Decisão Monocrática nº 52038103520228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 14-10-2022

Data de Julgamento14 Outubro 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52038103520228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002849475
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5203810-35.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Não padronizado

RELATOR(A): Des. EDUARDO DELGADO

AGRAVANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVADO: EDUARDA DE MELLO SODA

MINISTÉRIO PÚBLICO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

INTERESSADO: MUNICIPIO DE VENÂNCIO AIRES

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE – Doença de Crohn e Psoríase (CID K50, L40). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - Ustequinumabe. GRUPO 1A - PORTARIA 1.554/13 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. LITISCONSÓRCIO COM A UNIÃO. TEMA 793 DO E. STF - ED NO RE Nº 855.178/SE. LIMINAR MANTIDA - ART. 64, § 4º, DO CPC.

NÃO OBSTANTE A AFETAÇÃO DA QUESTÃO NO E. STJ - IAC Nº 187.276/RS -; DEMONSTRADO O PRESSUPOSTO DO LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO COM A UNIÃO, EM RAZÃO DA CLASSIFICAÇÃO DO FÁRMACO - Ustequinumabe- NO GRUPO 1A - PORTARIA 1.554/13 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE -, A INDICAR A RESPONSABILIDADE PARA O FORNECIMENTO, CONSOANTE A NOVEL JURISPRUDÊNCIA NO E. STF, NA EXEGESE DO TEMA 793 E EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RE Nº 855.178/SE.

DE OUTRA PARTE, MANTIDOS, DE FORMA PRECÁRIA, OS EFEITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA DA ORIGEM, EM RAZÃO DA ESTATURA DO BEM JURÍDICO TUTELADO –SAÚDE -; A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO AGRAVANTE; COM BASE NO ART. 64, §4º, DO CPC.

PRECEDENTES DO E. STF; TJRS E TRF.

AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por parte do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL contra decisão interlocutória -evento 4, DESPADEC1 -, proferida nos autos da presente ação ajuizada por EDUARDA DE MELLO SODA.

Os termos da decisão hostilizada:

(...)

Vistos.

Defiro o benefício da gratuidade judiciária à parte autora.

Trata-se de ação ordinária de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência, ajuizada em face do MUNICÍPIO DE VENÂNCIO AIRES e ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

Analisando os autos verifico que a parte autora é portadora da patologia descrita na inicial, necessitando se submeter a tratamento medicamentoso na forma das especificações médicas expostas no laudo, não possuindo condições de adquirir o fármaco receitado.

A Constituição da República assegura o direito à vida e à saúde, competindo ao Estado assegurar os meios necessários para que tais direitos e garantias sejam efetivamente assegurados ao cidadão. Salienta-se que a Constituição Federal, também no artigo 196, estabelece que é dever do Estado garantir a saúde dos indivíduos, de forma que o Estado, referido no dispositivo constitucional, é sinônimo de Poder Público, constituindo-se em gênero do qual são espécies a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios. Assim, qualquer dos entes públicos é responsável para fins de custeio dos medicamentos.

Ademais, ainda nos termos do art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado. Tal premissa impõe ao Estado a obrigação de fornecer gratuitamente às pessoas desprovidas de recursos financeiros a medicação necessária para o efetivo tratamento de saúde.

Pelas provas acostadas ao feito, existe nos autos elementos que evidenciam a possibilidade do direito alegado. Outrossim, a demora na prestação jurisdicional poderá agravar o problema da parte autora e comprometer sua saúde. Dessa forma, defiro a tutela de urgência postulada, para determinar que os demandados forneçam solidariamente o fármaco USTEQUINUMABE de 130mg e 90mg, na forma prescrita no laudo médico, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de bloqueio dos valores necessários para a realização do tratamento, nas contas do Estado.

Comunique-se à Secretaria da Saúde do Estado e a Secretaria a Saúde do Município de Venâncio Aires, com urgência, por e-mail, remetendo cópia da presente decisão, bem como do receituário médico e documento de identidade da parte autora.

Citem-se os demandados para contestarem, querendo, no prazo legal.

Apresentada contestação, intime-se a parte autora para réplica.

Após, dê-se vista ao Ministério Público.

Diligências legais.

(...)

Nas razões, o Estado do Rio Grande do Sul, ora agravante, defende o litisconsórcio passivo necessário com a União, e a competência da Justiça Federal para o julgamento do feito, haja vista a responsabilidade no custeio de medicamento do Grupo 1A, em atenção ao decidido no e. STF no julgamento do RE 855.178/SE - Tema 793.

Colaciona jurisprudência.

Requer a atribuição de efeito suspensivo. Ao final, pede o provimento do recurso, para os fins da inclusão da União no polo passivo e remessa do feito à Justiça Federal - evento 1, INIC1.

Os autos vieram conclusos.

É o relatório.

Decido.

Passo ao julgamento na forma monocrática, com base no art. 932, IV, b, do CPC de 20151, no Enunciado da Súmula 568 do e. STJ2; e no art. 206, XXXVI do RITJRS3.

A matéria devolvida reside no litisconsórcio passivo necessário com a União, e a competência da Justiça Federal para o julgamento do feito, haja vista a responsabilidade no custeio de medicamento do Grupo 1A, em atenção ao decidido no e. STF no julgamento do RE 855.178/SE - Tema 793.

Sobre o litisconsórcio passivo necessário, cumpre frisar a novel interpretação do e. STF, sem embargo de posição definitiva das Cortes Superiores, senão vejamos.

Inicialmente, cumpre frisar a posição da jurisprudência dos egrégios STF e STJ, bem como deste Tribunal, sobre a natureza da relação jurídica controvertida, e a discussão acerca do pressuposto da citação da União, diante das premissas constantes do art. 23, II, da Constituição da República2, no sentido da competência comum dos entes federados - União, Estados, Municípios e Distrito Federal - para a prestação da saúde, com vistas à incidência do art. 114 do CPC3.

Neste sentido, a questão foi objeto de julgamento no e. STF, nos autos do RE nº 855178/RG -, em 16.03.2015, na forma do art. 543-B4, do Código de Processo Civil de 1973 - repercussão geral, com a fixação do Tema 793:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.

O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015 )

(grifei)

Peço licença para transcrever excerto do voto:

(...)

A discussão transborda os interesses jurídicos das partes, uma vez que envolve a temática de repartição constitucional de atribuições institucionais, tendo em conta a legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que versa sobre o fornecimento de tratamento e medicamentos por parte do Poder Público.

Bem delimitado o tema, verifica-se que o Tribunal de origem, ao assentar a responsabilidade solidária da União, não destoou da jurisprudência firmada pelo Plenário desta Corte, no julgamento da Suspensão de Segurança 3.355, Rel. Min. Gilmar Mendes, no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente. Por oportuno, trago à colação a ementa do referido julgado:

Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes.

Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Fornecimento de medicamento: Clopidrogrel 75 mg. Fármaco registrado na ANVISA. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança pública. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento (STA 175-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJe 30/4/2010).

Extrai-se do voto condutor:

O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) direito de todos e (2) dever do Estado, (3) garantido mediante políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, (5) regido pelo princípio do acesso universal e igualitário (6) às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Examinemos cada um desses elementos.

[...]

(2) dever do Estado:

O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde está expresso no artigo 196.

A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles.

As ações e os serviços de saúde são de relevância pública, integrantes de uma rede regionalizada e hierarquizada, segundo o critério...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT