Decisão Monocrática nº 52229713120228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 04-11-2022

Data de Julgamento04 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52229713120228217000
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002945153
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

14ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5222971-31.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR(A): Des. ROBERTO SBRAVATI

AGRAVANTE: DENISE VARONE MAIA

AGRAVADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO REVISIONAL. MORA. CADASTROS EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E MANUTENÇÃO NA POSSE DO BEM. CONDICIONAMENTO AOS DEPÓSITOS.

Estando presentes todos os requisitos necessários para a concessão da tutela antecipada, seu deferimento está condicionado à realização dos depósitos das parcelas em valores recalculados, extirpando-se do cálculo as ilegalidades contratuais.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de agravo de instrumento interposto por DENISE VARONE MAIA contra decisão proferida na ação revisional que o ora agravante litiga contra BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., a qual indeferiu as tutelas cautelares de praxe postuladas.

Em suas razões, a parte agravante requer o deferimento da liminar de manutenção de posse do bem, mediante a efetivação de depósitos judiciais nos valores que entende devido, a abstenção do réu em inscrever seu nome em cadastros de inadimplentes.

Vieram os autos conclusos e em condições de julgamento.

É o relatório.

Decido.

Na forma do art. 311, II, c/c art. 932, V, ‘a’ e ‘b’, ambos do CPC, dou parcial provimento ao presente recurso, conforme ora passo a expor.

DA MORA

Da análise da exordial da ação revisional de contrato se extrai que a parte agravante ajuizou a presente ação arguindo existir abusividades no contrato de financiamento firmado perante a instituição financeira, postulando pela revisão das cláusulas contratuais que seriam contrárias ao disposto no Código de Defesa do Consumidor. Em suas razões postula, em especial, pela limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado e pelo afastamento da capitalização de juros.

A concessão da tutela, como remédio processual capaz de dar efetiva aplicação ao direito, merece cuidadosa interpretação, para que não venha a se transformar em verdadeira panaceia, em prejuízo das relações jurídicas e do sistema processual vigente.

Segundo orientação sedimentada no REsp paradigma nº 1061530/RS, “A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz.”

No caso, a parte agravante alega existir abusividades contratuais capazes de afastar a mora, postulando, então, pela concessão da tutela.

Quanto à mora, entende-se, na esteira do acórdão paradigmático (RESP 1.061.530/RS) e da Súmula nº 380, que o ajuizamento isolado de ação revisional não descaracteriza a mora. Tal faz sentido, porquanto a demanda pode vir sem qualquer substrato jurídico consistente, por primeiro, ou em face de situações em que o inadimplemento se faz presente desde o começo da contratação, e já advém a ação revisional que não denotaria um agir de boa-fé por parte do consumidor.

Ademais, sustenta-se que o reconhecimento da abusividade sobre os encargos incidentes para o período de inadimplência contratual tampouco arreda a mora solvendi, uma vez que já se verificou o inadimplemento.

Portanto, entendo que apenas descaracterizaria a mora o reconhecimento da abusividade em relação aos encargos cobrados no período da normalidade contratual – i.é., juros remuneratórios e capitalização. Quando, no período da normalidade, o credor está a exigir do devedor mais do que o correto, mais do que o devido, a mora não resta configurada. É a constatação da existência de abusividade no período da normalidade contratual que tem o condão de afastar a mora do devedor.

Tudo na esteira do acórdão paradigma acima referido (voto da relatora, p. 22):

“(...) o eventual abuso em algum dos encargos moratórios não descaracteriza a mora. Esse abuso deve ser extirpado ou decotado sem que haja interferência ou reflexo na caracterização da mora em que o consumidor tenha eventualmente incidido, pois a configuração dessa é condição para incidência dos encargos relativos ao período da inadimplência, e não o contrário. - Os encargos abusivos que possuem potencial para descaracterizar a mora são, portanto, aqueles relativos ao chamado “período da normalidade”, ou seja, aqueles encargos que naturalmente incidem antes mesmo de configurada a mora”.

Quanto ao tema, o colendo STJ já o pacificou, preconizando que é livre a pactuação da taxa de juros entre os contraentes, exceto em havendo excesso manifestamente comprovado (na forma do decisório tornado paradigma – RESP 1.061.530/RS, rela. Min. Nancy Andrighi, j. 22/10/08), ocasião em que se limitam os juros.

Então, cumpre dizer que os juros serão limitados, a um patamar razoável, para expungir abusividade, e que a diretriz que se adota para fixar tal patamar é a taxa média do mercado, tal como fornecida pela BACEN em seu site, consoante estipulado no acórdão paradigma supramencionado. Os juros são limitados, então, em hipótese excepcional, qual seja, quando ultrapassada a taxa média de mercado.

No caso, o pacto prevê juros remuneratórios anuais no patamar de 29,84% a.a., superior ao patamar de uma vez e meia a taxa média de mercado apurada para o período em que se celebrou o ajuste, que era de 19,20% a.a. Presente, portanto, a abusividade contratual.

A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual tem suporte na Medida Provisória n. 2.170-36/2001, art. 5º, que é norma especial em relação ao art. 591 do novo Código Civil. E, neste sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento pela legalidade da pactuação de capitalização inferior à anual dos contratos bancários não previstos em lei especial.

É importante frisar que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o REsp n. 602.068/RS, entendeu que a partir de 31.03.2000, data de publicação da MP n. 1.963-17, também é admissível a referida capitalização mensal dos juros.

No que tange à Medida Provisória n. 1.963-17 (2.170-36), igualmente, por se direcionar às "operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional", especificidade que a faz prevalente sobre a lei substantiva atual, que não a revogou expressamente e não é com ela incompatível, porque é possível a coexistência por aplicável o novo Código Civil substantivo aos contratos civis em geral (art. 2º, parágrafo 2º, da LINDB), não tratados na aludida Medida Provisória.

Portanto, a partir de 31.03.2000 foi facultado às instituições financeiras, em contratos sem regulação em lei específica, desde que expressamente contratado, cobrar a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual, direito que não foi abolido com o advento da Lei n. 10.406/2002.

A Segunda Seção, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o REsp nº 973.827/RS, através do voto condutor da insigne Ministra Maria Isabel Gallotti, estabeleceu a distinção entre a capitalização de juros e o regime de juros compostos, formadores da taxa efetiva e nominal de juros. Este acórdão paradigma deixou claro de que “a capitalização de juros diz respeito às vicissitudes concretamente ocorridas ao longo da evolução do contrato. Se os juros pactuados vencerem e não forem pagos, haverá capitalização”. Diante deste contexto, a capitalização deixaria de ser tratada como encargo da normalidade, passando a ter sua vinculação à inadimplência do devedor. No entanto, em decisões posteriores ao paradigma, a E. Ministra Gallotti e outros preclaros Ministros, adotaram o entendimento ou clarificaram o anterior de que o afastamento da mora contratual ocorreria somente quando constatada a exigência de encargos abusivos durante o período da normalidade contratual, incluindo nestes a capitalização.1 Transcrevo parte do corpo do acórdão: “...revendo posicionamento anterior no tocante à mora contratual, adoto a orientação do STJ, no sentido de afastamento da mora contratual apenas quando constatada a exigência de encargos abusivos durante o período da normalidade contratual, ou seja, juros remuneratórios e capitalização, consoante precedente do REsp nº 1.061.530 RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22.10.2008...”

No mesmo sentido, a posição do E. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino2, Raul Araújo3, para citar alguns.

Ainda, tratando-se de uma cédula de crédito bancário, que segue os ditames da Lei nº 10.931/04, a capitalização de juros em periodicidade inferior à anual é permitida, se expressamente pactuada, e encontra respaldo no art. 28, §1º, I, da Lei nº 10.931/04:

“Art. 28. A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente, elaborados conforme previsto no § 2º.

§ 1º Na Cédula de Crédito Bancário poderão ser pactuados:

I - os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização,...

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