Decisão Monocrática nº 52038078020228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 01-11-2022

Data de Julgamento01 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52038078020228217000
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002848804
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5203807-80.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Erro médico

RELATOR(A): Des. TASSO CAUBI SOARES DELABARY

AGRAVANTE: GERMANO KRUEL

AGRAVADO: EGON EVALDO MULLER

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. ATENDIMENTO PELO SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PROFISSIONAL DA SAÚDE QUE REALIZOU O ATENDIMENTO. TEMA 940 DO STF.

  1. Considerando que a parte autora alegou ter sofrido prejuízos, em razão da atividade de médico preposto do hospital prestador de serviço público de saúde conveniado ao SUS (sistema único de saúde), de rigor reconhecer que não está caracterizada a legitimidade passiva ad causam do agente público.
  2. Art. 37, § 6º, CF c/c o art. 485, VI, do CPC. Precedentes do STF e do TJRS.

AGRAVO PROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto por GERMANO KRUEL em face da decisão do juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Cachoeira do Sul que, nos autos da ação indenizatória movida por EGON EVALDO MULLER, indeferiu pedido de reconhecimento de ilegitimidade passiva [Evento 6, PROCJUDIC8, p. 4].

Em suas razões, o agravante-demandado combateu a decisão de origem para reconhecimento da sua ilegitimidade passiva uma vez que os supostos danos decorrentes de alegada falha na prestação dos serviços públicos de saúde, foram realizados exclusivamente por intermédio do SUS, através da Associação de Caridade Santa Casa de Rio Grande, ente de direito privado sem fins lucrativo. Mencionou que no julgamento do RE 1.027.633/SP restou assentado a ilegitimidade passiva dos agentes públicos das entidades de direito privado prestadoras de serviços públicos, por força do artigo 37, §6º, da Constituição Federal, postulando o provimento do recurso.

É o relatório.

Decido.

2. Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Além disso, o recurso comporta julgamento monocrático com fundamento nos artigos 5°, inciso LXXVIII, da CF, e 932 do CPC, e 206 XXXVI, do Regime Interno desta Corte, considerando o princípio da razoável duração do processo, os termos da decisão recorrida e que se trata de matéria há muito sedimentada no âmbito desta Corte, conforme adiante se verá.

Superada essa premissa, pelo que se deflui dos autos, o atendimento prestado ao autor foi por meio do Sistema Único de Saúde – SUS [Evento 6, PROCJUDIC1, p. 26], através do nosocômio demandado.

Com efeito, pretende a parte autora recomposição de prejuízos materiais e morais que alega ter sofrido por ocasião da prática médica por agente que presta serviço público de saúde através SUS, de rigor manter o reconhecimento de que não está caracterizada a legitimidade passiva ad causam do demandado GERMANO KRUEL, médico que prestou atendimento ao autor, para responder pelos eventuais prejuízos suportados em razão da atuação como agente público ou equiparado no atendimento médico-hospitalar praticado em nosocômio prestador de serviço público essencial de saúde.

Como se sabe, a intervenção médica pode ter lugar em ambientes diversos, porquanto implicará diferentes formas de exercício da profissão. Juridicamente, a relação paciente-médico, estabelecida no consultório particular do profissional da medicina, será sempre valorada de forma distinta do acompanhamento médico, que tem lugar num estabelecimento de saúde pública e/ou num estabelecimento particular prestador de serviço público de saúde.

É importante salientar que só no primeiro caso é que o paciente tem, efetivamente, a oportunidade de exercer o seu direito de escolha do profissional de saúde que o vai acompanhar. Nessa hipótese, estabelece-se um verdadeiro contrato, no qual o médico se compromete a prestar um determinado serviço médico, e o paciente, consumidor, torna-se credor dessa prestação de serviço. O contrato será bilateral, devendo o paciente pagar os honorários devidos ao profissional da medicina em troca do serviço convencionado. A simplicidade da relação não deixa dúvidas quanto ao responsável e ao regime da responsabilidade, quando o serviço não é prestado de forma eficiente, na forma contratualmente estabelecida, porquanto essa situação se submete as normas de regência do Código de Defesa do Consumidor.

Já o dano que tem lugar num estabelecimento hospitalar que presta serviço público acaba por apresentar contornos diversos, especialmente porque essa situação caracteriza um desvio à tese mais tradicional, de que o responsável é, necessariamente, o profissional médico. Isso porque, na imensa estrutura representada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o médico não passa de um mero interveniente, numa intrincada estrutura com outros personagens1 que igualmente atuam na prestação do serviço público de saúde. Diante dessa estrutura intrincada e desse conjunto de participantes, não é razoável esperar que o médico se patenteie como responsável máximo e único pela deficiência do serviço público de saúde.

Assim, alicerçado nos princípios mais essenciais do Estado Social Democrático, a Constituição Republicana, nos termos preconizados no artigo 196, consagra que a saúde é direito de todos e dever do Estado, que a prestará mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, prevendo, ainda, a responsabilidade do Estado em assegurar a prestação de cuidados de saúde à população, com caráter obrigatoriamente gratuito.

Pretende-se, desta forma, assegurar ao cidadão um serviço nacional de saúde universal, prestado de forma gratuita e igualitária. Contudo, não se pode desconsiderar, que será inquestionavelmente diferente o tratamento oferecido ao paciente pelo médico no seu consultório particular do que aquele realizado no âmbito do SUS, onde o profissional da medicina se vê forçado, às vezes, a fazer o atendimento de dezenas de pacientes em poucas horas e é pressionado a solicitar apenas os exames estritamente necessários ao rigoroso cumprimento dos protocolos hospitalares. De rigor, reconhecer que, no atendimento pelo SUS, as regras são impostas ao médico que agirá enquanto profissional de saúde, adstrito a deveres que não pode ignorar. E, por essa mesma razão, o estabelecimento hospitalar, enquanto responsável pelo cumprimento dos protocolos de cuidados médicos e entidade empregadora de todos os intervenientes no tratamento do paciente é responsabilizado.

Assim, a atividade médica prestada por meio do SUS, nos serviços hospitalares de natureza pública e privada prestadora de serviços públicos, seja qual for a sua estrutura jurídica, deve ser considerada como atividade de gestão pública.

E assim é porque os funcionários que desempenham funções em estabelecimentos hospitalares que atendem pelo SUS fazem-no desenvolvendo uma atividade pública, através da persecução de interesses do Estado, consoante previsão expressa do aludido artigo 196 da Carta Magna.

Podemos observar, ainda, que a Constituição Federal de 1988 utilizou a expressão “agente”, em sentido amplo, abrangendo toda a pessoa que exerce um serviço público, de forma transitória ou permanente. Nesse sentido, Celso Ribeiro Bastos2 define agentes públicos como “todo aquele que, em caráter definitivo ou temporário, desempenhem alguma atividade estatal”.

Sobre a responsabilidade da Administração Pública, leciona Carlos Roberto Gonçalves3:

Houve alteração da Constituição de 1988, em relação à anterior, no tocante à responsabilidade civil da Administração Pública. Estendeu-se essa responsabilidade expressamente, às pessoas jurídicas de direito público e às de direito privado prestadoras de serviço público. E substituiu-se a expressão “funcionários” por outra mais ampla: “agentes”. Essas inovações trouxeram à discussão dois temas ainda não inteiramente pacificados no âmbito do direito público: o de serviço público e o de agente público.

JOSÉ DA SILVA PACHECO, depois de ampla digressão sobre essas alterações, apresentou as seguintes e corretas conclusões:

(...)

Tendo sido usada a expressão “serviço público”, há que concebê-la como gênero, de que o serviço público seria mera espécie, compreendendo a atividade e função jurisdicional e também a legislativa, e não somente a administrativa do poder Executivo; e, no que se refere ao “agente”, deve ser entendido quem, no momento do dano, exercia atribuição ligada à sua atividade ou função. Desse modo, abrange o § 6º do art. 37 da CF a responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito federal, Municípios e autarquias; dos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo; das empresas públicas, sociedade de economia mista e sociedades privadas, quando no exercício de serviço público e por dano diretamente causado pela execução desse serviço, para cuja caracterização exclui-se o critério orgânico ou subjetivo. – grifei,

Da mesma forma, Celso Antônio Bandeira de Mello4 define agente público:

Esta expressão – agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem o Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam ocasional ou episodicamente.

Quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. - grifei

Da mesma forma, Ruth Helena Pimentel de Oliveira5, ao tratar da qualidade do agente,...

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