Decisão Monocrática nº 52313055420228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 14-11-2022

Data de Julgamento14 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52313055420228217000
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002989522
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

14ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5231305-54.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATOR(A): Des. ROBERTO SBRAVATI

AGRAVANTE: CLAIR MARIA EBERLING

AGRAVADO: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A.

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. art. 932, IV, 'a' e 'b' do cpc.

1. A prova da mora é imprescindível à busca e apreensão (Súmula 72, STJ), e deve dar-se na forma do artigo 2º, § 2°, do DL 911/69. Presume-se a validade e efetividade da notificação quando remetida ao endereço do devedor.

2. Ausência de abusividades contratuais no caso concreto.

AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, MONOCRATICAMENTE.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de agravo de instrumento interposto por CLAIR MARIA EBERLING contra decisão proferida na ação de busca e apreensão que é movida contra a ora agravante pela AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A., que concedeu a liminar de busca e apreensão do bem (evento 5).

Em suas razões, a agravante requer a revogação da liminar de busca e apreensão sob a alegação de que a mora não estaria configurada pela existência de abusividades contratuais, bem como pela irregularidade da notificação extrajudicial. Por fim, pede pela concessão do benefício da gratuidade da justiça.

É o relatório.

Decido.

Conforme dispõe o inciso IV, alíneas ‘a’ e ‘b’ do art. 932 do Código de Processo Civil, que permitem ao relator o julgamento monocrático do recurso se em dissonância com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, passo ao exame do presente agravo de instrumento.

Primeiramente, concedo o benefício da assistência judiciária gratuita para a analise do presente recurso.

1. No que se refere à notificação extrajudicial e a comprovação da inadimplência do devedor, na dicção do artigo 2º, § 2º, do DL 911/69, “A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário”.

Ressabidamente, a comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente (STJ, Súmula 72).

Dita notificação, consoante entendimento há muito pacificado junto ao eg. STJ, deve ser remetida ao endereço domiciliar do devedor, consoante constar do contrato, sendo desnecessário o recebimento pessoal pelo mesmo.

Assim:

“(...) não há necessidade de que a notificação extrajudicial, remetida ao devedor fiduciante para a ciência de sua mora, em contrato garantido por alienação fiduciária, seja recebida pessoalmente por ele” (AgRg no RESP 759.269/PR, rela. Min. Nancy Andrighi, j. 18/03/08).

Com este Pretório:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. MORA CARACTERIZADA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE OFÍCIO DE ENCARGOS CONTRATUAIS. Dispõe o art. 3° do Decreto-Lei n° 911/69 que o credor fiduciário tem o direito de reaver o bem que se encontra na posse do devedor, desde que comprovada a mora. A regular constituição do devedor em mora restou comprovada nos autos. No caso, a notificação extrajudicial foi entregue no endereço do devedor constante no contrato. No mais, há impossibilidade de conhecer-se de ofício de eventual abusividade de cláusulas contratuais, nos termos da Súmula 381 do STJ. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70079615571, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miriam A. Fernandes, Julgado em 14/01/2019)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO. 1. A concessão da liminar em ação de busca e apreensão tem por pressupostos o inadimplemento da obrigação contratual e a constituição em mora do devedor fiduciante, nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei n. 911/69 e da Súmula n. 72 do Egrégio STJ. 2. Mostra-se suficiente, para a configuração da mora do devedor fiduciante, a notificação extrajudicial expedida ao endereço constante do contrato, não se exigindo que a assinatura da correspondência seja a do próprio destinatário. 3. A análise, de ofício, da eventual irregularidade das cláusulas constantes do pacto celebrado entre as partes encontra óbice na Súmula n. 381 do STJ, que pacificou o entendimento daquela Corte acerca do tema. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70080508682, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mário Crespo Brum, Julgado em 04/02/2019)

Assim, como a notificação constante no evento 1 - doc. 7 atendeu tal qual o acima descrito, e foi devidamente remetida ao endereço informado pelo devedor, sendo lá recebida, é válida.

2. No que se refere aos encargos abusivos, entende-se, na esteira do acórdão paradigmático (RESP 1.061.530/RS), que o ajuizamento isolado de ação revisional não descaracteriza a mora. Tal faz sentido, decerto, mormente porquanto a demanda pode vir sem qualquer substrato jurídico consistente, por primeiro, ou em face de situações em que o inadimplemento se faz presente desde o começo da contratação e já advém a ação revisional que, em casos como este, não denota um agir de boa-fé por parte do consumidor.

Ademais, sustenta-se que o reconhecimento da abusividade sobre os encargos incidentes para o período de inadimplência contratual tampouco arreda a mora solvendi, uma vez que já se verificou o inadimplemento.

A Segunda Seção, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o REsp nº 973.827/RS, através do voto condutor da insigne Ministra Maria Isabel Gallotti, estabeleceu a distinção entre a capitalização de juros e o regime de juros compostos, formadores da taxa efetiva e nominal de juros. Este acórdão paradigma deixou claro de que “a capitalização de juros diz respeito às vicissitudes concretamente ocorridas ao longo da evolução do contrato. Se os juros pactuados vencerem e não forem pagos, haverá capitalização”. Diante deste contexto, a capitalização deixaria de ser tratada como encargo da normalidade, passando a ter sua vinculação à inadimplência do devedor. No entanto, em decisões posteriores ao paradigma, a E. Ministra Gallotti e outros preclaros Ministros, adotaram o entendimento ou clarificaram o anterior de que o afastamento da mora contratual ocorreria somente quando constatada a exigência de encargos abusivos durante o período da normalidade contratual, incluindo nestes a capitalização, conforme se extrai da decisão proferida no AREsp 065768, DJE de 15/02/2013. Transcrevo parte do corpo do acórdão: “...revendo posicionamento anterior no tocante à mora contratual, adoto a orientação do STJ, no sentido de afastamento da mora contratual apenas quando constatada a exigência de encargos abusivos durante o período da normalidade contratual, ou seja, juros remuneratórios e capitalização, consoante precedente do REsp nº 1.061.530 RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22.10.2008...”

No mesmo sentido, a posição do E. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ao julgar o REsp nº 1318955, DJe 13/02/2013; e o E. Ministro Raul Araújo, ao julgar o REsp nº 1246616, DJe 19/03/2013, para citar alguns.

Portanto, entendo que apenas descaracterizaria a mora o reconhecimento da abusividade em relação aos encargos cobrados no período da normalidade contratual – i.é., juros remuneratórios e capitalização. Quando, no período da normalidade, o credor está a exigir do devedor mais do que o correto, mais do que o devido, a mora não resta configurada. É a constatação da existência de abusividade no período da normalidade contratual que tem o condão de afastar a mora do devedor.

Tudo na esteira do acórdão paradigma acima referido (voto da relatora, p. 22):

“(...) o eventual abuso em algum dos encargos moratórios não descaracteriza a mora. Esse abuso deve ser extirpado ou decotado sem que haja interferência ou reflexo na caracterização da mora em que o consumidor tenha eventualmente incidido, pois a configuração dessa é condição para incidência dos encargos relativos ao período da inadimplência, e não o contrário. - Os encargos abusivos que possuem potencial para descaracterizar a mora são, portanto, aqueles relativos ao chamado “período da normalidade”, ou seja, aqueles encargos que naturalmente incidem antes mesmo de configurada a mora”.

Logo, para fins de ilegalidades na fase de normalidade contratual, passo a analisar somente se houve...

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