Decisão Monocrática nº 52626486820228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo52626486820228217000
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003247455
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5262648-68.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Concussão (art. 316, caput)

RELATOR: Desembargador NEWTON BRASIL DE LEAO

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

1. Trata-se de Habeas corpus, impetrado em favor de Ângelo Sanches Thurler, com prisão preventiva decretada por força de representação da autoridade policial pela prática do ilícito de peculato, ocorrido em Canela/RS.

Alega, o impetrante, incompetência absoluta do juízo que decretou a prisão preventiva do paciente, pois a caracterização de organização criminosa desloca a competência para vara especializada. Aduz a desnecessidade e falta de contemporaneidade do decreto prisional. Pugna pela aplicação do art. 580 do Código de Processo Penal, com a consequente revogação da prisão cautelar. Afirma que sua liberdade não põe em risco a ordem pública, sendo possível substituir a prisão preventiva por medidas cautelares.

A liminar foi indeferida (evento 4, DESPADEC1).

Sobreveio parecer do Dr. Procurador de Justiça, em que opina pela denegação da ordem (evento 27, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

2. O pleito não merece acolhida.

A defesa de Ângelo arguiu incompetência absoluta do juízo que decretou a prisão preventiva do paciente, pois a caracterização de organização criminosa desloca a competência para vara especializada (evento 234, PED DECLINA COMPET1). Contudo já houve recebimento de denúncia apenas pelo crime de peculato, artigo 312 do Código Penal, não havendo, ao menos por ora, indiciamento ou denúncia por organização criminosa ou lavagem de dinheiro. Em 09.01.2023, o Juízo a quo indeferiu o pleito, sob a seguinte fundamentação (evento 295, DESPADEC1):

"[...]

3)- Pedido da defesa de ANGELO para remessa do inquérito policial para a Vara Estadual de Crimes de Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro de Porto Alegre, evento 234.

Pelo relatório final do Inquérito Policial, o indiciado ANGELO SANCRES THURLER está sendo acusado pela prática dos seguintes crimes:

• Artigo 299, parágrafo único, do Código Penal;

Artigo 304, caput, do Código Penal;

Artigo 312, caput, do Código Penal;

Artigo 316, caput, do Código Penal;

Artigo 317, caput, do Código Penal;

Artigo 321, caput, do Código Penal;

Artigo 330, caput, do Código Penal;

Artigo 337-E, caput, do Código Penal (Artigo 89, caput, da Lei n.º 8.666/93)

Já houve recebimento de denúncia pelo crime de peculato, artigo 312 do Código Penal.

Não obstante a referência inicial nas investigações e decisões cautelares, não houve, até então, indiciamento ou denúncia por organização criminosa ou lavagem de dinheiro.

Desta forma, INDEFIRO o pedido da defesa, mantendo a competência deste juízo.

[...]"

Assim, vai mantida a decisão.

No mesmo sentido, a análise da segregação cautelar do paciente.

A prisão preventiva, por introduzir o agente prematuramente no sistema prisional, deve ser decretada com observância aos requisitos previstos nos artigos 312 e 313 do CPP, e somente quando impossível a aplicação de medidas cautelares diversas da custódia (artigo 282 §6º do CPP).

In casu, todos os requisitos restaram satisfeitos.

O paciente teve a prisão preventiva decretada em 12.12.2022, pela prática do delito de peculato. Segundo consta, no dia 03/01/2022 foi registrada ocorrência, comunicando que Ângelo teria praticado crimes contra a administração pública junto à Secretaria Municipal de Turismo. A autoridade policial representou pela decretação da prisão preventiva do paciente, tendo o Ministério Público se manifestado favoravelmente ao pedido. Em 12.12.2022, o Juízo a quo deferiu os pleitos, sob a seguinte fundamentação (evento 81, DESPADEC1):

"Trata-se de representação da autoridade policial da DP de Canela postulando medidas cautelares em face de novos investigados de diversos crimes em continuação à Operação Caritas, conforme requerimento e documentos do evento 71, tendo como foco, desta vez, a Secretaria Municipal de Turismo de Canela.

ANGELO SANCHES THURLER, ELIAS DAVI DA ROSA e FERNANDO JOSE MARQUES são suspeitos de, conjuntamente a outros servidores públicos, pessoas físicas e jurídicas, praticarem crimes contra a Administração Pública (PECULATO, CORRUPÇÃO ATIVA, CORRUPÇÃO PASSIVA, CONCUSSÃO, FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS, USO DE DOCUMENTO FALSO, LICITAÇÕES, LAVAGEM OU OCULTAÇÃO DE BENS, DIREITOS E VALORES e ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA) no âmbito do Poder Executivo do Município de Canela, mais especificamente na Secretaria Municipal de Turismo

O Ministério Público manifestou-se favoravelmente a todos os pedidos apresentados, nos termos do parecer do evento 79.

Ao início desta Operação Policial enfrentei todos os elementos indiciários da existência de vários crimes praticados a partir do Poder Público Executivo Municipal, principalmente na administração do Hospital de Canela e nas Secretarias de Obra e de Meio Ambiente, além do envolvimento do Chefe do Poder Legislativo Munipal, à época, restando deferidas várias medidas cautelares, inclusive a prisão dos Secretários Municipais daquelas pastas, do Vereador Presidente da Câmara e do Diretor do Hospital.

A comunidade de Canela sofreu enorme abalo na garantia da ordem pública como jamais havia experimentado anteriormente, sendo que as investigações, algumas já encerradas e com ações penais em andamento, revelaram um enorme esquema de corrupção com envolvimento de agentes públicos e setor privado, além de agremiação partidária.

À medida em que as investigações policiais avançaram, principalmente com o sucesso das medidas judiciais determinadas nas fases anteriores, com as prisões, interceptações telefônicas, apreensão de mídias e documentos, quebras de sigilos bancários e fiscal, a Polícia Civil pode desvendar a ocorrência de mais crimes, esta vez também envolvendo uma nova Secretaria, o que já se aventava anteriormente, pela sua relevância e participação na cidade de Canela, tudo orquestrada a partir do então Secretário do Turismo, ANGELO SANCRES THULER.

Conforme traz o Dr. Delegado, o grupo político e criminoso detinha controle absoluto da máquina pública canelense de modo a que benefícios, desvios e crimes trouxessem vantagens apenas para os membros desta verdadeira organização criminosa.

Proferi decisão no inquérito policial principal (n.º 0252/2021/150416A) deferindo o aproveitamento de todos os elementos de convicção e provas colhidas até então, com o compartilhamento integral e sem exceção de todas as medidas pré-cautelares, cautelares e afastamentos já autorizados por este juízo.

Baseada em tais elementos já colhidos e o que mais foi buscado posteriormente, apresenta a Autoridade Policial RELATÓRIO DE INVESTIGAÇÃO ESPECÍFICO sobre os fatos investigados no âmbito da Secretaria Municipal de Turismo, bem como de RELATÓRIO DE ANÁLISE DE INDICATIVOS DE LAVAGEM DE DINHEIRO pela Divisão de Inteligência Financeira da Polícia Civil.

O que se vislumbra de tais relatórios, devidamente amparados pela prova indiciária até então colhida, é que, sob o comando do então Secretário Municipal de Turismo de Canela, ANGELO SANCHES THURLER, foi arquitetado esquema criminoso para canalização e desvio de vultosas quantidades de dinheiro público junto àquela secretaria, através da contratação direta e ilegal de empresas sobretudo do setor turístico (mas não apenas), em inexigibilidade de licitações, as quais têm ligação com servidores da Prefeitura Municipal, em especial da própria Secretaria de Turismo e do então Secretário Municipal e seus comparsas – servidores públicos ou não.

Conforme destaca a Autoridade Policial:

Após contratação dessas empresas ligadas ao grupo criminoso e feito o pagamento com verbas públicas (por serviços prestados, parcialmente prestados ou sequer prestados), as empresas que recebem os valores fazem o repasse do montante, integral ou parcial, ao investigado ANGELO SANCHES THURLER e seus comparsas3 . Apurou-se, ainda (sobretudo com as quebras de sigilo parciais – até o presente momento), que contas particulares de ANGELO SANCHES THURLER e outros investigados eram pagas pelas empresas contratadas direta e ilegalmente pela Secretaria de Turismo de Canela, como veículos de luxo, imóveis de alto padrão, entre outros. O esquema implantado pelo grupo criminoso não é novo, apenas reproduzindo a velha – mais ainda eficaz – prática de contratação direta e ilegal de empresas de suas relações, sem observância das regras licitatórias, com superfaturamento, para posterior canalização dos valores de origem pública em favor dos investigados. Assim, o investigado ANGELO SANCHES THURLER, na condição de Secretário de Turismo, indicava empresas, realizava suas contratações (em inexigibilidade de licitação) e, após pagamento com valores do erário, recebia para si vultosas quantias em dinheiro. Ele ainda encaminhava à Prefeitura Municipal contas a serem pagas pelo erário em serviços ou negócios de que é sócio oculto, como empresas, pousadas ou prestações de serviços diversos. Em verdade, apurou-se que o investigado, utilizando-se da posição de Secretário Municipal de Turismo, mantinha negócios ilegais de toda a sorte, de modo a desviar valores para si em todas as frentes possíveis.

Dentre os investigados, figuram, além de ANGELO SANCHES THURLER, sua esposa CAROLINA BERRIEL ADAME SANCHES THURLER, a então Secretária-Ajunta do Turismo, CAMILA MENDES PAVANATTI, ALEXANDRE MIRAGEM BRAGA RANGEL, JOSÉ FERNANDO MARQUES e ELIAS DAVID DA ROSA, entre outros, como FABRICIO MEDEIROS DE MEDEIROS, CARLOS HENRIQUE MARQUEZ NUNES MALUF DE SOUZA, CARLOS EDUARDO FERNANDO DOS SANTOS, EDUARDO ROSS IDALINO, BIANCA PLETSCH DE MORAES, PAULO CEZAR DA ROCHA, NATAN FERREIRA BORGES, VANESSA DE...

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