Decisão Monocrática nº 52381171520228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 30-11-2022
Data de Julgamento | 30 Novembro 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Agravo de Instrumento |
Número do processo | 52381171520228217000 |
Tipo de documento | Decisão monocrática |
Órgão | Terceira Câmara Cível |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20003060195
3ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Agravo de Instrumento Nº 5238117-15.2022.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO: Desapropriação Indireta
RELATOR(A): Desa. MATILDE CHABAR MAIA
AGRAVANTE: CONCESSIONARIA DAS RODOVIAS INTEGRADAS DO SUL S.A
AGRAVADO: JOSI LEA KAFER
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ação DE INSTITUIÇÃO DE PASSAGEM FORÇADA sobre área desapropriada. direito de vizinhança. matéria estranha à competência deste 2º grupo cível.
1. Trata-se de ação por meio da qual a parte autora pretende a instituição de passagem forçada sobre a propriedade do réu, sob o fundamento de que seu imóvel ficou encravado após as desapropriações realizadas para ampliação da rodovia.
2. Versando a demanda somente sobre o direito de vizinhança, a matéria insere-se na subclasse "passagem forçada". Precedentes análogos.
DÚVIDA DE COMPETÊNCIA SUSCITADA.
DECISÃO MONOCRÁTICA
1. CONCESSIONARIA DAS RODOVIAS INTEGRADAS DO SUL S.A interpõe agravo de instrumento em face da decisão que deferiu o pedido liminar de tutela provisória de urgência na ação de passagem forçada que lhe move JOSE KÄFER SULZBACH, nestes termos (evento 5, DESPADEC1):
Vistos.
Trata-se de ação de instituição de passagem forçada c/c pedido liminar, promovida por JOSI KÄFER SULZBACH em face de CONCESSIONARIA DAS RODOVIAS INTEGRADAS DO SUL S.A.
Narra a autora que é proprietária de uma área de terras, com superfície de 11.425,00m², situada na BR 386 - Rodovia Governador Leonel de Moura Brizola, bairro São José, em Estrela/RS, de matrícula nº 4.651, do Registro de Imóveis de Estrela/RS. Aduz que parte da área foi alvo de desapropriação pela requerida, através da ação de desapropriação nº 5002336- 17.2022.8.21.0047, que tramita na 1ª Vara Cível desta Comarca. Ocorre que, com a desapropriação da área da autora e outras, a área remanescente restou encravada, sem saída para a via pública, só tendo como sair através dos terrenos que se situam na sua frente, imóveis estes desapropriados pelo réu. Relata que a concessionária, na total má-fé, deixou a área da requerida inacessível, e que a estrada estava em perfeitas condições e está sendo destruída pela requerida que não apresentou nenhuma outra alternativa de acesso. Informou que tentou solução consensual com os demandados; todavia, sem êxito. Postula, liminarmente, seja imposto à requerida a manutenção da passagem existente ou a concessão de nova passagem. Juntou documentos (evento 1).
Vieram os autos conclusos para decisão.
É o breve relato.
DECIDO.
Considerando que houve o adimplemento das custas processuais (Ev. 2), bem como presentes as formalidades legais do artigo 319 do Código de Processo Civil, RECEBO A INICIAL.
Dito isso, passo à análise do pedido de tutela de urgência.
A antecipação da tutela consiste na entrega imediata da prestação jurisdicional objetivada ao final, evitando que se tenha que aguardar a sentença. Contudo, isso só é possível quando a prova for contundente a ponto de convencer da verossimilhança da alegação e, ainda assim, se houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou abuso do direito de defesa.
Nos termos artigo 300 do CPC, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem: a (i) probabilidade do direito e o (ii) perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.
In casu, entendo que estão presentes os requisitos legais para o deferimento do pleito.
O instituto da “passagem forçada” diz respeito ao direito de vizinhança, na forma do artigo 1.285 do Código Civil que, assim, dispõe:
“Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.”
Portanto, a passagem forçada consiste em direito assegurado ao proprietário que não tiver acesso a via pública de constranger o vizinho a lhe dar passagem, mediante o pagamento de indenização.
Sobre o tema, lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery:
Passagem forçada. O instituto da passagem forçada é de direito real e se insere no contexto das obrigações propter rem, ou seja, obrigações que decorrem da coisa. É instituto do chamado direito de vizinhança e atende à específica necessidade de o dono do prédio encravado ter acesso à via pública, fonte ou porto. O direito de passagem forçada decorre da necessidade natural do ir e vir das pessoas, que não pode ser obstado pelo direito real de propriedade, bem como decorre da necessidade de abastecimento ou escoamento de produção. Apesar de a doutrina valer-se do termo servidão legal para referir-se à passagem forçada, ela não se confunde com o instituto denominado servidão (CC 1225 III, CC/1916 674 II), que constitui em uma das espécies do chamado ius in re aliena, nem se confunde com a denominada servidão de caminho, que é instituto do direito público e tem natureza jurídica de limitação administrativa.
[...]
Encravamento real. É condição primacial para o reconhecimento do direito de passagem forçada o encravamento absoluto do prédio que o disputa. O encravamento, por sua vez, deve ser absoluto, tal que nenhuma saída tenha do prédio para se pôr em comunicação com a via pública (RF 87/2015). Sendo condição essencial para o reconhecimento da servidão legal de caminho que o imóvel não tenha acesso à via pública, o encravamento deve ser real, não justificando o direito de servidão a simples comodidade do proprietário (RF 196/190) (GRIFEI) (In: Código Civil Comentado. São Paulo: RT, 7ª edição, p.993).
Com efeito, ao passo que a servidão de passagem resulta de um acordo entre os proprietários, a passagem forçada é um direito do titular do imóvel encravado, que poderá exercê-la de forma cogente, sendo a primeira, via de regra, registrada no Registro de Imóveis, o que não se verifica com o direito de vizinhança.
Tal instituto não se confunde com a servidão de trânsito, cuja previsão encontra-se no art. 1.378 do Código Civil, de seguinte redação:
“Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis.”
Destarte, a tutela possessória pode ser reconhecida, em havendo esbulho, turbação ou ameaça à posse, nos casos (i.) de servidão de passagem (a) regularmente instituída ou (b) não titulada, mas tornada aparente pela realização de obras que a tornam permanente (Súmula nº 415 do STF) e (ii.) de passagem forçada, na hipótese de ser o imóvel encravado, sendo que, nesta hipótese, há de se reconhecer direito à indenização ao proprietário do imóvel dominante, nos termos do art. 1.285 do Código Civil.
No caso, sucede a legitimidade da autora para discutir a passagem forçada, diante da comprovação da propriedade de área através da matrícula do imóvel acostada aos autos (evento 1, MATRIMÓVEL3), pois titular de direitos possessórios.
Como se trata de ação ajuizada em razão de suposta obstrução de passagem, necessária a efetiva comprovação de que a via que foi obstruída é a única ou a que melhor conduz os autores à sua casa (o que autorizaria o...
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