMO ORIENTAM PRECEDENTES PACÍFICOS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CIRCUNSTÂNCIA DOS AUTOS EM QUE SE IMPÕE REPARO PARA ASSEGURAR O PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO NO JUÍZO COMUM.

RECURSO PROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

MARLI MARISTELA LINKE agrava da decisão proferida nos autos da ação de revisão de contrato c/c devolução de valores que move em face de MBM SEGURADORA S.A. Constou da decisão recorrida:

Vistos.
A parte autora ajuizou
“ação de revisão de contrato com pedido de devolução de valores” contra a parte demandada pelos fatos que expôs na inicial. Requereu o benefício da gratuidade da justiça. Atribuiu à causa o valor de R$ 10.825,00.
É o brevíssimo relato.

Decido.
Passo a analisar a viabilidade da propositura da demanda no juízo comum.

1. ANÁLISE DA VIABILIDADE DO PROCESSAMENTO DA PRESENTE DEMANDA NO JUÍZO COMUM
Antes de mais, quero deixar claro que a presente decisão foi pensada e repensada. É objeto de reflexão. Há tempos venho refletindo acerca do problema que passo a tratar nas próximas linhas. Faço-o com o mais alto respeito à parte e ao seu advogado, e aos jurisdicionados. Diante do que a experiência forense tem demonstrado, e ante a falta, de parte dos operadores do Direito, de uma leitura constitucional da Lei dos Juizados Especiais, uma vez que não há mais tempo para pensar, resolvi por bem deixar as pilhas de processos de lado para tentar compreender melhor o acesso do cidadão aos Juizados Especiais Cíveis. Proponho-me aqui, além de decidir, verificar se a tal opção pelos JEC, prevista, segundo doutrina majoritária e jurisprudência dominante, em lei, vige e é jurídica e constitucionalmente adequada. Optei em tratar os fundamentos desta decisão em tópicos para torná-la mais clara e pontual. Assim, dividi a fundamentação do item acima em oito tópicos, devidamente alinhavados a seguir.
1.1. Considerações iniciais sobre o fenômeno da manipulação da jurisdição pelas partes autoras de demandas envolvendo pequenos valores no juízo comum
Com relação à presente demanda, tenho que o feito pode e deve ser encaminhado aos Juizados Especiais Cíveis. Isso porque não há qualquer razão que justifique o ajuizamento de tal demanda no juízo comum, uma vez podendo e devendo ser ajuizada nos Juizados. A parte não pode valer-se de disposição legal, no caso do § 3º do art. 3º da Lei nº 9.099/95 (“A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação”), para manipular a jurisdição e ofender a Constituição e, em especial, a própria República, desvirtuando, com isso, os fins para os quais foram criados os JECíveis. Nem mesmo pode valer-se da existência/vigência de Lei Estadual, no caso a Lei nº 10.675/96 que no parágrafo único do art. 1º assim dispõe: “A opção pelos Juizados Especiais Cíveis é do autor da ação”.
A causa dos autos é simples.
Não tem nada de complexidade. Por sua vez, o valor pedido pela parte autora, se deferido pelo juízo, não chegará jamais a 40 salários mínimos, teto dos Juizados Especiais. Ou seja, não há qualquer possibilidade de que isso venha ocorrer. Isso porque qualquer cálculo que se faça com relação ao objeto da ação ou indenização que se conceda, seja por dano moral, seja por dano material, jamais alcançará valor fora da alçada dos Juizados Especiais.
Logo, por que permitir o ajuizamento no juízo comum?
Apenas por que, doutrinária e jurisprudencialmente, se entende que é considerado “opção” da parte autora o uso da via dos Juizados Especiais? Afinal de contas, é possível à parte optar pelo juízo comum mesmo existindo os Juizados, que foram criados pela Constituição justamente para tratar demandas qualitativa e quantitativamente inferiores?
O fenômeno que vem ocorrendo no Judiciário, em especial no Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, é, primeiro, o da manipulação da jurisdição pelas partes, e, segundo, decorrência do primeiro, o “entulhamento” do juízo comum com “questiúnculas” jurídicas, que leva ao consequente esvaziamento dos Juizados Especiais, e isso tem de ser coibido.
Por que afirmo isso? É muito simples. Quem quer cobrar alguma dívida, pleitear alguma indenização ou algo que o valha, pode, certamente, ingressar com ação no juízo comum. Se não tiver condições de pagar as custas, evidentemente, assistir-lhe-á o benefício da assistência judiciária gratuita. Até aí tudo bem. O problema, porém, é: sendo o valor da demanda inferior a 40 salários mínimos e não sendo ela complexa, por que não se utilizar a parte da via dos Juizados Especiais, onde não há pagamento de custas? O que a impede? Por que a parte pode valer-se da AJG e litigar no juízo comum mesmo podendo litigar no Juizado, onde não necessitaria despender valores para o pagamento de custas, ao menos no primeiro grau?
É curioso. Em nosso país, por via de lei, foi criado todo um sistema de Juizados para julgamento de pequenas causas, com previsão e imposição constitucionais, mas nós, juízes, em “respeito” à “vontade da parte” e de maneira anti-republicana – curiosamente, enquanto permitimos que assim se proceda, demandas mais importantes são relegadas a segundo plano, pois, como juízes, temos de construir “números” em mapas para dar satisfação ao CNJ -, deixamos que simplesmente sejam “esvaziadas” tais instâncias jurisdicionais porque, interpretando equivocadamente a Lei dos JEC, admitimos e permitimos que, podendo a parte se valer dos JECíveis, de custo bem mais barato, mais informal, mais econômico, venha ela, apoiando-se no benefício da AJG e com isso levando à ruína a jurisdição, valer-se do juízo comum, muito mais caro, mais formal, anti-econômico, e que há tempos está “abarrotado” de processos!
Ora, não há mais – se alguma vez houve - por que permitir que o cidadão não demande em juízo nos Juizados Especiais Cíveis, gratuitos que são, possibilitando-lhe demandar no juízo comum que não é gratuito e, ao contrário, é muito, mas muito mais caro que os Juizados Especiais.
Então, das duas uma: ou a parte, realmente, em razão da complexidade da matéria ou do concreto e real valor da causa (valor acima de 40 salários mínimos), demanda no juízo comum – e aí poderá, inclusive, fazer jus à assistência jurídica gratuita -, ou, sendo a ação sem qualquer complexidade e de baixo valor, como a do caso em tela, demanda nos Juizados, gratuitos que são, mas não no juízo comum, cujo custo é infinitamente superior. Isso será devidamente demonstrado adiante.
O ideal, portanto, é que se respeite o seguinte: se demandar no Juizado Especial, ficará isenta a parte do pagamento das despesas, não necessitando, portanto, pedir nem mesmo a AJG; se demandar no juízo comum, deverá, então, no mínimo, litigar sem a AJG – e isso ainda dependendo do caso -, porque não tem sentido deduzir pretensão de ínfimo valor em instância jurisdicional que não é a própria para tal objetivo.
Claro que tais considerações, até o momento, são apenas fáticas. A questão, porém, deve ser tratada sob o aspecto da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de dois dispositivos legais: o § 3º do art. 3º da Lei nº 9.099/95, e o parágrafo único do art. 1º da Lei Estadual nº 10.675/96. Isso tudo será feito ao seu tempo.
Aqui, é necessário deixar claro o seguinte: todos os juízes fazem jurisdição constitucional.
Antes de qualquer outra análise, é dever do juiz perquirir a compatibilidade legal do dispositivo legal com a Constituição. Assim, deve-se perguntar, sempre, se, à luz da Constituição, a regra jurídica é aplicável ao caso. Mais que isso, como ensina Lenio Luiz Streck: em que sentido aponta a pré-compreensão, condição para a compreensão do fenômeno? (STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 311). Adiantando, desde já, a conclusão, em duas alíneas:
a) o § 3º do art. 3º da Lei nº 9.099/95 não pode ser lido como se a parte pudesse optar ou não pelos Juizados Especiais Cíveis para deduzir pretensão de pequeno valor e sem complexidade.
É obrigatório. Isso porque o referido dispositivo está sendo lido equivocadamente há mais de vinte anos. Se a Constituição determinou a criação dos JEC para julgamento de pequenas causas, obrigando os Estados a criá-los, o legislador infra-constitucional, seja ele federal ou estadual, não pode limitar a força normativa da Constituição quando esta mesma não o fez. Dito de outro modo, a pré-compreensão do problema, levando-se em conta que a Constituição assim o determinou, de plano levará à conclusão no sentido de que, se assim o fez, é porque pequenas causas devem ser julgadas nos Juizados Especiais Cíveis, e não no juízo comum. Quando a Lei nº 9.099/95 no referido dispositivo legal citado dispõe “A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação”, traz, na realidade, hipótese de aplicação distinta da que até hoje foi pensada pela doutrina, com raríssimas exceções, e pelos tribunais. Isso porque, como explico adiante, a aplicação da dita regra diz respeito a casos como o de alguém que, por possuir uma pretensão de direito material que...

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