Decisão Monocrática nº 52375801920228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 24-02-2023

Data de Julgamento24 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualConflito de competência
Número do processo52375801920228217000
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003358141
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Conflito de Competência (Câmara) Nº 5237580-19.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Compra e venda

RELATOR(A): Des. ICARO CARVALHO DE BEM OSORIO

SUSCITANTE: JUÍZO DA VARA JUDICIAL DA COMARCA DE IBIRUBÁ

SUSCITADO: OS MESMOS

SUSCITADO: 1º JUÍZO DA 8ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE

EMENTA

CONFLITO negativo DE COMPETÊNCIA. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. compra e venda de safra futura. produtor rural. não incidência do cdc. foro de eleição. validade.
conflito procedente.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo JUÍZO DA VARA JUDICIAL DA COMARCA DE IBIRUBÁ em face do 1º JUÍZO DA 8ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE, nos autos dos embargos opostos por ERICK SCHLINDWEIN à execução para entrega de coisa incerta movida por AGROFEL AGRO COMERCIAL S/A.

A decisão proferida pelo Juízo suscitado está redigida nos seguintes termos:

"Vistos

Cuida-se de embargos de devedor em que o executado apresentou prefacial de incompetência do juízo, dizendo que a execução de título extrajudicial nº 50861327820218210001 deveria ser processada no foro de domicílio do devedor ou no local de cumprimento da obrigação, como dita o art. 781, I , do CPC, ou seja não poderia o feito executório tramitar na Comarca de Porto Alegre, longe de onde habita o executado, devendo o processo executório e, por consequência, estes embargos, serem remetidos para a Comarca de Ibirubá/RS.

Em resposta, sobre o tema, a parte credora/embargada, disse que haveria cláusula de eleição de foro (08.13), no contrato firmado entre as partes e que fundamenta a execução, determinando que as dúvidas dele decorrentes deveriam ser resolvidas no foro da Comarca de Porto Alegre/RS, o que precisaria ser observado, com a rejeição da exceção ofertada.

Breve relato. Decido.

De fato, na cláusula 08.13 do instrumento contratual juntado nos autos da execução em apenso, as partes teriam eleito o Foro da Comarca de Porto Alegre para a solução de eventual litígio advindo do contrato em tela.

Porém, é evidente que estamos diante contrato pré-confeccionado pela exequente (inclusive tem seu logotipo nas folhas timbradas usadas para impressão do pacto), ao qual a parte embargante apenas aderiu e, mais, foi assinado pelo executado em Ibirubá/RS, que é onde o devedor reside e deveria ser cumprida a obrigação ((RS 223, KM 66, Passo Bonito, Ibirubá/RS).

Nessas circunstâncias, em que há evidente prejuízo para a defesa do contratante, que litiga ao abrigo da AJG, reside no interior do Estado e teria de se deslocar para a Capital (292,5 km de distância), de modo a responder pelo suposto descumprimento de pacto de entrega de grãos de soja a granel, pertinente que a cláusula de eleição de foro seja mitigada ou afastada.

Nessa linha, transcrevo o seguinte aresto:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. CÉDULA RURAL HIPOTECARIA. FINANCIAMENTO DE INSUMOS AGRÍCOLAS. Esta Câmara tem posição assentada no sentido de que, ainda que à parte não se aplique o conceito de ‘consumidor final’ previsto no art. 2º do CDC, os princípios protetivos de dito diploma legal podem ser aplicados à competência territorial sempre que, na relação jurídica apreciada, constatar-se a hipossuficiência de um dos litigantes em relação ao outro, decorrente de sua vulnerabilidade econômica. Em hipóteses tais, a cláusula de eleição de foro deve ser relativizada, a fim de preservar-se o equilíbrio contratual. Situação em que a competência é do juízo do domicílio da parte vulnerável. Exegese do par. único do art. 112 do CPC. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.(Agravo de Instrumento, Nº 70067121202, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ergio Roque Menine, Julgado em: 17-12-2015).

Diante do exposto, acolho a exceção de incompetência trazida pelo embargante ERICK SCHLINDWEIN e declino da competência para julgar esse feito, bem como a execução nº 50861327820218210001 em apenso, para a Comarca de Ibirubá/RS, onde reside o executado.

Certifique-se o aqui decidido no processo executório a que se refere.

Intimem-se."

Por sua vez, o Juízo suscitante proferiu a seguinte decisão:

"Vistos etc.

Suscito conflito negativo de competência.

Com efeito, conforme reconhecido pelo juízo suscitado, "na cláusula 08.13 do instrumento contratual juntado nos autos da execução em apenso, as partes teriam eleito o Foro da Comarca de Porto Alegre para a solução de eventual litígio advindo do contrato em tela".

De outra banda, o Código de Defesa do Consumidor é inaplicável ao caso em tela, visto que se trata de de pacto de entrega de grãos de soja a granel, não havendo nenhuma relação de consumo que pudesse autorizar a mitigação do foro de eleição.

Assim, diante da existência de foro de eleição, é irrelevante que se esteja "diante contrato pré-confeccionado pela exequente (inclusive tem seu logotipo nas folhas timbradas usadas para impressão do pacto), ao qual a parte embargante apenas aderiu e, mais, foi assinado pelo executado em Ibirubá/RS, que é onde o devedor reside e deveria ser cumprida a obrigação ((RS 223, KM 66, Passo Bonito, Ibirubá/RS)", como alegado pelo juízo suscitado para fundamentar a sua decisão.

ISTO POSTO, SUSCITO conflito negativo de competência, determinando a remessa dos autos ao TJRS para definição do juízo competente. "

É o relatório.

Decido.

Considerando o disposto no art. 951, parágrafo único, do CPC, dispenso a manifestação do Ministério Público, e decido de plano o presente conflito.

Enfrenta-se, de início, a questão da aplicabilidade do CDC ao caso em tela.

Consoante o art. 2º do CDC, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Para tanto, destaco a lição de Sergio Cavalieri Filho1:

"A corrente finalista ou subjetivista, a seu turno, interpreta de maneira restritiva a expressão destinatário final. Só merece a tutela do CDC aquele que é vulnerável. Entende ser imprescindível à conceituação de consumidor que a destinação final seja entendida como econômica, isto é, que a aquisição de um bem ou a utilização de um serviço satisfaça uma necessidade pessoal do adquirente ou utente, pessoa física ou jurídica, e não objetive o desenvolvimento de outra atividade negocial. Não se admite, destarte, que o consumo se faça com vistas à incrementação de atividade profissional lucrativa, e isto, ressalte-se, quer se destine o bem ou serviço à revenda ou à integração do processo de transformação, beneficiamento ou montagem de outros bens ou serviços, quer simplesmente passe a compor o ativo fixo do estabelecimento empresarial. Consumidor, em síntese, é aquele que põe fim a um processo econômico."

De outro modo, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviço, conforme art. 3º do CDC.

Conforme a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, o produtor rural não é amparado pelas regras de proteção ao consumidor, tanto em relação à aquisição de insumos agrícolas, como nas relações jurídicas advindas da compra e venda de safra futura.

Sobre o tema:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. QUEBRA DE SAFRA. DEFENSIVO AGRÍCOLA. PRODUTOR RURAL. INAPLICABILIDADE DO CDC. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRODUTO POTENCIALMENTE PERIGOSO. OCORRÊNCIA DO DANO. QUADRO FÁTICO DELINEADO PELO ACÓRDÃO A QUO. REEXAME DE PROVAS...

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